quarta-feira, 20 de maio de 2015

Todo o meu ser


Os primeiros meses foram muito complicados pois o Diogo sofria muito com cólicas. Não me lembro de o ouvir chorar como bebé, gritava ao ponto de ficar rouco. Nós, pais pela primeira vez e completamente inexperientes, andávamos desnorteados. Familiares e amigos vinham conhecer o nosso rebento, pouco tempo ficavam mas era sempre o tempo suficiente para ouvirmos “Coitadinho de quem é pequenino e não se sabe queixar!...” e darem sugestões para o acalmar “Faz isto, faz aquilo!...”. Doidos! Foram tempos de enlouquecer, todos opinavam mas ninguém acertava. No dia em que fez três meses, o pesadelo pareceu chegar ao fim pois sossegou e de tal modo que eu, totalmente incrédula, estava sempre a observá-lo, a ver se respirava. Inacreditável! Passara do 8 para o 80. Seguiram-se tempos relativamente tranquilos e finalmente podíamos gozar o nosso filhote.
Aos 14 meses foi para o infantário da Santa Casa da Misericórdia. A fase de adaptação foi um pouco complicada pois todas as manhãs o deixava a chorar. Agarrava-se ao meu pescoço e não me queria soltar, quase me arrancava a roupa do corpo e sentia, todos os dias, que perdia um bocadinho de mim. Eu fazia a minha vida normal e pacata entre a escola e os momentos de contemplação e descoberta diária do meu filho. É tão boa a sensação de que tudo decorre dentro da normalidade… pena é só lhe darmos o devido valor quando a perdemos.
Viria mais tarde a lembrar-me de um cigarro que fumara no jardim e de uma terrível sensação que me acompanhara, um aviso. Existem situações inexplicáveis mas, coincidências ou não, tornaram-se uma realidade muito dura de enfrentar. O meu filho debatia-se com uma epilepsia muito difícil de controlar.
Quando se é mãe pela primeira vez idealizamos uma vida feliz para as nossas crias. Sonhamos com um amanhã solarengo… e este foi-me usurpado repentinamente e de um modo brutal. Todos os meus sonhos foram trancados a sete chaves no recôndito do meu ser. Alienei-me desses mas substitui-os por novos, cujo denominador comum foi e será sempre a felicidade do meu Diogo.
Durante a gravidez li todos os livrinhos sobre maternidade e afins, autênticos manuais de instruções… mas o que fazer quando os nossos filhos não são descritos nos livros? Sempre considerei difícil o papel desempenhado pelos pais e sempre me asseguraram que o vestiria por puro instinto. E é verdade! Assim foi.
O Diogo é uma criança especial. Todos os que trabalham com ele, todos os que o acompanharam e acompanham no seu desenvolvimento, enfim, todos os que o rodeiam, são conquistados e nutrem por ele sentimentos de ternura inexplicáveis. O Diogo é uma criança que não tem maldade no seu coração tornando-se, por isso, docilmente ingénuo. Não suporta ver os outros tristes, detesta injustiças mas é capaz de aceitar a culpa para não prejudicar outros. O meu filho faz o meu coração transbordar de alegria, fez-me aprender que a vida é muito mais do que aquilo que eu idealizava. Hoje sou capaz de apreciar a simplicidade daquilo que me rodeia. Até vislumbrar um simples arco-íris me faz sentir melhor. O meu filho ligou-me à vida, ao que ela tem de mais precioso. Quando respiro, dou graças por poder fazê-lo. E agora pergunto-me “como é possível não amar tanto uma criança?”. O meu filho tem uma epilepsia difícil provocada por uma displasia e depois? Vou descartá-lo como se de um brinquedo defeituoso se tratasse? E não se escandalizem com a frieza da expressão pois vi quem o fizesse… Não! Amo-o ainda mais, com toda a minha vontade, com todo o meu ser!

domingo, 17 de maio de 2015

Finalmente conheço-te...


Vivi a minha primeira gravidez, dia a dia, intensamente. Apercebia-me de cada pequena transformação do organismo. Não sofri de náuseas ou vómitos, tive uma gravidez calma e vigiada até ao termo. Criei muito cedo laços com aquela vida que se desenvolvia dentro de mim, falava-lhe, acariciava a barriga, na esperança de que me sentisse, cantava-lhe… Por volta das 12 semanas tive a notícia de que ia ter um menino e emocionei-me pois era o meu desejo mais intimo.
O tempo passava, a minha barriga crescia e eu imaginava o pequeno ser que trazia dentro de mim. São momentos divinais os que nós, mulheres, temos o privilégio de viver. Cada ida à ginecologista era uma aventura indescritível. Vivia com ansiedade as horas que antecediam o momento em que poderia ver o meu bebé na ecografia já que apenas o sentia. E como gostava de senti-lo! Era muito ativo e dava fortes pontapés, de tal forma que durante algumas aulas era interrompida pelos meus alunos “Professora, a sua barriga anda aos trambolhões” ou “Professora, a sua barriga está torta!”. Eu sorria e aproveitava a deixa… “Pois, o bebé está a queixar-se do vosso barulho. Vamos acalmar um bocadinho?”.
Esse ano foi muito quente e eu sofri com o calor. Os meus tornozelos incharam e pareciam troncos de árvore, as minhas costas doíam. Uma das minhas amigas de sempre casava-se a 22 de julho e os preparativos foram deixados para o fim pois não sabia se poderia estar presente. Entretanto fui novamente à ginecologista que me fez um CTG e assegurou que ainda não tinha contrações. Na véspera do casamento da Rita disse-lhe que podia contar comigo.
A manhã desse dia estava muito bonita. Fui arranjar o cabelo e acabei por comprar o meu perfume preferido. Andava tranquilamente pelas ruas da cidade e apreciava o azul do céu, as temperaturas amenas e cada som que ouvia. Parecia extasiada com tudo o que me rodeava e deleitava-me com aqueles momentos em que podia cuidar de mim. Quando cheguei a casa apercebi-me que a sensação que tivera durante a manhã, de um corrimento que não era normal, era uma realidade. Aconselharam-me a ida ao hospital “Por via das dúvidas leva a mala no carro”. Os acontecimentos que se sucederam foram hilariantes.
Pelas 16 horas dei entrada nas urgências do hospital. Agora imaginem o estado em que o fiz… cabelo bem penteado, muito bem pintadinha, unhas arranjadas e deliciosamente cheirosa, o resto destoava… calças de fato de treino, t-shirt e chinelinhos de meter o dedo. O enfermeiro da triagem, após a recolha dos sintomas, olhou para mim com ar gozão e perguntou-me “A senhora sabe para onde vai?”. É óbvio que eu sabia. Esperava ir para um casamento e não para as urgências de um hospital! Enfim, auxiliares, enfermeiras e médicos questionavam-me sobre a aparência e todos se riam da minha resposta. Não os censuro pois eu também me ria silenciosamente de toda aquela situação.
Fui observada e a médica sentenciou-me “Hoje não vai a lado nenhum. Tem uma rutura de membranas e vai ficar em observação”. A minha mãe esteve sempre comigo mas ausentou-se para pedir ao genro a mala com a roupa. Na manhã seguinte provocaram o parto. 
No dia 23 de julho de 2006, com 37 semanas de gestação, nasceu o meu menino, saudável e muito dorminhoco. E eu estava muito feliz pois tinha-o finalmente nos meus braços.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

"A Ticha está grávida"


Como já disse, acredito que existe uma vida para além desta. A principal responsável é a minha avó pois semeou essa crença que se enraizou dentro de mim. Já perdi muitos familiares, muito queridos, que marcaram a minha vida devido aos seus percursos e experiências de vida, por isso, também já sofri muito com as suas perdas. No entanto, tenho facilidade em fazer o luto pois, apesar de nos separarmos fisicamente, ligo-me a eles espiritualmente. Quando as saudades me conquistam falo com eles, peço-lhes conselhos e orientação, reflito sobre o meu percurso e obtenho paz de espírito.
Casei-me em maio de 2004 e fi-lo pois sentia que a minha avó não ficaria muito mais tempo connosco. Mas a minha tia Teresa, filha do meio, partiu primeiro. Foi uma perda muito grande, um choque para todos nós. Era uma mulher que transbordava de vida, com um sentido de humor excelente e expressividade arrebatadora. A doença, desconhecida pela comunidade médica, foi de tal modo avassaladora que, aos poucos, a sua vida esvaía-se e ela, incapaz de vencê-la, desistia lentamente. Os órgãos foram falhando até que o motor da sua existência parou para sempre. Tinha 51 anos.
Um ano após o meu casamento sofria a perda inesperada da minha tia Teresa e o tormento de dar a notícia à minha avó Aida. É indescritível a dor de uma mãe perante a notícia da perda de um filho. Senti que rasgara o coração da minha avó e lhe infligira uma dor dilacerante. A partir desse dia, a minha avó começou a desistir da vida. Viúva há 30 anos, e convicta de que a família terrígena era unida, cedeu às saudades pelos que já nos tinham deixado, mas não partiria sem ver um bisneto, decidira eu.
O Diogo foi uma criança extremamente desejada, por mim e por todos, e chegou na altura certa. A bisa ainda lhe deu colo e cerca de mês e meio mais tarde partiu. Sofri muito com a perda da minha tia mas a minha avó fora uma segunda mãe para mim.
A minha tia estava ausente, vivia em Lisboa e, apesar de ter sido muito importante na minha adolescência, estava longe. O luto foi facilitado pela distância geográfica pois, apesar de saber que tinha partido, sentia-a apenas distante.
A vida da minha avó estava por um fio, eu sentia-o. Já no hospital e a recuperar de uma cirurgia feita de urgência, via-a fraquinha mas com o olhar maternal e doce que parecia dizer-me “Chegou o meu dia”. Eu sabia que era a sua vontade mas também sabia que não queria partir só e num hospital. Senti-me angustiada e pedi à minha mãe que fosse ao hospital na manhã seguinte para falar com o médico. Foram as duas filhas mas apenas subiu a mais velha, a minha mãe. Depois de falar com o médico e de este lhe ter dito que a mãe se encontrava a recuperar bem mas que o coração estava fraquinho, a filha aniversariante dirigiu-se ao quarto. Abraçou a progenitora, beijou-a e a minha avó sucumbiu nos seus braços. Recebi a notícia por telefone. Era o meu tio Lito. “A tua tia e a tua mãe estão em Guimarães, a tua avó morreu”. Silêncio. O Diogo tinha mês e meio e era um bebé que chorava muito. Nesse momento tinha-o ao colo e eu chorava mais do que ele.
Depois de um percurso escolar imaculado, em plena fase da parvalheira, concorri à universidade. Quis o destino que escolhesse entre enfermagem, no Porto, e a licenciatura em geologia na Universidade de Coimbra. Era adolescente e tinha duas paixões: ajudar os outros e os calhaus. Entre tirar um curso num colégio de freiras e outro em Coimbra, famosa pelas Queimas das Fitas, qual terá sido a minha decisão? Pois é, sou professora de biologia e geologia. Estudei calhaus, agora ensino aos meus alunos aquilo que tanto gosto, mas posso contribuir com algo mais pois o ensino passa não só por disparar matéria mas também formar os nossos jovens para a vida.
Conheci o Filipe, meu marido, em Coimbra. Era meu vizinho e estudava economia. Namorámos 12 anos e, depois de adiarmos o casamento sempre à espera da minha estabilidade profissional, decidimos dar o grande passo. Casei-me com 30 anos.
O instinto maternal atingia o pico e a vontade de dar um bisneto à minha avó ajudou-me a ultrapassar a precariedade profissional. Fui à ginecologista e depois de um OK da parte dela “pusemos mãos à obra”.
Soube que estava grávida cerca de 8 dias após a concepção. Um fim de semana, como tantos outros, fui passar a tarde com a minha avó que me recebeu com um grande sorriso e uma confidência. “Sabes, Ticha, hoje sonhei com aqueles que já partiram. Só não falei com a tua tia Teresa mas ela mandou dizer-me que estava a preparar o bebé para ti…”. Seria possível? Não!... Mas aquela mensagem não me saía da cabeça. No dia seguinte, segunda-feira, dirigi-me até uma farmácia e comprei um teste de gravidez. Pensei “Que patetice, Patrícia… não pode ser, vai dar negativo”. Pois bem, cheguei a casa, li as instruções, fiz o teste e aguardei… espreitei e vi o resultado. POSITIVO. Nada fiz, nada disse e aguardei a falta da menstruação.
Nesse Natal combináramos não fazer distribuição de prendas, por isso, eu e o meu marido fotocopiámos a primeira ecografia e oferecemo-la dentro de um envelope na noite de véspera de Natal. Foram todos apanhados de surpresa e ficaram espantados a olhar para aquele pedacinho de papel. Apenas a minha avó falou mais alto e disse “A Ticha está grávida!”.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Tempos turbulentos II



Vários amigos e colegas aconselharam-me a procura de uma segunda opinião. Eu sabia que era um direito do meu filho mas iria voltar à estaca zero. “Não! Vamos continuar com a Dr.ª Manuela!”. Eu sabia que era impossível obter respostas imediatas. O meu filho era refractário à medicação, logo teríamos de ter paciência, muita paciência… Foram experimentadas várias associações e as substâncias sucediam-se… fenitoína, vigabatrina, topiramato, carbamazepina, levetiracetam, lamotrigina, valproato de sódio… após inúmeras combinações e diferentes dosagens a que melhor controlava a epilepsia do Diogo era constituída por fenitoína, lamotrigina e clobazam. Este último pertencente a um grupo de medicamentos denominado de benzodiazepinas e que funciona por causar um efeito calmante no cérebro.
Com o passar do tempo, o Diogo deixou de ter crises acordado e passou a tê-las apenas durante o sono. Brindava-nos sempre com uma ou duas crises ao adormecer, umas quantas durante o sono e outra ao despertar. E nós nada podíamos fazer, apenas observar, registar e contabilizar. Rapidamente aprendemos a colocar as emoções de lado e a manter a frieza necessária para podermos ajudar o nosso filho. Enviávamos relatórios semanais à Dr.ª Manuela via e-mail que, assim, acompanhava o desenrolar da epilepsia, a resposta aos diferentes fármacos, mudava as dosagens e respondia às nossas dúvidas, para além de nos convocar a novas idas ao Maria Pia. Quando as crises se alteravam também partilhávamos pequenos filmes das mesmas, assim foi com as crises provocadas pelo “maldito Keppra!”.
Eu e o meu marido sentíamo-nos impotentes, não podíamos fazer nada para ajudar o nosso filho e descarregávamos a nossa raiva no outro. Em determinadas alturas quase disputávamos para descobrir qual de nós lhe dava melhor assistência. “Não faças assim… não vês que desta forma é melhor?”. Até na preparação da hedionda mistura discutíamos o método mais rápido de a fazer ou a medição mais precisa dos fármacos a misturar. Era indiferente se, eu ou ele, triturávamos os comprimidos para a esquerda ou para a direita… o importante era dá-los à hora certa. Como dizem “o tempo ensina-nos” e nós acabámos por aprender a lidar com as nossas frustrações e a conjugar esforços para que o Diogo tivesse uma vida normal, apesar das nossas vidas terem deixado de sê-lo.
A medicação do Diogo passou a fazer parte do nosso dia-a-dia: duas tomas, às 9 da manhã e às 21 horas. Fazíamo-nos acompanhar sempre do malote da medicação que incluía os fármacos, um almofariz para triturar os comprimidos dispersíveis, uma garrafa de xarope caseiro que preparávamos, misturando água e açúcar até atingir a viscosidade pretendida, e uma seringa para administrar oralmente a intragável mistura. Era mesmo hedionda! Como sei? Sempre que dávamos nova medicação ao Diogo experimentávamos para prever a sua reação e os sabores eram ácidos, amargos de provar, e prevaleciam no palato por muito tempo, de tal modo que, após as tomas, o Diogo era sempre presenteado com um rebuçado.
Nunca escondi a epilepsia do Diogo a ninguém. Falei sempre abertamente e prevenia quem estivesse comigo que ele fazia crises, descrevia-as e antecipava o momento do choque em que o meu filho brindava os presentes com as suas ausências. Apesar de falar, sentia uma revolta imensa que se apoderara de mim. Porquê o meu filho? Porquê? Que mal terá feito para merecer tamanho castigo? Vivia com o coração nas mãos pois não sabia se as crises lhe causariam algum tipo de lesão e sabia que aquilo não era vida nem para ele, nem para ninguém. Eu tornara-me a sombra do Diogo pois as crises aconteciam sem aviso prévio. Bastava uma queda mal dada, uma corrida inofensiva, no fim da qual o Diogo se transformava num projétil e voava, aquelas pequenas coisas inofensivas que estão sempre presentes mas que potenciam os riscos no caso dele. O Diogo nunca mais esteve sozinho numa divisão da nossa casa pois tinha-nos sempre ao seu lado ou muito próximos. 
O mês de agosto passou tempestuosamente, seguiu-se setembro e fiquei colocada em Pevidém, Guimarães. Os dias passavam lentamente e tínhamos a sensação de viver um pesadelo do qual não conseguíamos despertar. 
A partir de outubro as crises foram tornando-se menos frequentes até cessarem. E não se repetiram durante 6 meses. Respirávamos de alívio mas não demos tréguas à vigilância. O Diogo tinha ganho liberdade de movimentos mas o nosso olhar estava sempre nele. Ora eu, ora o pai, já nem precisávamos de combinar quem o vigiaria… bastava um virar costas e o outro imediatamente se posicionaria. 
Entre nós, questionávamo-nos se a epilepsia teria desaparecido tão subitamente conforme aparecera. Mas lá no fundo, bem no fundo, sabíamos que estava apenas a dormir. Passados uns meses houve um surto de varicela no infantário e o Diogo, apesar de resistente, foi o último da sala a manifestá-la. Ficou com o corpo todo sarapintado. Eram tantas as erupções que eu vertia o betadine diretamente pelo corpo e espalhava-o com um punhado de algodão. A epilepsia também voltou e, deste então, nunca mais deu tréguas. 
O Diogo era uma criança que descansava muito pouco pois tinha crises durante o sono. Enquanto dormimos, o nosso organismo relaxa mas o do meu filho entrava em convulsão, de tal forma que o despertar era sempre tempestuoso. Acordava maldisposto, resmungão e muito embirrento. Era uma tortura preparar o rapaz e levá-lo para o infantário onde ficava amuado. Por vezes demorava cerca de uma hora a vestir-se. 
À medida que ia crescendo e aumentando de peso era reajustada a medicação e, entre consultas, indicávamos as dificuldades que iam sendo detetadas. Apercebemo-nos que o nosso filho não gostava de jogos de encaixes ou de puzzles. Não rodava as peças de modo a encaixá-las corretamente e, enfurecido e frustrado, afastava os jogos. Tinha dificuldade em acabar qualquer tarefa, por mais simples que fosse, e não gostava de desenhar ou pintar. A Dr.ª Manuela explicou-nos que seriam consequências da localização do foco epitalogénico e a motricidade fina seria uma preocupação no futuro muito próximo. Pouco tempo depois fez-se uma primeira avaliação de desempenho sendo o nosso filho muito pouco colaborante. Durante 6 semanas, todas as sextas feiras, deslocávamo-nos ao Maria Pia. A maioria das vezes o regresso era feito sem qualquer tarefa desempenhada pelo Diogo e o resultado final foi alarmante apesar de espectável. Não perdi tempo e falei com a Isabel. Expliquei os resultados obtidos e pedi que sinalizasse o Diogo de modo a que lhe fosse facultada terapia ocupacional. 
Depois de tudo ter começado e ter voltado à escola apercebi-me pela primeira vez de que a epilepsia era uma doença que afetava muitos dos que me rodeavam ou alguém que conheciam. “Sabes, fulano também tem mas toma medicação e não faz crises…”, “Eu já tive ataques em miúdo mas acabou por passar…”. Mas por que razão o escondiam? Foi o meu primeiro contacto com o preconceito. As pessoas que têm epilepsia não gostam de dizer que a têm ou sequer que já a tiveram. Na antiguidade seriam apontadas como pessoas possuídas pelo diabo, padeceriam nas fogueiras da Santa Inquisição na Era da caça às bruxas e, hoje, continuam a ser vistas de modo diferente, são os epiléticos. E o meu filho pertence a este clube.

domingo, 10 de maio de 2015

Tempos turbulentos



Durante o fim-de-semana informaram-nos dos contactos que mantinham com o hospital São Marcos, em Braga, e o hospital Maria Pia, no Porto, e que estariam a seguir as suas instruções pois a epilepsia do Diogo era muito complicada. Na segunda-feira, logo pela manhã, avisaram-nos de que o Maria Pia queria a transferência do Diogo, após realização de uma ressonância magnética. “Não pode fazê-la lá, senhora doutora?”. A médica foi apanhada desprevenida pela minha pergunta e eu apercebi-me imediatamente… “Desculpe, não me interprete mal. Eu sei que aqui não conseguem dar respostas ao nosso filho e eu quero que ele esteja onde lhas possam dar. Se é no Maria Pia, é para lá que eu quero que ele vá, o mais rápido possível.”
Após um internamento de 5 dias em Guimarães e feito o recobro da RM, o Diogo foi transferido para o Maria Pia. O meu marido seguiu atrás da ambulância. Pelo caminho viveu-se um ambiente de muita tensão pois o meu filho ficou muito agitado e disparava crises a torto e a direito. O bombeiro, condutor da ambulância, esgalhou na autoestrada com a sirene sempre a bombar e eu só via os carros a encostar rapidamente na faixa direita. “Meu Deus, isto parece um filme” pensei eu.
Chegámos ao Maria Pia. Esperavam-nos duas médicas que acompanharam o caso do Diogo à distância, a Dr.ª Manuela Santos e a Dr.ª Inês Carrilho. Fizeram-nos imensas questões e pediram-nos os filmes de que já tinham conhecimento. E alí ficámos, eu e o meu marido, a observar e a tentar apanhar algo na conversa, entre as duas especialistas, que nos permitisse obter mais alguma informação. O modo como discutiam o caso transmitiu-me segurança e senti-me melhor, apesar de tudo. O Diogo também as brindou com crises, o que lhes permitiu chegar a um consenso mais rapidamente. Enquanto subíamos para o internamento, a Dr.ª Manuela Santos explicou-nos o que pretendiam fazer: seria administrada fenitoína (Hidantina) endovenosa durante a noite. Na manhã seguinte esperavam resultados. A verdade é que chorei toda a noite, não sei se de medo ou de alívio e o Diogo dormiu como um anjo. Nenhuma crise a assinalar. A resposta era muito boa mas não seria duradoura. Tirou-se a fenitoína endovenosa e começámos a dar a medicação via oral, diluída em xarope. Passado algumas horas reparei que o Diogo começava a dar uns esticões com um braço, tipo soluços, e informei a enfermeira. No fim do dia a Dr.ª Manuela disse-nos que seriam indícios de que as crises voltariam e voltaram. O que a seguir nos explicaram pareceu-nos suficiente para a altura. O Diogo tinha uma epilepsia de difícil controlo cuja causa ainda não estaria identificada pois a RM, apesar de exaustiva, não mostrava qualquer malformação cerebral. Continuava por descobrir a associação de fármacos que permitiria o controlo das crises do Diogo que, entretanto ficara conhecido pelo “menino das cinquenta…” crises diárias. Sim, parece mentira mas é verdade! O meu filho fazia uma média de 50 a 60 crises por dia.
A nossa estadia no Maria Pia abriu-me os olhos para uma realidade muito triste. Apercebi-me que vivia numa absoluta ignorância, que tinha uma vida tão ridiculamente perfeita que me passava ao lado o sofrimento vivido por tantas mulheres. Conheci muitas mães, umas com uma vasta experiência na dor, outras principiantes como eu. Partilhávamos as histórias das nossas crias, de como tudo começou e os nossos medos. Conheci muitas mães que me mostraram, pelas suas experiências de vida, o que queria e o que não queria para o Diogo. Com essas aprendizagens esbocei desde cedo o caminho que queria trilhar e aqueles que teria de evitar para o bem do meu filho.
Apesar de me encontrar enclausurada com o Diogo tive oportunidade de conhecer profissionais de saúde espetaculares que adoravam crianças, que lhes proporcionavam momentos bons, na prisão das suas camas, e davam o ânimo e apoio possíveis aos pais atormentados. Eram pessoas que tinham o dom da dádiva, da entrega àqueles seres em sofrimento. Uma dessas pessoas que marcou este meu percurso inicial foi uma enfermeira, já de idade que cantarolava e contava piadas enquanto dava a medicação. Sou sincera, já não me lembro do seu nome mas nunca esqueci o livro que me emprestou para sossegar o meu coração “Leia, vai compreender melhor a epilepsia e obter algumas respostas que ainda não ousou fazer”. Li-o nessa noite.
Conheço as paredes do Maria Pia como as palmas das minhas mãos. Tendo sido um hospital de fim de linha para casos pediátricos, as suas paredes encontravam-se pintadas para as crianças. Como o Diogo não parava sossegado, passeava com ele ao colo e mostrava-lhe os desenhos. A determinada altura comecei a inventar histórias com as personagens representadas e, quando estas já não o satisfaziam, contávamos as abelhinhas, as joaninhas, os grilos, as nuvens… chegava ao fim do dia exausta e a precisar de um banho que improvisava na casa de banho de serviço com o auxílio de uma bacia facultada pelas enfermeiras. Mudava de roupa e deitava-me ao lado do Diogo. Regra geral, as mães dormiam nos cadeirões mas, como era pequenino e fazia crises durante a noite, autorizaram a partilha da cama. Foram 13 dias e 13 noites sem descanso no Maria Pia. Durante esse período de tempo eduquei o meu sono, deixei de dormir como até então. Ao mínimo movimento ou gemido lá estava eu, debruçada sobre o meu filho, a observá-lo. Depois assinalava numa folha de papel a hora, duração e descrição da crise.
Depois de alguns eletroencefalogramas (EEG), muitas picadas nas veias para medição de níveis dos fármacos no sangue e uma ligeira diminuição das crises, a Dr.ª Manuela veio falar connosco. Disse-nos que o Diogo teria alta no dia seguinte pois, apesar de não estar controlado, o alargamento do internamento poderia ser-lhe prejudicial. Disse-nos também que não podia continuar a acompanhar o Diogo pois tinha muitos outros casos, também eles muito difíceis. Foi visível o meu desalento. Aquela notícia abalou-me muito pois tinha a certeza de que a Dr.ª Manuela era a pessoa certa para o meu filho. Na manhã seguinte, voltou a visitar-nos antes de dar a alta. Indicou-nos a medicação que o Diogo faria em casa, explicou as diferentes dosagens e disse “Sempre vou ficar com o Diogo! Mas este menino está proibido de regredir. Estimulem-no, não parem de o estimular”. Fiquei muito feliz e muito mais tranquila. E até hoje continua com o meu filho e eu continuo com a certeza de que é a pessoa certa para ele.
Regressámos a casa. O Diogo continuou a fazer crises, cerca de 40 diariamente. No final de cada dia deslocávamo-nos ao Maria Pia para verificar os níveis dos fármacos no seu sangue e andávamos exaustos. Eram 180 km diários. Entretanto associou-se levetiracetam (conhecido por Keppra) à fenitoína e a resposta do Diogo foi bombástica nesse fim-de-semana. As crises intensificaram e tornaram-se mais violentas. Os números dispararam e o Diogo tornara-se agressivo. No final de cada crise agredia quem encontrasse à sua frente. Filmámos as crises, enviámos por e-mail à Dr.ª Manuela e seguiu-se um novo internamento, o segundo. Pouco depois de termos dado entrada no Maria Pia, a Dr.ª Manuela dirigiu-se a nós e alertou-nos que a epilepsia do Diogo era muito difícil de controlar e que provavelmente só se resolveria com uma cirurgia. Nesse momento perdi o chão, entrei em desespero… afastei-me enquanto o Filipe ficou com o nosso filho e entrei num choro convulsivo. Com os olhos inchados e a arder, sequei o meu rosto, respirei fundo e fui ter com eles. Não voltei a verter lágrimas pois sentia-me seca.
Fez-se o desmame do levetiracetam e introduziu-se o valproato de sódio (conhecido por Depakine). As crises atenuaram e, passada uma semana, regressámos novamente a casa, com a certeza de que voltaríamos para fazer uma série de exames desde punção lombar, despistes a doenças raras e super raras, eletroencefalograma e PET (Tomografia por Emissão de Positrões), este último teria de ter o consentimento da direção do hospital por ser muito dispendioso e só ser feito em casos extremos. As crises do Diogo inicialmente pareciam ser frontais mas existia uma dúvida que não era evidente nas EEG: algo parecia indicar uma origem occipital, seguida de uma propagação frontal muito rápida e essa dúvida só poderia ser esclarecida pela realização da PET.

A Tomografia por Emissão de Positrões (PET) é uma técnica de imagem médica que utiliza moléculas que incluem um componente radioativo. Quando administradas no corpo humano estas moléculas podem ser utilizadas para detetar e localizar reações bioquímicas associadas a determinadas doenças, nomeadamente nas áreas da oncologia, da cardiologia e da neurologia.
Trata-se de um exame cujo resultado pode ser determinante na orientação do diagnóstico bem como na instituição e programação terapêutica. O radio fármaco utilizado é um derivado da glicose, a Fluordesoxiglicose marcada pelo Flúor-18 (abreviada como 18F-FDG). O doente é injetado com uma pequena concentração de glicose radioativa numa veia periférica - a glicose é um dos combustíveis usados pela célula para obter energia. Este “combustível” marcado vai concentrar-se nas zonas do corpo com mais gasto energético. Várias doenças podem afetar o consumo energético das células. Por exemplo, em algumas doenças neurológicas, certas áreas do cérebro tornam-se menos ativas, consumindo menos glicose, o que pode ser detetado no aparelho. Da mesma maneira, em alguns tumores, observa-se alto consumo de glicose.

À esquerda, a seta vermelha mostra a área menos ativa (imagem de cérebro) e, à direita, seta verde mostra um tumor na parte superior do pulmão esquerdo (área mais ativa).

Após um período de espera, de cerca de 1 hora, para a distribuição e captação do radionuclídeo, o doente é posicionado confortavelmente no equipamento. Os exames de PET permitem a obtenção de imagens tridimensionais da distribuição das moléculas marcadas, com componentes radioactivos, no corpo humano. As moléculas marcadas são como sinais fluorescentes e quando o doente é colocado num detetor de radiação (o tomógrafo ou PET Scan) as zonas mais ativas do organismo surgem como pontos luminosos. A captação de imagens dura entre 25-35 minutos.

Quando foi obtido o consentimento voltámos ao Maria Pia por mais quatro 4 dias. Estávamos em julho e tínhamos apenas uma certeza, a epilepsia do Diogo era parieto-occipital, como se desconfiava, tendo sido alterada a terapêutica com introdução da lamotrigina. Durante este terceiro internamento conheci uma mãe que me mostrou o caminho que eu não queria seguir com o Diogo. O filho tinha uns 12 anos mas a maturidade dele não correspondia à sua idade. Frequentava o ensino primário e contava já com duas retenções. Desde que fora diagnosticada epilepsia ao filho deixara de fazer férias, nem sequer o levava à praia. Pois o Diogo foi em agosto com a família toda para Albufeira, pais, avós, tios e primas. Todos queriam ajudar. Passávamos o dia na praia de St.ª Eulália. Chegávamos de manhã e o Diogo corria pelo areal e fazia as suas construções na areia. O pai carregava baldes de água que o filho não tinha problema em rapidamente despejar. Depois do almoço, enchíamos uma pequena piscina insuflável com pouca água, mas a suficiente, que ficava ao sol durante o período da sesta, para posterior deleite do nosso filho. E as crises continuavam a ser contabilizadas e eram presenciadas por todos.
Entre internamentos tentávamos seguir as nossas vidas com a normalidade possível. As rotinas diárias mantinham-se. O Diogo voltou para o infantário acompanhado de um livrinho no qual a Isabel, educadora do Diogo, registava as crises do meu menino. Expliquei à Isabel tudo sobre a epilepsia do Diogo: como se manifestavam as crises, como deveria proceder e o que deveria registar no livrinho, isto é, o que tinha desencadeado a crise, hora, duração e descrição da mesma. Pedi que mantivesse a mesma atitude, que não o diferenciasse das outras crianças, pois ele tinha que prosseguir com uma vida completamente normal. Deixei-a com os olhos embargados em lágrimas.
Enquanto dormia a sesta, depois do almoço, tinha a Isabel ou a Olga ao seu lado para vigiar o sono. As crises eram silenciosas, por isso, sempre que se virava obrigava a sua vigilante a mudar de posição. Nunca terei como agradecer a dedicação destas duas mulheres ao meu filho. Eu sabia que durante o dia estava em boas mãos.
Retomei as aulas e trabalhei as dificuldades dos meus alunos adequando estratégias que eram aplicadas individualmente. Resumindo, entupi-me de trabalho. Apesar de exausta, encontrava na escola a paz que desejava para a minha vida. O trabalho era a minha terapia e o modo de conseguir preservar a minha sanidade mental. Enquanto estava em Celorico abstraia-me da minha realidade que me era tão penosa. Tinha entrado para um grupo restrito de mães cujos filhos não vêm descritos nos livros. Um grupo tão restrito e fechado que me sufocava e eu tinha necessidade de falar!... 

sexta-feira, 8 de maio de 2015

7 de maio de 2008


Os dias decorriam entre as atividades na escola e a minha vida familiar. De manhã deixava o Dioguinho no infantário e, à tarde, a avó apoderava-se dele até eu chegar. Depois era todo nosso! O dia 7 de maio de 2008 parecia igual a tantos outros dias… mas o seu fim marcaria um novo capítulo e esta maré de calmaria seria assolada por uma tempestade que reviraria do avesso a nossa existência.
Quando cheguei a Fafe, depois de um dia de aulas normal, fui ter com a minha mãe.
O Dioguinho adormecera, coloquei-o cuidadosamente na cadeira do carro e dirigi-me a casa. Jantámos e, como o rapaz continuava a sua sesta, o meu marido foi tomar café e fazer umas compras de última hora a meu pedido. O sossego foi perturbado pelo despertar turbulento do Diogo. Fez uma birra monumental, algo que já previa dado a hora tardia, mas algo surrealista: não permitia que lhe tocasse, de braços rígidos e esticados ao longo do tronco, gritava desesperadamente. Sempre que me tentava aproximar, repudiava-me, completamente enraivecido. Demorou cerca de meia hora a acalmar e quando consegui pegar nele ao colo, aconteceu! O meu filho ficou inerte, sem qualquer reação e de olhos esbugalhados e fixos. Parecia morto! Desesperada e totalmente dominada pelo pânico, levantei-me com ele nos braços, abanei-o, bati-lhe no rosto, chamei por ele… e ele não reagia. “Meus Deus, não deixes que o meu filho morra nos meus braços!”. Estava só, não sabia o que fazer e apenas repetia “Meus Deus, não deixes que o meu filho morra nos meus braços!”.
As chaves do carro estavam na mesa da entrada, peguei nelas… dirigi-me para a porta da garagem e um turbilhão de pensamentos apoderou-se de mim… “vou, não vou?”, “Se sento o meu filho na cadeira como o posso socorrer? E se fico aqui como o vou ajudar?”. Andei como uma barata tonta, vezes sem conta, entre a porta da sala e a da garagem, sempre a chamar pelo meu filho “Diogo, a mamã está aqui, filho… olha para a mamã…”. Gritei “Meu Deus, ajuda-me!”. Foi então que o Diogo voltou a si meio atordoado e como se nada tivesse acontecido. Abraçou-me.
O Filipe chegou logo de seguida. Pedi-lhe que pegasse no nosso filho e caí no sofá, sem força nas pernas que tremiam como varas verdes. Ficara despojada de todo e qualquer tipo de força. O corpo doía-me. Perplexo e desconhecedor do que acontecera, o Filipe esperou que me acalmasse e ouviu-me. Tranquilizou-me e ambos acabámos por associar racionalmente o episódio a uma crise de choro.
O Diogo parecia bem mas como não quis jantar, dei-lhe uma papa e preparei-o para dormir. Subi para o quarto e deitei-o. Pouco depois de adormecer, apercebi-me de uma alteração na sua respiração acompanhada de um curto gemido, tão curto que quando acendi a luz do candeeiro já não ouvia nada senão a respiração tranquila do meu filhote. Passei a noite irrequieta, com o coração apertado, mas na manhã seguinte levei-o para o infantário. Alertei a educadora, a Isabel, do que acontecera e pedi que estivesse atenta e me telefonasse caso se repetisse. O dia passou e, à noite, jantámos na minha tia Ilda pois festejávamos o seu aniversário. E voltou a acontecer… por três vezes. Estávamos à mesa e o Diogo ao colo da avó. De repente inclinou-se como se mergulhasse no vazio, de olhos esbugalhados e sem reação. Eu, a minha tia e a minha mãe levantámo-nos de rompante e tentámos estimulá-lo, abanando-o e tocando no seu rosto inanimado e o Diogo despertou passado segundos. Escusado será dizer que dormi com ele nessa noite para o vigiar.
Na manhã seguinte, apesar de o levar para o infantário, não fui trabalhar. Fiquei em casa e fui fazer uma pesquisa na net. Inseri os sintomas e obtive as respostas, AUSÊNCIA e EPILEPSIA. Telefonei imediatamente ao pediatra “Sr. Doutor, acho que o meu filho está a fazer ausências.” Do outro lado questionou-me sobre o que me levava a chegar a essa conclusão e eu descrevi o que acontecera. “Está com o Diogo? Traga-o já às urgências do hospital pois precisa de ser observado.” Assim fiz. Preparei o malote com um pijama, uma garrafa de água, leite e bolachas. Coloquei também os produtos de higiene. Porquê? Porque eu sabia que o meu filho ia ficar internado!
Depois de passar pelo infantário e ter explicado tudo à Isabel, passei pelo local de trabalho do Filipe e seguimos em silêncio para Guimarães. Enquanto observavam o Diogo, questionavam-me sobre as ausências, se existiam casos de epilepsia na família, se tinham ocorrido quedas… algo que os conduzisse a uma causa. Não! Pediram então uma TAC e que tentássemos adormecer a criança. Mas o Diogo não gostava de sentir-se preso, começou a ficar extremamente agitado e a fazer mais ausências, espaçadas de muito pouco tempo. Como não adormecia, o médico aconselhou uma anestesia. Enquanto aguardava no corredor pela conclusão da TAC, o pediatra do Diogo veio falar comigo e explicar que faziam o despiste a traumatismos e tumores pois era desconhecida a causa da epilepsia do meu filho.
Pela primeira vez na minha vida senti uma angústia insuportável. As lágrimas correram silenciosamente dos meus olhos como uma torrente. Completamente perdida com a sucessão de acontecimentos dos últimos dois dias, deambulava pelo corredor como se procurasse uma saída para toda esta confusão e, por mais que a procurasse, mais perdida me sentia. Depois de terminada a TAC regressei com o Diogo para a urgência pediátrica e esperámos pelo resultado. “Nada de traumatismos, nem tumores. Está tudo bem. Vão subir”. O Diogo já tinha feito 32 ausências desde a sua entrada no hospital.
Durante o dia recebemos imensas chamadas nos telemóveis. Não atendemos todas. Não tínhamos forças para repetir vezes sem conta o que nos estava a acontecer. Falei com a Isabel, educadora do nosso filho. Estava angustiada e eu expliquei o que se passava e o que iria ainda acontecer. O Diogo não voltaria ao infantário nas próximas semanas… mas assegurei que seria mantida a par da situação. Os meus pais partilhavam o nosso desespero e sofriam pelo primeiro neto mas nós pouco lhe podíamos avançar para além daquilo que nós próprios sabíamos. Os amigos também ligavam mas apenas falávamos com a Susana e a Sílvia que desde sempre partilharam connosco as nossas alegrias e desalentos. Elas encarregar-se-iam de informar os restantes.
Subimos para o internamento e foi-nos pedido que informássemos a enfermeira de cada ausência feita. E assim foi. Poucos minutos passavam entre ausências e lá ia eu bater à porta assinalá-las. A determinada altura apercebi-me de que uma das enfermeiras duvidava de mim. Será possível uma mãe mentir em relação a algo idêntico? Comentei com o meu marido e na manhã seguinte começámos a filmar as ausências, até porque não sabíamos se algo nos escaparia na descrição das mesmas e começavam a manifestar-se de forma diferente. Grupos de médicos passavam pela enfermaria e questionavam-nos sempre sobre o mesmo, começámos a sentir-nos autênticos papagaios. Mais tarde, na passagem de turnos, a dita enfermeira perguntou-me se o Diogo tinha feito mais alguma crise desde a manhã e eu respondi “Sim, senhora enfermeira. Estão todas registadas aqui” e entreguei-lhe a máquina. “Eu não sou maluca!” 

quinta-feira, 7 de maio de 2015

O Sinal


A minha avó faleceu pouco depois do nascimento do meu filho.
Muitas vezes me confidenciava que somente aguardava pela chamada de Deus - sentia que o seu papel na Terra estava cumprido - e tinha muitas saudades do meu avô. Eram um casal com uma presença muito forte, extremos que se completavam, nem sempre pacificamente.
Ambos possuíam corações bondosos e justos mas o meu avô Armando era muito terno enquanto a avó Aida era mais rígida. E foi com essa expressão rígida que me apareceu num sonho…
Não me recordo de sonhar com ela, apenas daquela vez, já ela nos tinha deixado. Lembro-me como tivesse sido hoje. Era noite e fui a casa da minha avó fazer algo, o quê não importa. O que me marcou foi a saída pois desligava as luzes, batia a porta, dirigia-me para o carro e via as luzes acesas no interior. Voltava a entrar, a desligar as luzes e quando saía estas continuavam acesas. A determinada altura, dirijo-me à sala de jantar e deparo-me com um quadro arrepiante: à volta da mesa encontravam-se vultos sentados, cujas caras não distinguia nem seria importante fazê-lo, e à cabeceira da mesa, de pé e semblante pesado, encontrava-se a minha avó. Fiquei muito impressionada com a sua expressão… e senti que me avisava de que algo iria acontecer. Não seria algo bom dado o semblante pesado da avo mas, simultaneamente, transmitia-me que assumiria o controlo, estaria vigilante e eu não estaria só.
Acordei com uma sensação de aperto no peito. Senti-me insegura. Tentava rever os pormenores do sonho, procurava respostas no que sentira mas o que prevalecia era aquela expressão. O dia correu dentro da normalidade prevista, as rotinas diárias de uma professora contratada, esposa e mãe de uma criança de um ano. Levei o Diogo ao infantário e fui para a escola. Sem componente letiva no período da tarde, regressei a casa e adiantei trabalho. A certa altura fiz uma pausa, sentei-me nas escadas do jardim e acendi um cigarro. Lembrei-me da minha avó… e aquela sensação, de que algo desagradável estaria para acontecer, apoderou-se novamente de mim. Questionei-me se me quereria transmitir realmente algo... e recordo-me de pensar que, um dia mais tarde, lembrar-me-ia de ter fumado aquele cigarro.









A marca da minha avó



Posso considerar-me uma mulher das ciências mas com fortes convicções religiosas. A minha avó materna era uma senhora que acreditava profundamente em Deus e na existência de uma vida para além da morte. Todos os netos passaram os primeiros anos de vida sob a sua tutela e, assim sendo, sujeitos aos seus primeiros ensinamentos. 
Ainda me lembro de como me obrigava a estudar a tabuada e como a cantava, sentada num cantinho do seu quarto, longe do seu olhar. Já nessa idade dava os meus primeiros passos na aldrabice e escrevinhava na palma da minha mão a cábula do número sete que tanto detestava. Enquanto a minha avó costurava, numa máquina de pedal que a minha mãe ainda possui, eu, neta arisca, cantava a tabuada recorrendo ao método mais primitivo de auxiliar de memória. Nunca me chamou à atenção ou repreendeu… se alguma vez desconfiou também não o denunciou. Tomara!… Obrigou-me a escrever tantas vezes a dita tabuada na palma da mão que acabei por decorá-la! 
Lembro-me também de rezar o terço, à tarde, juntamente com o meu irmão e primos pois “… a virgem Maria assim o pedira aos três pastorinhos”. E nós rezávamos… Hoje, mulher feita, não rezo o terço, não consigo, mas acredito, tal como a minha avó, na existência de um Deus misericordioso e numa vida do outro lado. Acredito profundamente que, mais cedo ou mais tarde, todos nos encontraremos noutro lugar e que, enquanto tal não acontece, eles, os que já não se encontram connosco, nos guardam. 
A minha avó foi uma segunda mãe para mim. As minhas primeiras recordações são com ela. Partilhámos confidências e experiências, falávamos abertamente sobre qualquer tema, entre nós não existiam tabus, enfim, éramos grandes amigas.  
O vazio que a minha avó deixou nas nossas vidas foi tremendo, afinal era a matriarca. Era o elo que nos unia, para além de a considerar um poço de sabedoria. Em vida, transmitiu a todos os netos as suas experiências, boas ou más, ensinou-nos história na primeira pessoa… 
Eu costumo brincar quando, pelo facto de ser filha de retornados, auto denomino-me refugiada. Pois,... os meus pais nasceram em Portugal mas muito novos, ainda crianças de colo, partiram com os seus pais para Angola. Lá cresceram, namoraram e casaram. Fizeram as suas vidas e eu nasci em 1973. Dois anos mais tarde regressaram à metrópole com “uma mão à frente e outra atrás”. As suas vidas tinham estado por um fio pois a família fora apanhada numa emboscada. O que nos valeu foi o facto de um dos pretos da guerrilha ter trabalhado com o meu avô e intercedeu por ele: “Este não! Este foi meu patrão e tratava-nos bem, era nosso amigo!”
Cá chegámos, escorraçados da terra que nos vira crescer e que ajudáramos a prosperar. O choque foi enorme, principalmente para a minha tia Ilda que era a cassula e nascera por terras africanas como eu. A família dos meus avós deu-nos guarida e fomos viver para um palacete onde começámos tudo do zero. 
A minha avó contava histórias e, de um modo delicioso, enquadrava-as em diferentes momentos da história mais recente do nosso país. Falava do fascismo, da opressão vivida naqueles tempos que nos pareciam tão longínquos, das perseguições… de como um meu tio-avô fora detido pela PIDE e falecera nos calabouços da prisão. Ninguém, com excepção do meu avô Armando, apareceu no funeral, tal era o receio de os identificarem como comunistas. 
A minha avó orgulhava-se das suas origens humildes, trabalhadoras, lutadoras e, acima de tudo, de pessoas honradas. Davam muito valor à família e por ela tudo faziam. E foi este o último pedido que fez às duas filhas quando sentiu que os seus dias entre nós chegavam ao fim “Aconteça o que acontecer, mantenham-se unidas”. Acabou por sucumbir no dia do aniversário da minha mãe.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Aceitar!



A aceitação também fez parte de todo um processo que se tornou muito longo e continua a sê-lo, sem ser visível um fim na linha do horizonte. A Ana, terapeuta do Diogo, disse-me muitas vezes que eu soubera fazer o luto e aceitara o que acontecera, seguindo em frente, mas a realidade não é essa!
Depois de sentir uma revolta imensa, que quase me consumiu, percebi que de nada me valiam as lágrimas. Passar os dias a rejeitar algo que passaria a fazer parte da minha vida não me parecia uma escolha inteligente, por isso, procurei informar-me cada vez mais sobre epilepsia, de modo a poder antecipar-me ou a ter sempre um plano B. Mantive-me atenta e observadora para conseguir dar respostas às necessidades do Diogo. Não fiz o luto, é impossível fazer o luto! O meu filho está vivo, com uma epilepsia refractária muito difícil e é isso que temos de aceitar... 
A aceitação não é espontânea nem total, vai instalando-se no nosso interior, a cada degrau que subimos. Passamos por muitas fases e, no início de cada uma delas, sofremos um choque. Podemos pensar que estamos preparados para tudo mas estremecemos quando nos tocam na ferida. Nós não vivemos em função da epilepsia do nosso filho mas estamos bem cientes de que ela faz parte das nossas vidas. Sendo assim, o que podemos fazer? Arregaçar as mangas e seguir em frente. O único caminho é em frente, não existem outros e para quê olhar para trás? Restam-nos as experiências vividas, os ensinamentos que soubemos retirar delas e esperar não repetir erros anteriores.É proibido desistir e, como o Diogo diz, “desistir é para os fracos"!


segunda-feira, 4 de maio de 2015

Palavra de ordem: (Des)formatar II



Assim começou um longo e penoso processo de consciencialização de que o meu filho sofrera uma sequela para a qual eu não estava minimamente preparada e que condicionaria o seu futuro.
Ao longo do primeiro período, o Diogo manifestou uma grande dificuldade em concentrar-se nas tarefas propostas e não conseguia juntar os sons. Imaginem como se sentem a tentar ler um texto em russo ou chinês. Falo por mim... até posso identificar caracteres iguais mas não lhes consigo atribuir um som e muito menos juntar sons. Foi o primeiro embate com a realidade e aqui surge o primeiro erro de formatação... e a necessidade de desformatação!
O Diogo não terá um percurso escolar dentro da normalidade. Mas o que é normal nos nossos dias? É normal as crianças, cada vez mais precocemente, serem cobaias de programas extensos e desadequados à sua maturidade. É normal as crianças terem dificuldade em distinguir o bem do mal porque ninguém se empenhou em ensiná-lo pois a maior preocupação é protegê-las do mundo. É normal as crianças não assumirem que são crianças pois é-lhes exigido que, cada vez mais cedo, definam o seu futuro. 
Pois o meu filho, nesta perspetiva, não é uma criança normal, nem os pais dele! A nossa principal preocupação é que o Diogo seja uma criança feliz. Para ele não existe um calendário nem um cronómetro. As suas aprendizagens vão sendo adquiridas ao ritmo dele e estas baseiam-se muito nas suas vivências. O seu horizonte não tem fim e será percorrido ao sabor do vento. Gosto que o meu filho aprecie as pequenas coisas da vida, não lhe imprimo stress para andar a um ritmo diferente do seu. Ele sabe que o importante é fazer bem feito, não interessa se foi o último a acabar ou se sequer terminou. Se não for à primeira poderá ser à segunda, à terceira, seja quando for mas será ele a conquistar essa vitória e a juntá-la ao role de conquistas por ele feitas. Não exijo notas ao meu filho, apenas exijo que dê o seu melhor e se o seu melhor não corresponder aos parâmetros normais “temos pena!”.
O papel dos pais não é conceber um filho à sua imagem nem predestiná-lo a algo que gostariam de ter sido e não concretizaram. O papel dos pais é preparar os filhos para a vida, capacitá-los para lidarem com as frustrações, ajudá-los a conquistar uma identidade própria e, sobretudo, a aprenderem a serem pessoas felizes. Os pais não devem fazer as conquistas pelos filhos mas sim ensiná-los a conquistar. É doloroso assistir às suas desilusões mas daí advém a sua resistência, a sua formação como indivíduos capazes de ultrapassar obstáculos. O meu coração dói quando vejo que o meu filho não consegue fazer algo mas estarei a ajudá-lo se o fizer por ele? Estarei a dar-lhe confiança ou estarei a reduzi-lo a algo que luto para que não seja?

domingo, 3 de maio de 2015

Palavra de ordem: (Des)formatar


É impressionante como aos 41 anos me sinto tão formatada! Sou fruto de um sistema de ensino que tem formatado o nosso pensamento e que, com o passar do tempo, tem vindo a piorar. A minha grande tristeza é que também tenho contribuído para tal, como professora. O meu despertar começou graças ao meu filho e às suas necessidades educativas especiais. 
O Diogo nasceu com uma displasia cortical - tipo I. Por outras palavras, possui um conjunto de células no cérebro que, devido a uma mutação, não se diferenciaram em neurónios e fazem descargas elétricas anómalas que se traduzem numa epilepsia de difícil controlo, isto é, uma epilepsia refractária. Foi devidamente acompanhado e aos 4 anos já estava sinalizado nos Serviços de Intervenção Precoce. Desde tenra idade, teve terapia ocupacional de modo a conseguir ultrapassar as dificuldades que possuía ao nível da motricidade e que seriam um sério obstáculo quando ingressasse no 1º ciclo de escolaridade. Até aqui tudo bem... 
Foi submetido a uma primeira cirurgia de epilepsia, tinha 5 anos, mas continuou refractário. A única diferença foi notória ao nível social pois abriu-se mais ao exterior. Com 7 anos, mesmo antes de ingressar na escola primária, foi submetido a uma segunda cirurgia. O quadro era negro para ambas mas o da segunda cirurgia era terrível! Mesmo assim, demos o nosso consentimento e esperámos o melhor. A cirurgia correu muito bem mas, apesar de reduzir muito o número de crises, continuou refractário. 
Foi para a escola e integrou-se sem problemas, estes manifestar-se-iam mas seriam de outra natureza: o Diogo perdera a consciência fonológica. Identificava as letras mas era incapaz de juntar os sons. Começou então o meu penoso processo de desformatação!...


Ser Mãe é...

Sorrir quando o coração chora silenciosamente...
Ser a luz quando os seus dias são cinzentos...
Ser o porto de abrigo quando as tempestades os agitam...

Ser o norte quando eles se sentem perdidos...
É ajudá-los a decidir e não decidir por eles...
Ser mãe é ser confidente e amiga...
Mas o melhor é ouvir todos os dias...
AMO-TE, MÃE! Como daqui até à Lua! 
heart emoticon


Hoje comemora-se o dia da mãe... e eu tenho o privilégio de ser mãe de duas crianças que são a razão da minha vida. O Diogo é o mais velhinho, tem 8 anos, e a Laura é a pirralha com 5 anos. Estas são as crianças que me mostraram e ensinaram o que significa a maternidade em todas as suas vertentes.
O Diogo foi uma criança muito desejada e nasceu aparentemente saudável. Gozei o lado tranquilo da maternidade durante 21 meses, depois começou a tormenta... sem qualquer explicação manifestou-se brutalmente uma epilepsia refractária que se traduzia em 50 a 60 crises diárias. De loucos! Viveram-se dias, meses em desespero e sem respostas. A angústia de nada poder fazer e a incerteza do que as crises poderiam estar a provocar ao Diogo assombrava o nosso pensamento, sem dar tréguas. Os meses foram passando entre exames e a descoberta da associação de anti-epilépticos mais adequada ao nosso filho. Por esta altura desisti de tentar uma segunda gravidez... 
O Diogo foi crescendo, sempre acompanhado pela sua epilepsia, e era o centro de todas as atenções. Estava na altura de aprender a partilhá-las e foi então que a Laurinha nasceu. 
A segunda gravidez foi muito penosa para mim. Tinha medo que tudo se repetisse... e tinha receio de não conseguir partilhar a atenção pelos meus dois filhos. Apesar de todos os receios, a Laura chegou e conquistou! Foi uma lufada de ar fresco! 
A Laurinha é uma menina que se tornou autónoma muito cedo. Começou a andar aos 8 meses e revelou-se precocemente muito determinada. É um autêntico furacão!
Questionei muitas vezes se o amor que tenho aos meus filho é igual... confesso que tive dúvidas. Mas será possível quantificar o amor? Não, não consigo fazê-lo! Posso dizer que são amores sentidos de modo diferente pois as exigências são diferentes. O amor que sinto pelo Diogo é vigilante e o amor que sinto pela Laura é confiante. Não posso quantificar... apenas sentir e ter a certeza que daria a minha vida pelos dois.
O Diogo e a Laura são a minha alegria, a minha vida e por eles vou ao fim do mundo... eles são o meu maior projeto... e eu sou feliz pois é maravilhoso ser mãe dos meus filhos!