sábado, 13 de junho de 2015

A cirurgia


A noite foi de temporal, chovia muito e o vento fustigava na janela do quarto. Debruçada no parapeito, via as árvores a serem quase arrancadas do solo, a dobrarem-se violentamente perante o seu carrasco, como pedindo perdão. A chuva precipitava-se com raiva e chicoteava qualquer superfície que tocava. E eu sentia-me amargurada. Não consegui dormir. Passei a noite a olhar para o meu filho, a tentar perceber o que lhe acontecera e como chegara ali. Tentava imaginar o meu filho sem crises e, pela primeira vez apercebi-me que pouco me lembrava dele sem elas. Chorei, chorei e chorei… às sete e meia da manhã foi administrado o antibiótico necessário para a cirurgia. A enfermeira apercebeu-se do estado em que me encontrava e disse-me “Vai correr tudo bem, a Dr.ª Clara Romero é espetacular. Não se preocupe e pense que é para o bem do seu menino.” Às oito tomou a medicação e dei-lhe um banho para o desinfetar e preparar para o bloco operatório, onde entrou às 8.45 da manhã. Estava sol e senti-me mais confiante.
Eu e o Filipe acompanhámos o Diogo e foi-nos perguntado quem entraria com ele. Eu acusei-me logo, mal sabia que me arrependeria mais tarde. Quando o Diogo me viu completamente vestida de verde, apenas se viam os olhos, desatou aos gritos e a chamar o pai. Juntos acompanhámos o nosso filho até à sala de operações para ser anestesiado. Eu não consegui ficar até ao fim e saí rapidamente com os olhos embargados de lágrimas. Pouco depois saiu o Filipe. Eu não conseguia estancar os meus sacos lacrimais. As lágrimas corriam silenciosamente, como de cataratas se tratasse, enquanto me agarrava a um terço e pedia a Deus que guiasse as mãos da neurocirurgiã, que lhes desse muita firmeza para retirar apenas o que fosse necessário, sem causar sequelas ao meu filho. Pedi só por ela… Não pedi pelo meu filho pois sabia que um batalhão estava a fazê-lo.O meu primo Nuno almoçou connosco no hospital. A sua amiga enfermeira telefonara a dizer que a cirurgia estava a correr lindamente mas que ainda demoraria a terminar. Por volta das 14 horas descemos até ao piso -1 e aguardámos à porta do bloco operatório. Podíamos tocar à campainha do bloco para obtermos informações mas preferimos não fazê-lo e conviver com a angústia que se tornara nossa companhia. Pelas 15.30 abriu-se a porta e vislumbrámos a Dr.ª Clara Romero. A cirurgia tinha corrido bem, o Diogo já estava acordado e chamara por mim. Explicou-nos que não tirara a totalidade da displasia pois receava entrar na área da visão, seria preferível recorrer a uma segunda cirurgia, caso fosse necessário. Senti algo que não soube descodificar no momento… mas que se confirmaria ainda naquela noite.
Pouco depois saía o nosso filho completamente transtornado com uma touca de ligaduras na cabeça, da qual saía um dreno que extraia o sangue que se acumulava no couro cabeludo. Já no quarto de isolamento, acompanhados de médicos e enfermeiras, tentámos acalmar o rapaz mas sem sucesso e, por isso, foi sedado. Dormiu umas horas e quando despertou estava calmo. Fez crises durante a noite. Passadas 24 horas em isolamento foi transferido para os cuidados intensivos da pediatria onde ficou mais dois dias. Continuou a fazer crises durante o sono. Ao terceiro dia recebemos a visita do Dr. Pedro Cabral. A intervenção cirúrgica terá sido muito conservadora, até porque não desejavam causar sequelas ao Diogo, e tudo apontava para a necessidade de uma segunda intervenção. Bem, aquela notícia não foi fácil de digerir. O nosso filho tinha acabado de sair de uma operação e já davam como certa uma segunda. O Diogo teve alta na sexta-feira, fazia-se acompanhar de um punhado de agrafos na cabeça, mas regressaria daí a uns dias para livrar-se deles. 

quinta-feira, 11 de junho de 2015

A chamada



“Olá mãe, fala a técnica Ana Rita. Sabe quantas vezes tentei falar consigo?”. Se sabia!… “Consegue adivinhar por que razão estou a ligar-lhe?”. Estava confusa. A Dr.ª Manuela dissera-me que a cirurgia do Diogo iria realizar-se mas não seria para já, seria necessário mais algum exame? “E se eu lhe dissesse que o Diogo pode ser operado já na próxima segunda-feira?”. Entrei em estado de choque. Não esperava ouvir tal notícia, fiquei com as pernas bambas e comecei a gaguejar. A técnica Ana Rita, apercebendo-se do estado em que me deixara, pediu-me que me sentasse e eu, em piloto automático e antes que duvidasse de uma resposta afirmativa, respondi “Diga quando e nós lá estaremos”.
Sentei-me, peguei numa caneta e comecei a registar as indicações da técnica. Enquanto o fazia, sentia-me tonta, tremia e sentia um misto de felicidade e angústia a apoderar-se de mim. Chegara o dia por que tanto esperámos, o nosso filho ia finalmente ser operado. Os meus colegas assistiram perplexos e em silêncio. “Vai correr tudo bem, Patrícia, muita força!”. 
O meu cérebro começou a trabalhar a uma velocidade alucinante. Tinha de comunicar à direção que ia estar ausente, preparar tudo para que a Laurinha ficasse com os meus pais, preparar as nossas malas e tinha que comprar pijamas abertos à frente para o Diogo usar no hospital. Telefonei ao Filipe e dei-lhe a notícia.
No dia seguinte fui à escola mas já não dei aulas. Tinha de organizar a minha vida pois partiríamos à noite para Lisboa. Na quinta-feira, de manhã, reunimo-nos com a neurocirurgiã que iria operar o Diogo, a Dr.ª Clara Romero. Foi um encontro em que nos foi explicada a cirurgia e quais as possíveis sequelas que poderiam afetar o nosso filho. Este é o tipo de consulta que nos deixa profundamente silenciosos, sem palavras. A Dr.ª Clara fez o seu papel e colocou-nos perante todos os cenários possíveis, afinal, teríamos de dar o nosso consentimento e assinar um termo de responsabilidade. Apesar de tudo, senti uma grande confiança naquela que iria intervir no cérebro do nosso filho pois parecera-me uma profissional que colocava o bem-estar da criança em primeiro lugar. Na sexta-feira, depois da consulta de anestesia, decidimos voltar a casa. A Laurinha tinha apenas 9 meses e iriamos estar ausentes por algum tempo. Passámos o fim-de-semana em família. 
No domingo estava muito tensa, o meu cérebro não parava e o meu maior receio era que a cirurgia não corresse bem, deixando sequelas no Diogo. Pelo caminho, parámos numa estação de serviço para tomar um café e recebi uma chamada da Sílvia. Lembro-me de ter-lhe confidenciado “Nunca me perdoarei se acontecer algo de mal ao meu filho. Não sei o que faço” e irrompi num choro convulsivo. Fomos diretos ao hospital. Depois da consulta de internamento subimos ao segundo piso e acomodámo-nos. O Filipe ficaria em casa da Manuela, sogra do meu primo Nuno. 

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Compasso de espera



As reuniões de epilepsia realizavam-se todas as primeiras quartas-feiras de cada mês e tínhamos conhecimento de que o caso do Diogo iria ser discutido. Em pouco tempo realizaram-se todos os exames necessários e os resultados eram positivos tornando-o num sério candidato à cirurgia. Para além disso, encontrava-se com 5 anos e entraria para a escola no ano letivo seguinte, sendo a realização da cirurgia preferível antes de tal acontecer. Nestas idades a plasticidade cerebral é muito grande e o cérebro tem uma grande capacidade de readquirir qualquer capacidade que fique prejudicada. Sabíamos tudo isto mas não sabíamos nada para além disso.
A 23 de setembro escrevia à Dr.ª Manuela:

Olá Dr.ª Manuela!
O Diogo já fez os exames em Lisboa. O Dr. Alberto, do Júlio de Matos, acompanhou a RM e no final veio falar connosco. Acho que as notícias são boas pois o foco conseguia ver-se na perfeição, é muito pequeno e encontra-se numa zona mais acima do cérebro do que se julgava. Perguntei ao Dr. Alberto se haveria alguma possibilidade de afetar a visão, ao que respondeu ser muito pouco provável. Pensa que uma única intervenção resolverá o problema do Diogo pois a zona onde se encontra o foco não é das mais problemáticas.
De qualquer modo, dia 12 de Outubro reúnem e dar-lhe-ão notícias. Também nos disse que a próxima ida a Lisboa será para falar com a neurocirurgiã que nos vai explicar a intervenção detalhadamente. Disse-nos o nome mas só me lembro que é de nacionalidade espanhola.
E por agora são só estas as novidades que tenho. O Diogo continua a "fazer das suas" de vez enquando, sempre semelhantes, rigidez dos membros superiores e tremores na perna direita durante uns segundos quando está a dormir.
Sem mais e grata por tudo,
Patrícia

Aguardámos duas semanas e enviei outro e-mail à Dr.ª Manuela a perguntar se sabia algo que nos pudesse adiantar mas a resposta foi a que já contávamos ter, o Diogo irá ser operado mas a lista é grande e teremos de esperar.
Os dias foram passando e as aulas decorriam a um ritmo normal. O Diogo tinha terapia ocupacional duas vezes por semana, uma sessão no infantário e outra nas instalações da Cercifaf com a presença da mãe. As dificuldades eram devidamente diagnosticadas e trabalhadas pela terapeuta Ana que, entretanto, se tornara na “minha Ana” do Diogo. O carinho, a atenção e o modo com que a Ana lidava com o Diogo eram fantásticos. Soubera conhecer e conquistar o rapaz fechado e amuado que lhe chegara às mãos e transformá-lo num menino falador e empenhado nas diferentes tarefas que lhe atribuía. As sessões em que eu estava presente nem sempre decorriam ao mesmo ritmo pois eu parecia mais um elemento castrador ao desempenho do meu rapaz. Não conseguia compreender pacificamente o que acontecia. Sempre me preocupara com o seu bem-estar, só queria o seu bem e ele escondia-me o que sabia fazer. Perdi a conta às vezes em que a Ana ou a Isabel me diziam “O Diogo já sabe fazer isto ou aquilo…”
Certa manhã, mais precisamente na manhã do dia 18 de outubro, terça-feira, levei o Diogo ao infantário e deixei o telemóvel no carro. Quando peguei nele verifiquei que tinha uma chamada do S. Francisco Xavier. “Estranho! O que me quererão?”. Tinha trocado e-mails com a Dr.ª Manuela nesses dias que me assegurara que a cirurgia estaria ainda longe… Fui para a escola certa de que me voltariam a ligar. Todos os intervalos me deixavam um pouco mais apreensiva pois acumulava chamadas não atendidas do hospital. Comecei a ficar desassossegada.
O dia foi passando, aula após aula e chamada após chamada. Cheguei ao ponto de fazer algo que não é de todo prática minha: andar com o telemóvel no bolso em modo vibração. Expliquei aos meus alunos que esperava uma chamada extremamente importante e que, se fosse o caso, teria de atender. Nesse dia tudo pareceu ajudar em sentido contrário. Os miúdos estavam muito agitados e eu empenhada em dar a matéria e sossegá-los. O telemóvel vibrou e eu nem sequer me apercebi de tal. A última aula terminou às 18.25 e dirigi-me ao Centro Novas Oportunidades da escola. Quando lá cheguei comentei com os meus colegas o que se passara durante o dia e como estranhava a insistência. 
Agora era a altura ideal para me ligarem e parece que me ouviram. Logo de seguida atendi a derradeira chamada e reconheci imediatamente a voz que já se tornara tão familiar. “Olá mãe, fala a técnica Ana Rita. Sabe quantas vezes tentei falar consigo?". 

sábado, 6 de junho de 2015

Entrada na lista de cirurgia de epilepsia



Para se obterem bons resultados num vídeo EEG é necessário filmar o maior número de crises e que fiquem bem registadas. Para tal a medicação tinha de ser alterada, isto é, diminuir a quantidade de um dos antiepiléticos e o escolhido foi a lamotrigina. Vesti o pijama ao Diogo e a Técnica Ana Rita iniciou a tarefa de colar os imensos elétrodos na cabeça do nosso filho que, entretanto, jogava na sua PSP. Enquanto isso, eu arrumava as malas no armário e tornava o quarto um pouco mais nosso decorando-o com os brinquedos e tecnologia usada pela família.
As horas passaram e pouco podíamos fazer para além de entreter o Diogo, distraí-lo, pois encontrava-se preso a uma série de fios que comunicavam com um aparelho, numa sala adjacente, que registava as suas ondas cerebrais. Neste mesmo aparelho via-se a imagem da criança, sendo possível observar como ocorriam as crises, obtida por meio de câmaras instaladas no quarto.
À noite ficava com o Diogo enquanto o Filipe pernoitava num hotel. Quando me apercebi que o João Pestana se aproximava, acomodei o meu filho e fiquei alerta. Sabia que iria ter uma crise ao adormecer pois era o seu ritual quase diário. Poucos minutos depois, dava um salto do cadeirão em que me instalara, destapava o corpo do Diogo e carregava num botão onde assinalava a ocorrência da crise. E assim foi durante duas noites. O número de crises registadas era o suficiente para dar início ao seu estudo e na quarta-feira teve alta. Antes de regressarmos, perguntei ao Dr. José Carlos Ferreira se consideraria o Diogo um caso de cirurgia e a resposta foi positiva. Foi o início de mais uma etapa.
Iniciáramos uma longa caminhada e os acontecimentos precipitavam-se. Estávamos em agosto de 2011 e, em pleno feriado, fomos para Vila Praia de Âncora onde gozámos 15 dias de paz e sossego. Mal chegámos, iniciámos o frenesim de desfazer os sacos, arrumar as roupas e montar tudo aquilo que distraía as crianças. Estava a colocar a mercearia nos armários da cozinha quando toca o meu telemóvel… era a Técnica Ana Rita. “Olá mãe. O Diogo tem uma RM funcional marcada para dia 19 de setembro.” Depois de confirmar que lá estaríamos, explicou-me que o Diogo deveria ficar em jejum cerca de 6 horas antes do exame, não podia estar constipado e indicou-nos onde seria realizado o exame. Depois de apontar todas as indicações, desliguei e avisei o meu marido. 
As férias passaram a correr. As idas à praia eram muito cansativas. Imaginem duas crianças que adoram água, cada uma a correr para o seu lado. Um de nós tinha que estar sempre com o Diogo, pois estar sozinho na água era algo determinantemente proibido, e o outro tinha que controlar a Laurinha pois a mafarrica atirava-se de cabeça para a água e tinha apenas ano e meio. À hora de almoço íamos até casa, bastava atravessar a estrada, dávamos um duche às crianças e fazíamos uma refeição rápida. Seguia-se a hora da sesta. O Diogo ia até ao quarto com a avó e a Laurinha aterrava no sofá da sala depois de fazer a habitual birrinha de sono. Aproveitávamos todos para descansar um pouco, os dias eram desgastantes pois tínhamos dois elétricos em casa. Quando as tropas despertavam, tomava-se o lanche e voltávamos à praia para um belo fim de tarde entre construções na areia e umas braçadas na água. Depois do jantar caminhávamos até ao largo da igreja, sentávamos numa esplanada onde tomávamos um café e assistíamos a um espetáculo, geralmente de música. E todos os dias repetíamos esta rotina.
As férias terminaram e começou mais um ano letivo na escola. Entre reuniões de departamento e de secção, que se sucediam, delineavam-se as planificações, os critérios específicos de avaliação dos alunos e conheciam-se os semanários-horários. Eu continuava a constituir a equipa técnico-pedagógica do Centro Novas Oportunidades da escola, lecionaria Gestão e Organização dos Serviços e Cuidados de Saúde a uma turma do curso profissional Técnico Auxiliar de Saúde do 10º ano de escolaridade, acumulando os cargos de diretora de turma e diretora de curso da mesma turma, e lecionaria Ciências Naturais a três turmas do 8º ano. Trabalho não me faltaria, é certo.
Fomos para Lisboa no dia 18, véspera da realização da RM funcional, com o intuito de ser uma viagem com uma programação especial para o nosso filho. Não desejávamos que estas viagens se tornassem meras idas ao hospital, queríamos que o Diogo visse algo diferente em cada uma delas. O Filipe programou uma ida ao Jardim Zoológico e só depois rumaríamos até Caselas. Foi um dia bem passado. O Diogo andou de comboio, pouco ou nada interessado nos animais. Assistimos a um espetáculo de golfinhos e andámos de teleférico. Penso que foi a distração mais divertida para o nosso filhote pois ria-se da mãe que petrificara devido ao medo às alturas e só dizia disparates. 
Ao fim da tarde fez a RM. Estiveram presentes mais dois elementos da equipa multidisciplinar que acompanhava o Diogo: o Dr. Alberto e o Dr. Ricardo Lopes do hospital Júlio de Matos. Ansiosos pelos resultados, esperámos mais de uma hora. No fim, o Dr. Alberto aproximou-se de nós e confirmou a visualização e localização da displasia assegurando que a zona da visão estaria muito perto mas talvez não ficasse afetada. No dia seguinte voltaríamos a encontrar os dois profissionais, desta vez para uma avaliação de desempenho que confirmaria o que já sabíamos.
De regresso a Fafe e de regresso às nossas rotinas diárias. As aulas começaram e sabíamos que o nome do nosso filho constava na lista de cirurgia de epilepsia. Sabíamos também que era uma longa lista de anónimos que já tinham passado pelos mesmos procedimentos e que seria dada prioridade aos casos mais complicados. 

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Aprendizagem



Passaram três meses… e ligaram-me do hospital S. Francisco Xavier. “Bom dia, mãe. Fala a Técnica Ana Rita do Hospital S. Francisco Xavier. Estou a ligar-lhe para saber se pode deslocar-se com o Diogo a Lisboa, na próxima semana, para a realização de um vídeo EEG. Sabe em que consiste este exame?”. Fiquei em estado de choque! Não esperava que o Diogo fosse chamado tão rapidamente… e sim, sabia tudo sobre o exame, a Dr.ª Manuela já me esclarecera e eu já pesquisara. Nessa semana tinha imenso serviço na escola entre sessões de júri de certificação do processo de RVCC e relatório de direção de turma e de avaliação de desempenho para entregar. Por isso respondi que não era a melhor altura pois estava assoberbada de trabalho. “Não poderá ser na semana seguinte?”. Depois de desligar, insultei-me “Mas estarás louca, Patrícia? Estás há tanto tempo à espera que isto aconteça e dizes que não te dá jeito?” Como me dirigia para a escola, falei com a diretora do agrupamento que me sossegou e disse “Primeiro a saúde do teu filho. Por cá tentaremos e encontraremos certamente uma solução.” Liguei, ainda em estado de choque, para o número que ficara registado no telemóvel mas nada! Fiz várias tentativas e nada! Foi então que resolvi ligar à Dr.ª Manuela. Expliquei como tudo acontecera, como me arrependera imediatamente da minha resposta e pedi se seria possível entrar em contacto com a Técnica Ana Rita. A Dr.ª Manuela riu da minha reação assegurando que era normal pois fora apanhada de surpresa e assim fez o contacto. Passado cerca de 10 minutos voltou a ligar-me. A vez do Diogo passara… já estava marcada outra criança, mas voltariam a ligar-me brevemente. Aprendi instantaneamente que, quando nos chamam, temos que dizer sim e fazer as malas imediatamente. Não voltei a repetir o mesmo erro.
Na semana seguinte andei sempre com o telemóvel no bolso e voltaram a ligar-me, era a Técnica Ana Rita. “Olá mãe! É a Técnica Ana Rita. A Dr.ª Manuela ligou-nos a contar o que se passara mas já tínhamos outro menino. Mas pode ser para a semana?”. “Claro que pode, o que temos de fazer?”.
Na segunda-feira apresentámo-nos pelas 8.30 nas consultas externas de Pediatria, para a realização do vídeo EEG.
Depois do preenchimento de papéis subimos ao segundo piso. Entrámos na pediatria e encaminharam-nos até ao quarto onde se realizaria o vídeo EEG. Era um quarto grande e muito claro, com paredes adornadas de faixas coloridas do teto ao chão. Não era um quarto frio. Tinha uma janela grande, em toda a sua extensão, com uma vista bonita para o rio Tejo, na qual se podia vislumbrar Belém e o mar. Dizia a Técnica Ana Rita “Não há quarto com melhor vista!”.
Pouco depois recebemos a comitiva de boas vindas… um grupo formado por vários elementos da equipa multidisciplinar que estudaria o caso do nosso filho. Entre eles reconheci imediatamente os dois neuropediatras. Apresentaram-se e começou o interrogatório ao qual respondemos sem dificuldades. Mais uma vez contámos a história da epilepsia do Diogo, descrevemos as crises, os seus comportamentos, as suas dificuldades e os apoios que tinha para as trabalhar e tentar ultrapassar. Finalizámos com a medicação que tomava. Questionaram-nos também sobre a frequência das crises e respondemos que podiam passar 2-3 dias sem crises mas seguiam-se outros 3-4 dias com crises durante o sono. Não passava uma semana em que não as fizesse. Avisaram-nos, então, que reduziriam a medicação pois não podiam arriscar que o Diogo não colaborasse. “Podem estar tranquilos… o nosso filho não é tímido.” 

terça-feira, 2 de junho de 2015

Pequenos progressos


O tempo foi passando… as crises continuavam quase diariamente e voltámos a falar na possibilidade de uma cirurgia. Para tal ser possível seria necessário visualizar o foco e obter, através de imagens, uma localização precisa daquela malformação. O Diogo fez mais uma RM, tinha 4 anos, e algo me dizia que o resultado iria ser favorável e foi: “Malformação do desenvolvimento cortical parieto-occipital posterior esquerda, entre os sulcos parieto-occipital e o segmento descendente do sulco intra-parietal, que se caracteriza por anomalia focal de sulcação/giração, atenuação da transição córtico-subcortical e hipersinal da substância branca subcortical.”
Estaríamos a lidar com uma displasia cortical - tipo I - localizada na zona parieto-occipital. As displasias encontram-se entre as principais causas de epilepsia. A Dr.ª Manuela, durante uma consulta posterior e já com os resultados da RM nas mãos, explicou-nos que se trataria de um conjunto de células que, durante o desenvolvimento embrionário, não se teriam diferenciado em neurónios e, por isso, fariam descargas elétricas de forma anómala, causando as crises. 
Apesar dos resultados confirmarem a displasia, seria necessária a realização de uma nova RM que avaliasse até que ponto a mesma interferiria com a área da visão ou da linguagem. Próximo passo: inclusão na lista de candidatos à cirurgia de epilepsia mas para tal ocorrer seria necessária a realização de um vídeo EEG, entre outros exames. Foi então que conhecemos os nomes dos neuropediatras que constituíam uma equipa multidisciplinar que avaliaria o caso do Diogo: Dr. Pedro Cabral e Dr. José Carlos Ferreira. Mal tive oportunidade introduzi os seus nomes no Google e encontrei um vídeo sobre cirurgia de epilepsia em que participavam ambos. Fiquei ainda mais esclarecida e finalmente conhecia os rostos daqueles que vislumbrávamos como solução para a epilepsia do nosso filho.