segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Um lugar ao sol


As palavras, por muito fortes que sejam em significado, não têm o poder para descrever sentimentos tão profundos como o amor que tenho pelos meus filhos e a dor que sinto, a cada tentativa fracassada, na procura da resposta para a epilepsia do Diogo. Maldita! Maldita epilepsia! 
É inimaginável o sofrimento e a tortura que a impotência nos inflige. Ninguém vê,... ninguém sente,... mas fico atordoada, quase desligada deste mundo, e a insanidade vem lentamente tentar conquistar aquilo que julga ser dela há muitos anos. Desengane-se quem me toma por super mulher pois não sou mais do que ninguém. Sou mãe! 
Sou mãe de duas crianças lindas - o Diogo e a Laurinha - e sofro por sê-lo, por tê-lo desejado, acima de tudo, e por não conseguir um milagre para o meu filho. Só um pequeno milagre... Resta-me apenas dar o meu melhor, sem seguir manuais, sem seguir receitas, fazer tudo o que estiver ao meu alcance para que sejam crianças felizes. E são!
A Laurinha é o nosso furacão, leva tudo e todos à sua frente. Eu sei que pouco escrevo sobre a minha princesa mas penso não ser necessário dizer mais do que está dito. O meu amor por ela é confiante, tal como aquele de quem me lê e o partilha com os seus filhos. Encanta todos e convence todos. Tem perfil de líder e acredito convictamente que aquilo que desejar será realizado.
Apesar de ter sofrido imenso nesta sua curta vida, o Diogo é uma criança que transborda felicidade e é nele que me revigoro a cada embate, a cada queda, a cada frustração. O meu filho é o meu mestre na aprendizagem do que é a Vida. O meu filho ensina-me e inspira-me!
Se o meu amor fosse menor, o caminho que percorro seria de escuridão, de fracasso e desilusão. Ao longo destes anos, tive o desgosto de ver mulheres - mães como eu, de crianças com problemas de saúde - abandonarem os seus filhos nos hospitais, de os rejeitarem, tal como crianças que colocam de lado um brinquedo defeituoso por já não gostarem dele. Questionei-me sempre como era possível... se o meu amor cresce a cada dia, a cada obstáculo que ultrapassamos juntos.
O meu filho é uma das razões da minha vida. Vivo para ele e para a Laura. Vivo para os meus amores. A minha vida sem eles seria pintada de escuridão, privada de sonhos, encontros e reencontros. Assim, quando me sinto sem rumo e sem norte, isolo-me. Fico comigo, apenas comigo, e o copo transborda. Vivo horas, por vezes dias, de desespero interior mas livro-me de tudo, de todos esses sentimentos negativos. Ultrapasso e, quando a tempestade passa, abro uma janela e deixo o sol entrar novamente na minha vida. Nesses momentos sinto-me capaz de tudo, sou novamente possuidora de uma esperança sem fim, de uma vontade tremenda de dar luta à vida.
Sei que o nosso amor é maior e tudo suportará! O tempo também é todo nosso! O horizonte que percorremos é longo mas sei que, um dia, encontraremos o nosso lugar ao sol...

A mãe ama-vos, daqui até à Lua!





domingo, 25 de outubro de 2015

12 de setembro de 2013


Chegara o grande dia...
Mais do que habituada ao ritual de preparação do meu filho para as idas a bloco operatório, encontrava-me serena e confiante nos resultados desta intervenção. Na noite anterior deram-me respostas que me facilitaram uma melhor compreensão sobre a epilepsia do meu filho e, apesar de ser algo que o acompanharia para toda a vida, os seus efeitos podiam ser minimizados, possibilitando-lhe uma melhor qualidade de vida. Eu depositava toda a minha esperança na remoção do foco epitalogénico e, consequentemente, na redução drástica do número de crises que tinha. Poderá parecer pouco para alguns mas, para mim, significava dar paz e sossego ao Diogo, possibilitar-lhe uma melhor aquisição de competências e dotá-lo de capacidades que permitiriam um melhor desempenho a nível social.
Nessa manhã, bem cedo e antes de se preparar para a intervenção cirúrgica, recebi a visita da Dr.ª Clara que me quis explicar todo o procedimento e como o iria realizar - "Mãe, posso dizer-lhe que conheço de cor o cérebro do seu filho. Passei a noite a estudar o melhor modo de aceder ao foco e removê-lo sem causar danos ao nosso Diogo.". Segundo o que percebi, a Dr.ª Clara acederia à zona ativa da displasia seguindo um sulco - que limitava a circunvolução cerebral afetada - tendo acesso ao foco sem ter de cortar ligações neurológicas. Depois de terminar a explicação, sorri para a Dr.ª Clara e disse-lhe apenas "Vai correr tudo bem!" e voltei para o quarto.
Mais uma longa espera aguardava por nós. Decidimos sair do hospital e apanhar ar fresco na zona de Belém. Caminhámos, falámos e decidimos regressar. Recebemos imensas mensagens de conforto e esperança de familiares, amigos e das educadoras do Diogo. Fomos enviando mensagens para sossegar os corações daqueles que partilhavam connosco a espera tortuosa. Por volta das 15 horas, abriu-se a porta do bloco e apareceu a Dr.ª Clara - "Correu tudo bem. Removi o que pude, sem intervir na zona motora. O Diogo está bem.". Naquele momento senti que, pela segunda vez, o bem estar do meu filho tinha sido prioritário.
O protocolo foi cumprido como na primeira cirurgia... isolamento seguido de cuidados intensivos e, finalmente, enfermaria. As primeiras noites foram de ansiedade. Se fizesse crises, como depois da primeira cirurgia, os resultados não corresponderiam ao desejado. O Dr. Pedro Cabral passava pelo quarto todos os dias, mais do que uma vez, pois também ansiava pela ausência de crises. Estávamos todos ansiosos e os dias passavam sem crises. Na semana seguinte deram alta ao meu filho mas teríamos de ficar por perto. Passámos esses dias em casa da Manuela, sogra do meu primo Nuno, em Massamá. Aproveitámos para passear com o Diogo. Na manhã de quinta feira, uma semana após a remoção do foco, o meu mundo desabou mais uma vez - o Diogo despertou com uma crise. Senti-me a perder o chão, senti-me verdadeiramente infeliz, senti-me novamente revoltada com Deus - "Porquê?".  
Depois de me compor, contei ao Filipe o sucedido. Podia significar muito mas também podia não significar o que receava pois sabíamos que o simples facto de se mexer no cérebro podia desencadear crises por este estar a reajustar-se. Mais tarde recebi um telefonema da N. que me perguntou se estava tudo bem. Ela sabia que algo iria mexer comigo, apenas se enganou em termos temporais - "Não desanimes. Mantém-te confiante."
Na semana em que o meu filho foi operado, iniciou-se o ano letivo e o rapaz só pensava em ir para a escola. Regressámos a casa sem grandes certezas. Os próximos meses ditariam os resultados.



Deixo um vídeo sobre cirurgia de epilepsia mas não recomendo a visualização a pessoas sensíveis.





sábado, 24 de outubro de 2015

9 de setembro de 2013


O dia 9 de setembro amanheceu como qualquer outro dia. Preparei o Diogo para a cirurgia e esperei pelo meu marido. Acompanhámos o Diogo até ao bloco e esperámos. Sabíamos que a cirurgia seria longa mas nunca imaginámos que o Diogo passasse seis horas e meia no bloco. Quando terminou, abriu-se a porta e vislumbrámos o nosso filhote com a cabeça totalmente ligada e com um punhado de fios a sair pelo meio das ligaduras que selariam durante três dias o crânio do nosso filho. Seguimos para o quarto onde decorreria o vídeo EEG, já nosso conhecido de estadias anteriores. Entretanto, realizou-se uma TAC que forneceu a imagem da localização precisa da rede de eléctrodos intracranianos instalados no bloco. Seguiram-se três dias e três noites de monitorização de crises que o Diogo nos brindava sem qualquer timidez. A redução do Zebinix foi suficiente para que as malditas começassem a manifestar-se com maior frequência - cerca de oito - e sempre durante a noite.
O nosso filho teve, mais uma vez, um comportamento exemplar. Nunca se queixou e tinha muito cuidado com os fios que lhe saíam pela cabeça. Resistiu a tudo sem sofrer qualquer infeção ou outra complicação.
Na noite de quarta-feira, perto das 20 horas, apercebemo-nos da presença do Dr. Pedro Cabral, do Dr. Rui Canas e da Dr.ª Clara Romero na sala de vídeo EEG, anexa ao quarto. Sabíamos que tinha chegado a hora de se reunirem connosco e nos darem a conhecer o resultado obtido durante esta primeira fase. Assim foi.
Após a saída da neurocirurgiã, o Dr. Pedro Cabral convidou-nos a entrar na dita sala e começou a explicar toda a informação que estaria em sua posse. A primeira novidade relacionava-se com a dimensão da displasia e sua localização. Contrariamente ao que se pensava, a displasia tinha uma grande extensão e acompanhava toda a formação do corpo caloso. Contudo, e apesar da sua grande extensão, apenas uma pequena zona encontrar-se-ia ativa e a despoletar as crises. Compreendi logo a importância de tal descoberta pois explicou a dificuldade inicial em adequar fármacos à epilepsia do meu filho devido a uma rápida propagação frontal das crises, o que dificultava a localização precisa do foco epitalogénico. Apesar de este se localizar na zona parieto occipital do cérebro, a restante displasia funcionava como condutora das descargas elétricas, que rapidamente se propagavam frontalmente, induzindo todos em erro. A segunda novidade foi um grande alívio para nós pois excluía a possibilidade, dada como certa, de perda da visão do lado direito. Foi-nos garantido que o Diogo não sofreria de qualquer sequela relacionada com a visão. Nesse momento sorri, contagiada por uma felicidade imensa, e apeteceu-me dar um beijo naquele homem, grande homem, que era portador de boas notícias. A felicidade transbordou dos meus olhos e era visível aos médicos que ali se encontravam comigo e partilhavam a mesma esperança em melhorar o estado clínico do meu filhote.
Depois de explicado o plano delineado para a remoção do foco epitalogénico, alertaram-me que poderia manifestar-se uma perda ligeira da motricidade na perna direita mas seria reversível. Nessa altura eu já me encontrava nas nuvens, atordoada pelas boas notícias e com uma certeza inabalável de que desta vez seria diferente - o meu filho iria melhorar. Eu já sabia que a totalidade da displasia não poderia ser removida pois implicaria a perda de mobilidade do Diogo mas restava a esperança na remoção  total do foco.
Fui jantar e pelo caminho telefonei à minha mãe, já conhecedora das possíveis sequelas anteriormente previstas. Telefonei também à Susana e à Sílvia pois tinha que partilhar com elas mais esta alegria. Lembro-me da Sílvia me ter dito "Tu és mãe e já sabias. No fundo, tu já sabias!...". Também telefonei à N. que me assegurou que iria correr tudo bem no dia da cirurgia mas que pressentia que eu iria perder um pouco desta energia positiva que se manifestava e me fazia sentir quase eufórica.
Eu sentia-me irreconhecível... tivera as respostas a questões que tornavam de difícil compreensão a epilepsia do meu filho. Sentia que as peças de um puzzle finalmente encaixavam ao fim de cinco anos, sentia uma esperança indescritível nesta cirurgia, sentia-me feliz pelo meu filho e confiante na equipa que iria operá-lo do dia seguinte.    


                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Sexto sentido


Em junho de 2013 demos luz verde para a marcação de novas datas para as cirurgias do Diogo mas também suspeitávamos que o adiamento implicaria a passagem do período de férias de verão devido ao decréscimo de pessoal nos hospitais. As cirurgias envolviam um grupo multidisciplinar grande que estudava e acompanhava o caso do Diogo desde a sua entrada na lista de cirurgia de epilepsia.
Eu já adiara a entrada do Diogo no primeiro ciclo, tendo em consideração a realização das cirurgias e possíveis sequelas resultantes das mesmas, mas o novo ano letivo estava próximo e o meu filho ainda não tinha sido operado. Seria tudo uma questão de tempo e mais alguma dose de ansiedade.
Fomos para a praia em agosto. O apartamento, que já nos era familiar, recebera a designação de a casa da praia - segundo o Diogo - e tinha uma localização privilegiada pois bastava-nos atravessar a estrada para colocar os pés na areia. Entre as rotinas de verão e as brincadeiras, eu fazia-me acompanhar constantemente do telemóvel até que um dia o deixei em casa. Passei a manhã agitada e resolvi ir um pouco mais cedo para preparar o almoço e verificar se teria chamadas. Pois é! Tinha mesmo registado um número desconhecido acompanhado por uma mensagem da Dr.ª Clara - "Bom dia, mãe! É só para informar que o Diogo tem cirurgias marcadas para os dias 9 e 12 de setembro. Preciso da sua confirmação para as mesmas. Pode ligar para este número?". O meu sexto sentido não se enganara e, de imediato, fiz a chamada a confirmar que lá estaríamos.
Comecei a preparar o almoço. Sentia-me simultaneamente feliz e angustiada. O meu pensamento estava já totalmente focado nos preparativos e em dar a notícia à família que chegaria daí a momentos. Entre o fim das férias e a viagem para Lisboa, tinha apenas uma semana para organizar tudo pois a Laurinha ficaria com os avós.
Nesses dias relembrámos o termo de responsabilidade que já assináramos e as sequelas possíveis das cirurgias. A perda da visão do olho direito era dada como certa e a perda da linguagem, apesar de reversível, também poderia ocorrer. Além disso, os riscos que o nosso filhote corria eram muitos. No dia 9, segunda-feira, iria ao bloco para abertura do crânio e instalação de uma rede de eléctrodos que ficariam a registar as crises, durante três dias, para uma melhor localização da displasia e do foco epitalogénico. Na quarta-feira reuniríamos com os neuropediatras e neurocirurgiã para discutir os resultados obtidos e delinear a cirurgia seguinte. Esta segunda cirurgia seria decisiva pois seria removida a porção de cérebro que causava as crises ao nosso filho. O período de tempo entre as cirurgias seria crítico pois o crânio estaria aberto e os eléctrodos intracranianos comunicariam com o exterior, através de um punhado de fios, ligados a um monitor que registaria as crises. A possibilidade de ocorrerem infeções e outras complicações era preocupante.
Eu e o meu marido éramos os únicos a ter conhecimento das sequelas e riscos... se era doloroso para nós não teria de sê-lo para o resto da família. Na devida altura, no momento certo, seriam informados.
Nesses dias, que antecederam as cirurgias, desejei sonhar com a minha avó pois ansiava por um sinal...
A meio da semana, eu e o Diogo fizemos uma sessão de cura reconectiva. A N. disse-me apenas que iria correr tudo bem - os números 9 e 12 eram bons - e pediu-me que o Diogo estivesse em contacto com a natureza, que o deixasse correr descalço para sentir a terra. Assim fiz.


terça-feira, 20 de outubro de 2015

Marcação e adiamento da cirurgia


O número que apareceu no meu telemóvel, quando este tocou, não me era desconhecido e fiquei logo transtornada. Atendi e aquilo por que esperava há mais de um ano concretizava-se. O Diogo tinha as cirurgias marcadas para os dias 20 e 23 de maio. Confirmei a nossa presença na consulta de anestesia e despedi-me. Logo de seguida, liguei ao meu marido para dar a notícia e dirigi-me à escola para avisar que estaria ausente. Encontrei a Cristina e contei-lhe o sucedido.
Depois dos preparativos para a viagem, fiz um telefonema para marcar uma sessão de cura reconectiva para mim. O meu desgaste físico e psicológico, causado por uma espera angustiante, tirara-me as forças para mais um embate e reconhecia que precisava de ajuda. A minha tia Ilda foi comigo pois eu não sabia se conseguiria fazer a viagem de regresso sozinha. Os meus filhos ficaram em casa dos avós e o Filipe tinha um jantar do pessoal do futebol. Tudo se combinara para que eu pudesse ter o meu momento.
Deitada na marquesa, comecei por sentir as pálpebras a tremerem, os meus olhos tinham vontade própria e pareciam querer abrir-se, tal era a quantidade de energia que por eles circulava. Seguiu-se um peso no meu peito. Sentia toneladas em cima dele e doía-me a respirar. Fui invadida por um sentimento de angústia e parecia estar a ser esmagada ali, naquela marquesa, naquele momento. Por fim, algo se passou na minha cabeça que não consigo descrever senão recorrendo à imagem do movimento da água a sair de uma mangueira. Do mesmo modo, algo era sugado pela minha cabeça e depois parou. Chamaram pelo meu nome e abri os olhos.
No regresso, contei à minha tia o que experimentara e não disse mais nada. Eu estava calma, demasiado calma, como se me encontrasse num qualquer estado latente. No dia seguinte acordei completamente diferente. Tinha vontade de cantar e ouvir música, falava alto e questionava-me sobre o que estava a sentir. O meu estado era de euforia e parecia uma adolescente apaixonada, sempre com um sorriso nos lábios e com o coração agitado, mas saudavelmente agitado. Lembro-me de pensar que era injusto eu sentir-me tão bem enquanto o Filipe se sentia angustiado e, para acalmá-lo, dizia-lhe apenas "Vai correr tudo bem!". Telefonei à N., a terapeuta que me fizera a sessão, para perguntar se tal seria normal acontecer e a resposta dada foi "Esse é o teu estado normal, algo que já não sentias há muito tempo. Tu és assim, não te preocupes. Vai correr tudo bem!".
O Diogo foi internado no dia seguinte, domingo, e tinha uma infeção num dente que, segundo nos informaram na consulta de anestesia, não seria impeditivo para a realização da cirurgia. No domingo, à noite, recebemos a visita da neurocirurgiã que, mais uma vez, nos alertou para as possíveis sequelas desta cirurgia e assegurou que não haveria problema relacionado com o dente. Despedimo-nos até o dia seguinte. Fiquei com o meu filho e fui recebendo chamadas da família e amigos. Estava muito calma, tão calma que dormi durante a noite mas com a forte sensação de que o meu filho não iria ser operado.
Na manhã seguinte, acordei para o ritual de preparação para a cirurgia: dei o antibiótico e a medicação ao Diogo. seguiu-se um banho e desinfeção de todo o corpo e vesti-lhe o pijama para o bloco. O meu marido chegou para ficar com o Diogo enquanto eu tomava um banho rápido. Mas o banho rápido foi muito tranquilo - não tive pressa - pois continuava com o pressentimento de que a cirurgia não se realizaria. Quando saí, deparei-me com o Filipe a falar com a neurocirurgiã - "Mãe, pensei muito durante a noite e decidi adiar a cirurgia. A infeção no dente pode potenciar outros riscos e o Diogo não pode correr riscos para além daqueles que já correrá.". Eu já sabia que tal iria acontecer, pressentira algo durante a noite.
Regressámos a casa... o Diogo teria de ir a bloco, no hospital Santo António, para remoção do dente. No espaço de uma semana marcou-se a dita remoção e demos luz verde à equipa de Lisboa para marcar novas datas. 

sábado, 17 de outubro de 2015

Coincidências ou respostas?


Acredito que as coincidências que existiram na minha vida até ao presente foram tudo menos isso. Acredito que tenho alguém a olhar por mim e pelos meus. Acredito que as respostas que obtive, em todas as situações difíceis dos últimos anos, foram oferecidas por alguém que as colocou à minha frente para poder vislumbrá-las. A Cristina, uma colega que ficou colocada por erro na escola onde eu lecionava, é apenas um pequeno exemplo e confirmação do que escrevo.
É engraçado... inicialmente não simpatizei muito com ela - perdoa-me Cristina! Apesar de pertencer ao conselho de turma que eu presidia, só mais tarde tive tempo e oportunidade de conhecê-la melhor. Foi durante a hora de almoço, de um dia em que não me apetecera ir a casa, que tal aconteceu. A conversa proporcionou-se e, entre outros temas, falámos do Diogo. Pediu-me que lhe mostrasse os filmes das crises para poder aprender a identificá-las e ficou impressionada. Perguntou-me, então, se já ouvira falar de reconexão e cura reconectiva. Explicou-me apenas que se tratava de energias que atuavam no nosso organismo, restabelecendo o seu equilíbrio, e nos proporcionavam luz, amor e informação. Não me adiantou mais nada! Aconselhou-me a experimentar e ficámos por ali.
Na verdade já lera sobre medicina e terapias alternativas mas nenhuma me despertara o interesse como esta que me era totalmente desconhecida. No fim de semana seguinte, nem sei o porquê, recordei a conversa que tivéramos... peguei por impulso no PC e aventurei-me no conhecimento da cura reconectiva. Na semana seguinte li um livro sobre a mesma e começou a desenhar-se mais uma resposta para aquilo que era urgente - a marcação da segunda cirurgia do Diogo.
Não consigo explicar o que aconteceu... foi como um despertar, algo que me impeliu para seguir aquele caminho. Duas semanas mais tarde, num sábado de manhã, o Diogo fazia a primeira sessão de cura reconectiva. No final da mesma, o meu filho despertou e perguntou-me se tinha sido operado. Fingi não dar importância à questão e respondi "Não!...". Contudo, sabia que algo tinha acontecido durante a sessão, eu sentira-o na sala ao lado onde esperava em silêncio.
Nessa mesma tarde, o meu filho decidiu ficar em casa dos avós. O meu irmão, atleta de andebol, jogava em Fafe e os meus pais iam assistir ao jogo. O problema do meu filho era não suportar barulho e confusão, por isso, a avó já se mentalizara que sairia antes do final do jogo. Horas mais tarde recebi um telefonema da minha mãe - "O que fizeste ao teu filho? Ele está diferente... Viu o jogo até ao fim! Gritou pelo tio, bateu palmas... foi uma festa!". Mas o melhor estava ainda por acontecer... Três dias depois telefonavam do hospital São Francisco Xavier.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Furacão Laurinha


A epilepsia do meu filho manifestou-se aos vinte e um meses da sua existência. Nessa altura preparava-me para ser mãe pela segunda vez. Durante o internamento no hospital Maria Pia, em conversa com uma enfermeira muito querida e dedicada às crianças, confidenciei-lhe os preparativos e como me assustava a ideia, perante o pesadelo que vivíamos. "Não, mãe! Nem sequer pense nisso agora! Mesmo que consiga engravidar, duvido que leve a gravidez a termo...". Foram estas palavras que ecoaram nos meus pensamentos durante as noites mal dormidas em que registava as crises do meu filho, espaçadas por apenas alguns minutos. Durante o dia não parava com ele e, apesar de tomar um banho logo de manhã, chegava exausta à noite e a precisar de outro que improvisava com uma pequena bacia e toalhas facultadas generosamente pelas enfermeiras. O meu filhote não parava por um minuto! Foram tantas as vezes que percorri os corredores daquela enfermaria que decorei os desenhos tão deliciosamente pintados para as crianças. Gastei as suas personagens com as histórias que inventava para sossegar o rapaz, contava-os e escondia-os com a palma da mão para que o Diogo adivinhasse quem estava escondido e ele adivinhava. Tantas foram as vezes que observámos aquelas paredes, eu e o Diogo.
Quando teve alta, já me mentalizara em esquecer uma possível gravidez. O Diogo tinha uma epilepsia refractária e precisava de toda a nossa atenção. 
Entre várias associações de fármacos foi descoberta a tal - aquela que, apesar de não anular as crises, as remeteu somente para o período noturno. Com o tempo e muita pesquisa, compreendemos melhor a epilepsia e tínhamos esperança de voltar a viver dias mais felizes. 
Cerca de um ano mais tarde voltei a pensar numa segunda gravidez. O Diogo só tinha crises durante o período da noite, era vigiado e as nossas vidas estavam mais calmas devido às rotinas que já interiorizáramos. A minha vontade de voltar a ser mãe crescia, de dia para dia, e o Diogo precisava de um irmão. Era mimado por todos, tornara-se o centro de todas as atenções e estava na altura de aprender a partilhar. 
Eu já sabia o sexo do meu segundo filho muito antes de este ser confirmado pela ecografia. Mais uma vez as coincidências se concretizavam na minha vida. A minha avó avisara-me da gravidez do Diogo com um sonho que tivera. Nesse sonho deram-lhe um recado da minha tia Teresa... - "estava a preparar a menina para a Ticha e seria muito parecida com o pai". É verdade, quando vos contei o sucedido omiti a menina e o resto. Desculpem mas perdia a graça.
Estava grávida de uma menina que receberia o nome de Laura e se tornaria uma criança tão rebelde quanto aquela que a preparara para ser minha filha. Chamem-me louca, o que quiserem, mas a minha tia Teresa amadrinhou bem a minha filha. Tal como a minha tia, a Laurinha tornou-se um furacão nas nossas vidas, com uma rebeldia sem explicação e uma teimosia precoce que a caracterizam. A acompanhar estas características combina-se um sorriso maravilhoso, hipnotizante, que conquista tudo e todos. É de extremos, para a Laurinha não existe o meio termo e impera o "Quero, é meu!".
Apesar de correr tudo bem durante a gravidez, esta foi muito difícil para mim pois duvidava da minha capacidade de continuar a prestar a atenção de que o Diogo tanto precisava e partilhá-la de igual modo com o meu novo rebento. Martirizava-me a ideia de um dos meus filhos ser prejudicado. Chorei durante nove meses, todos os dias.
No dia de Reis de 2010 nascia a minha princesa. Foi uma bebé muito sossegada mas pregou-me um grande susto, logo aos vinte dias de vida, devido a uma bronquiolite. Ficou internada durante uma semana pois era muito pequenina e rapidamente poderia dar-se uma evolução para pneumonia. Mais tarde vieram as otites sucessivas. Realmente não tive descanso por muito tempo.
Aos oito meses já andava e trepava tudo. Nunca pediu para lhe dar algo que desejava, quando me apercebia já o tinha na sua posse. Aos três anos começou a imitar as crises do mano mais velho. Porquê? Não precisei de pensar muito... quando chamava pela mamã ou pelo papá costumava receber como resposta um "Já vou, Laurinha" mas tardávamos em ir... Já as nossas respostas às solicitações do Diogo eram imediatas. Certo dia, a Laurinha chamou por mim e, mais uma vez, recebeu como resposta um "Já vou, Laurinha". Não se fez de rogada e atirou-se para o chão imitando uma crise de epilepsia, tal como as do mano. Quando me deparei com tal cenário fiquei perplexa e imóvel - "Meu Deus, a minha filha?...". Foi então que a piolha abriu sorrateiramente um olho e apercebi-me que era encenação. Aprendi logo a lição!
A Laurinha foi uma lufada de ar fresco e, entre o quase levar-nos à loucura e o derreter-nos de felicidade, revirou as nossas vidas do avesso - ela é o nosso furacão Laurinha!

sábado, 10 de outubro de 2015

Zanguei-me com Deus


A primeira cirurgia do meu filho foi uma frustração para todos mas para mim foi muito além disso. Lembro-me da esperança que depositávamos naquele acontecimento tão esperado e de me aperceber que pouco me recordava do meu filho antes da sua epilepsia se ter manifestado. O cérebro humano é deveras interessante. Apercebi-me que este acontecimento marcou-me tão profundamente que registei mentalmente todos os acontecimentos e conversas, desde o primeiro dia de pesadelo, e gravei a sucessão de acontecimentos e sentimentos envolvidos de modo irreversível. Nos dias que antecederam a cirurgia, tentava imaginar o meu filho sem as crises... como se transformariam as nossas vidas... A verdade? Não tive uma única visão nítida desse sonho que tanto ansiava que se tornasse realidade. Talvez já soubesse muito secretamente que tal não aconteceria. Agarrei-me a um terço que a minha mãe me trouxera de Fátima e rezei. Pedi a Deus que concedesse esta graça ao meu filho e que permitisse que o Diogo tivesse uma vida normal sem crises.
O Diogo foi internado num domingo e na manhã seguinte iria ao bloco. Não dormi. Chorei e rezei. Pedi imenso por ele e pedi a Deus que me desse forças para conseguir lidar com as emoções avassaladoras que se apoderavam de mim. O meu cérebro não parava... os pensamentos sucediam-se ininterruptamente, em turbilhão, e sacudia a cabeça para afastar os maus pensamentos, aqueles que representavam os meus medos e os piores cenários da cirurgia. Espantava-os!
Começou a nascer o dia e iniciei os preparativos para o meu querido filho ir para o bloco onde tudo poderia mudar. O meu mundo desabou quando as portas do bloco se fecharam e o deixei nas mãos da neurocirurgiã. Desse momento em diante comecei a rezar apenas por ela. Pedia a Deus que lhe desse segurança e firmeza nas mãos e clareza de raciocínio para colocar o bem-estar do meu filho acima de tudo. Não pedia mais e muitos eram aqueles que intercediam pelo meu menino, muitos!
Foram muitas horas de sofrimento, de uma angústia capaz de nos levar à loucura, para continuar quase tudo como até então. Foi então que me zanguei, zanguei-me com o meu Deus pois o meu filho era merecedor de um desfecho diferente. Afastei-me. Não voltei a rezar desde então. As palavras das orações que me ensinaram em criança soavam ocas, sem sentido ou significado, por isso, questionava-O - "Porquê? O meu filho não merecia outro destino? Que mal esta criança Te fez?".
A minha revolta reapareceu e eu sentia que começava a destruir-me lentamente. Como é possível que aquele Deus misericordioso, de que a minha avó Aida me falava, tenha esquecido o meu filho? O que nos destinaria? Parecia que brincava com as nossas vidas, que as provações por que passávamos eram insuficientes e, por isso, podíamos continuar a percorrer labirintos que não nos conduziam a lado algum. Sofri em silêncio, chorei e gritei longe de tudo e de todos... Quando as lágrimas secaram e os gritos se tornaram mudos, organizei a minha sanidade mental e dediquei-me aos meus filhos como se não houvesse um amanhã. Todos os dias lhes dizia "A mamã ama-vos muito!" e vou ao fim do mundo por eles. As feridas foram curando-se com o tempo...
E o tempo passou... mas a minha relação com Deus desmoronou.