domingo, 1 de maio de 2016

A relatividade do tempo II


O Diogo somou vitórias impensáveis no segundo ano letivo. Com muito empenho e persistência, com a dedicação de três professoras excecionais, novas estratégias e muitas terapias, o Diogo aprendeu a ler e a escrever. A recuperação da consciência fonológica tardou mas tornou-se real. Foi uma vitória não só para o meu filho mas também para todos aqueles que trabalharam com ele durante esses dois anos de desespero e incertezas. 
Eu questionava-me se tal recuperação seria possível,... sentia que mesmo os profissionais de saúde, que desde sempre o acompanharam, se sentiam ansiosos. Apesar de ser conhecida a plasticidade cerebral - capacidade do cérebro recuperar as funções perdidas devido à remoção de parte da displasia - cada organismo é um só e a recuperação não é garantida. Durante este período, embrenhei-me em artigos científicos sobre o tema. Li e pesquisei à procura de possíveis soluções para a sequela que o meu filho herdara da cirurgia e a única resposta que tive foi o tempo - era necessário dar tempo ao tempo e não desistir.
O primeiro ano foi um ano de estimulação neurológica pois, apesar de não conseguir aprender a ler, o Diogo fazia as mesmas tarefas que os colegas da turma realizavam, com muito apoio das professoras que com ele trabalhavam. Em casa repudiava a minha ajuda, por isso, pedi auxílio à Armanda - amiga da família e professora de educação especial - que o conhecia muito bem e conseguia aquilo que me era negado pelo meu filho, ajudá-lo. Durante o segundo ano, recorrendo ao método das vinte e oito palavras, a recuperação iniciou-se e as vitórias somaram-se. O Diogo começou a ganhar confiança e o sucesso foi alcançado. Mas o sucesso veio acompanhado de um sabor amargo para mim que se traduziu no reconhecimento do meu grau de formatação e na necessidade de desformatar. Apesar da recuperação, o Diogo ficaria retido no segundo ano de escolaridade.
Como todas as mães, sonhei com um futuro sorridente para o meu filho. Quis o destino que o Diogo tivesse uma vida complicada desde tenra idade mas nós nunca deixámos de sonhar. Passámos por fases muito difíceis mas conseguimos sempre superá-las com muito amor e continuámos a sonhar. As dificuldades eram superadas com a dedicação e persistência que tinham como denominador comum a felicidade do nosso filho e os sonhos continuavam. Apesar de termos os pés bem assentes no chão e de sabermos que a transição de ano era algo questionável, a ferida foi aberta novamente.
O percurso académico do nosso filho não será aquele que qualquer mãe ou pai idealiza para o seu filho. É aqui que a minha desformatação se inicia e as ideias pré concebidas caem por terra. Não me interessa que o Diogo faça o seu percurso num determinado período de tempo. Quero dotá-lo de capacidades para que seja autónomo e possa contribuir com algo positivo para a sociedade. Quero que ganhe competências que lhe permitam conquistar, ser crítico, que seja capaz de pensar por si e não seja influenciado por outros. Quero que se assuma como indivíduo numa sociedade plural e que seja feliz. Sendo assim, o tempo não tem relevo no seu processo de aquisições - elas serão feitas ao seu ritmo - e o que realmente importa é a sua consolidação. O tempo tem apenas a importância que cada um de nós lhe atribui - podemos encurtá-lo, até esticá-lo - e o nosso Diogo tem todo o tempo do mundo!