domingo, 31 de dezembro de 2017

2018 - Venha lá mais um!


Em véspera de passagem de mais um ano, questionei-me inúmeras vezes sobre a razão de celebrarmos esta transição tão intensamente, se afinal só muda um número e as nossas vidas seguem o seu rumo. 
Ao longo do dia, recordei-me de passagens tristes, pela ausência de alguém querido que já partira, mas também por sentir-me angustiada pelo desconhecido que se tornara o meu futuro e o do meu filho.
Recordei-me particularmente de 2008. A epilepsia do Diogo manifestara-se em maio e ainda aprendíamos a viver com aquela que nos acompanha desde então. Tive a perceção da proximidade do abismo tal como o sentira na altura. À meia noite em ponto, depois da contagem decrescente para o novo ano, sentia os olhos a encherem-se de lágrimas que desesperadamente tentava conter, mas sem sucesso. Teimavam resvalar-me pela face, contra minha vontade e não consegui esconder a ninguém a dor que me atormentava a alma.
Interroguei-me então sobre a importância desta noite em que as reações são exacerbadas, os sorrisos e as lágrimas manifestam-se intensamente e com mais facilidade, como se o amanhã não existisse e os tivéssemos de gastar naquele momento. Porquê? Talvez porque tenhamos esperança que a mudança do número, a entrada de um novo ano, seja uma nova oportunidade para mudarmos, para melhorarmos, uma oportunidade para apagar o que nos magoou e podermos seguir um novo caminho.
Recordei a mesma noite quando fui adolescente - as motivações e sonhos que desenhava e sarrabiscava secretamente num diário. Reconheço que este regresso ao passado foi uma experiência que marcou o dia de hoje.
Entre muitas recordações, lembrei-me de pessoas que admirava pela vida de doação aos pobres e mais necessitados, como a Madre Teresa de Calcutá, aqueles que lutavam contra o preconceito e pelos direitos das crianças e, ainda, aqueles que se manifestavam contra a crueldade praticada contra os animais e a natureza, colocando as suas vidas em risco – homens e mulheres da Fundação Greenpeace.
Lembrei de me ter passado pela cabeça ser freira…, mas foi uma ideia que desapareceu tão depressa como surgiu, pois, já nessa altura, gostava muito de falar e um dos meus maiores sonhos era ser mãe. Admirava a minha avó Aida pois era uma excelente contadora de histórias – que sempre me inspiraram – e admirava a minha mãe pela sua dedicação aos filhos e pela sua resiliência.
Encontrei muito de mim nestas recordações. Sou eu pois tenho uma família que estima os seus valores, transmitindo-os de geração em geração. Encontrei as minhas origens e a minha força.
Cresci e evoluí muito desde então. O presente que vivo não foi um futuro sonhado por mim, mas o caminho que tenho percorrido fez de mim uma pessoa melhor e encontrei a felicidade quando tudo no meu mundo parecia desmoronar. A minha vida tem sido uma constante descoberta em mim e os sonhos são uma constante na minha vida. O meu mundo é de afetos e o impossível não existe.
Para o ano de 2018 não espero nada de especial. Prometo sim, a mim, ser fiel a mim mesma e ao que sinto. Prometo dar mais de mim e não me desiludir. Prometo estimar o meu mundo dos afetos. Prometo descobrir novos caminhos e partilhá-los com quem me quer bem. Prometo continuar a ser feliz nesta aventura chamada Vida. 
Assim sendo, venha lá mais um ano! E sejam felizes!

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

2017, um ano de revolução


Mais um ano se aproxima do fim e, como é habitual, torno-me introspectiva e faço um balanço sobre a minha vida. Nesta quadra revivo intensamente o passado que me construiu e fez de mim quem sou. Relembro todos os que partiram, deixando um vazio físico no meu quotidiano, apesar de senti-los muito presentes todos os dias. Volto a ouvir as suas gargalhadas, as nossas conversas, os seus ensinamentos... consigo ver cada pormenor dos seus rostos e o brilho nos seus olhares. A cada ano que finda, homenageio quem já me deixou e me transmitiu os valores que regem a minha vida.  Quantas saudades sinto de todos eles! A vida deve ser celebrada, mesmo com estas ausências, pois todos fizeram parte dela, até um dia, e enriqueceram a minha existência incomensuravelmente.
O ano de 2017 foi algo indescritível. Passei por quatro escolas distintas, tive muitos alunos - todos diferentes - e trouxe comigo um palmo de amizades, boa gente que enriqueceu um pouco mais o meu caminho e aglutinei com carinho ao meu mundo. Diferentes vivências e novas descobertas conduziram-me a um autoconhecimento intrínseco e mais profundo. Valorizei-me muito como mulher e melhorei a minha autoestima.
Mas nem tudo foi agradável. Passei por uma exclusão nos concursos de professores que me revoltou imenso. Foram meses de indefinição a lutar por uma causa que não foi apenas minha. A determinada altura abria o meu mundo a mais mundos - aqueles que como eu aguardavam um desfecho numa saga de loucos. Passaram a fazer parte da minha vida e aprendi que a solidariedade entre colegas nos permite pequenas conquistas, pequenas para alguns, mas enormes para nós. Mais um grande punhado de amizades que levarei pela vida.
Fui colocada administrativamente em finais de outubro. Não estou só, a Elizabete está comigo. Duas excluídas colocadas na mesma escola, foi caso único! Juntas ultrapassamos obstáculos e lutamos pelo nosso lugar. Neste momento, posso dizer que já conheci quem será importante trazer comigo quando o ano letivo terminar. Todos os anos o mesmo desfecho: deixo um bocadinho de mim e trago um bocadinho de outros.
Se pudesse resumir 2017 a uma palavra escolheria revolução. Uma revolução positiva em todos os aspetos da minha vida, o trampolim para um ano de transformação e mudança que vislumbro para 2018.
Para o próximo ano prometo não me desiludir, prometo ser fiel a mim mesma e aos meus sentimentos. Darei o melhor de mim e abrirei novos caminhos que percorrerei acompanhada por quem me quer bem.

A todos vós que fazeis parte do meu mundo, da minha história…
Um 2018 doce, tranquilo e luminoso!

Sejam felizes!

sábado, 2 de dezembro de 2017

Sensibilidade e bom senso


Os meus filhos são o meu mundo! Já os amava quando, em plena adolescência, elaborava listas de nomes para aqueles que seriam o meu mais do que tudo. Amo-os, agora, ainda mais!
Luto diariamente para dotar os meus filhos de ferramentas para que possam trilhar os seus caminhos com determinação, espírito crítico, responsabilidade, respeito e solidariedade para com os outros. Incuto à minha prole a beleza existente na diferença, transmito-lhes valores que herdei e ensino-os a superarem as suas frustrações. Não desejei filhos perfeitos e não trocaria, por nada, as suas arestas ainda por limar. 
Não é fácil criar uma criança nos nossos dias perante uma sociedade elitista, competitiva e cruel. Como professora tenho visto um pouco de tudo e o que mais me assusta é a falta de empenho para com alunos com necessidades educativas especiais (NEE). Serão filhos de um Deus menor? 
Ao longo destes anos - e não são poucos - tive sempre alunos especiais que contribuíram para a minha evolução como profissional mas, sobretudo, fizeram de mim uma pessoa melhor. Nunca olhei para eles como uma "carga de trabalhos" e dediquei-me sempre de modo a serem bem sucedidos nas suas aquisições e aprendizagens. Não é um trabalho fácil nem reconhecido por ninguém, senão pelos próprios, salvo algumas exceções...
Muitos alunos deixam-se levar pelo facilitismo e não possuem motivação para se empenharem no processo de ensino/aprendizagem. Tornam-se apáticos e escudam-se no estatuto de NEE, confiando que a transição de ano é-lhes garantida. Recordo-me de, há uns anos, ter um aluno que era da minha direção de turma e que assinava apenas os testes. Dizia - "Não se preocupe comigo, professora! O ano passado também tinha negativas a todas as disciplinas e acabei por passar". Cometeu um erro pois o seu desinvestimento declarado foi sentenciador da sua retenção. Esta retenção nunca me pesou na consciência pois, apesar da sua apatia, como professora fiz tudo o que estava ao meu alcance para tentar reverter a sua sentença anunciada. Recentemente tive também uma aluna com NEE que me informou que lhe deveria dar as soluções dos testes pois tinha muitas dificuldades e era a recomendação do psicólogo que a acompanhava - mentira! Em quase dezanove anos na educação não tive mais alunos que se fizessem valer das necessidades educativas especiais. São alunos deste gabarito, com encarregados de educação coniventes, que dão mau nome à educação especial, que não deve ser para todos mas para aqueles que realmente precisam. 
Nos últimos anos, temos vindo a presenciar um aumento invulgar e algo escandaloso no número de alunos com NEE e questiono-me se esses números serão verdadeiros. Estou no direito de duvidar pois também sei que quando um aluno demonstra dificuldades acrescidas nas aprendizagens é muito mais fácil sinalizá-lo e passar a batata quente para outros, facilitando o seu percurso escolar. Desenvolvem-se PEIs e CEIs e abre-se o caminho para o faz de conta. Passei anos a desenvolver estratégias que conduzissem os meus alunos especiais ao sucesso, nem sempre com resultados positivos mas valorizando, sempre, as estratégias bem sucedidas e menosprezando aquelas que em nada contribuíam para a sua evolução. Nunca alinhei no jogo do faz de conta
Sou grata por ter tido alunos especiais que me ensinaram mais do que uma licenciatura e me prepararam para o maior desafio da minha vida. Sou grata por ter colegas que cruzaram o caminho do meu filho e fizeram por ele mais do que lhes era solicitado. Vestiram a camisola pelo meu Diogo e, contra ventos e marés, ajudaram-no a alcançar vitórias imensas que mudaram o rumo da sua vida. Sou grata à professora Paula que, durante três anos, acarinhou o Diogo e lidou com a perda da consciência fonológica desde o início, nunca desistindo da sua recuperação e sempre com os pés bem assentes em terra. Sou grata à professora Alda, de educação especial, que se envolveu de corpo e alma na recuperação do meu filhote e partilhou comigo as frustrações e as vitórias alcançadas pelo rapaz. Agradeço à professora Anabela que se dedicou apaixonadamente à aprendizagem da leitura pelo Diogo e o acarinhou nos maus e bons momentos. Sou grata à professora Fátima que apoiou e apoia o meu rapaz pacientemente. Sou grata às terapeutas que trabalharam e continuam a trabalhar as dificuldades existentes, contribuindo nos bastidores para o seu sucesso. Sou grata à professora Sónia que concretizou a verdadeira integração/inclusão do Diogo e fê-lo acreditar nas suas capacidades, alcançando resultados nunca antes imaginados.
Ninguém consegue, sequer, imaginar o trabalho, empenho, determinação e dedicação deste grupo de professoras que cruzou os seus caminhos com o do meu filho! Bem hajam por contrariarem a corrente do facilitismo e do faz de conta! Prometo que não permitirei que nada, nem ninguém, destrua o vosso trabalho! 

"Ser professor, SABER SER PROFESSOR... é ser eterno aluno da vida e do amor... é limpar as lágrimas e dar voz à dor alheia e ficar longe quando a vida manda abraçar o futuro."

Autor desconhecido

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

O meu Mundo a aguardar


Ora, expliquem-me lá - como se eu fosse muito pequenina - a razão de tanta contestação por parte dos professores. Afinal, todos os anos ouvimos professores a reclamar e este é só mais um!

Os concursos de professores não são fáceis de entender pois não são concursos únicos em que colocamos todos os professores no mesmo saco e vamos distribuindo ordenadamente. 
Temos os professores de quadro de escola (QE) ou quadro de agrupamento (QA) e os professores de quadro de zona pedagógica (QZP). Todos possuem vínculo ao Estado, a diferença reside na área de colocação. Enquanto um professor QA ou QE está efetivo numa escola ou agrupamento de escolas, o professor QZP pode ser colocado em qualquer escola do QZP em que vinculou e a área é muito mais abrangente. Vejamos a distribuição e geografia dos referidos QZP na imagem que se segue, em que cada cor corresponde a um diferente QZP.


Este grupo de professores concorre de quatro em quatro anos para poderem mudar de escola, caso o pretendam.
Temos também os professores contratados, cujos concursos são anuais - podem obter horários completos ou não, anuais (até 31 de agosto) ou temporários - de modo a suprimirem as necessidades transitórias das escolas e, podem também, concorrer à vinculação se abrirem vagas e se reunirem condições muito específicas para tal. 
Apresento-vos, então, três concursos de professores que se realizam em simultâneo: O Concurso Interno (apenas para QA, QE e QZP), o Concurso de Integração Extraordinário (para contratados que possuam condições para vincular) e o Concurso Externo (só para contratados de modo a proceder-se à sua contratação anual ou temporária).
Conhecidos e esclarecidos os concursos, torna-se urgente distinguir as diferentes razões por que tantos professores manifestam a sua insatisfação. Todos conhecem as regras e legislação aplicadas aos mesmos e os professores são pessoas, têm família e problemas como qualquer mortal. Perante tal, cada um faz as suas opções mediante as suas prioridades que, com certeza, serão diferentes consoante a vivência de cada qual. Até aqui...
O que transformou os concursos de professores injustos, desde o início, foram as exclusões indevidas de professores de todos os concursos, com particular incidência nos opositores ao Concurso de Integração Extraordinário. Ao contrário do que a Direção-Geral de Administração Escolar (DGAE) lançou para a opinião pública, as exclusões não estiveram apenas relacionadas com erros no tempo de serviço. Foram, muitas, devidas a denúncias feitas por colegas que contabilizam o tempo de serviço daqueles que são seus concorrentes diretos nas listas de graduação - "Este colega tem mais tempo de serviço do que devia, vou denunciá-lo!". Outras, por erros efetivos no tempo assinalado pelo professor e, muitas mais, devido a erros da própria DGAE. Afinal, como é possível professores com 17, 18, 19, 20 ou mais anos de serviço passarem o ano letivo a fazerem substituições em diferentes escolas? É a roleta russa dos concursos! Ninguém consegue prever o que lhe vai ser atribuído como horário. Isto passou-se comigo e muitos colegas. O concurso decorreu num período de tempo em que não tinha escola e a entidade que validaria a minha candidatura seria a escola onde estava o meu processo. Validação feita pela mesma e tudo correto. Quando a DGAE verifica a minha candidatura, posteriormente, exclui-me pois já estava novamente colocada e o código dessa escola não correspondia ao da entidade de validação. Custava muito verificarem os contratos que se encontram na plataforma da DGAE? Custava muito verificarem junto das escolas a razão de colegas terem mais dias nas suas candidaturas, quando se tratava de recuperação de tempo de serviço por atestados médicos ou por ordem dos tribunais, entre outras? A DGAE tinha obrigação de verificar as diferentes situações mas preferiu excluir todos! O resultado foi a vinculação de professores menos graduados que sequer esperavam vincular. Agora, pergunto eu, não teria sido melhor corrigir os erros iniciais e, posteriormente, processarem-se as colocações corretamente? Os concursos prosseguiram, as colocações também, pois este Ministério da Educação queria que o ano letivo começasse atempadamente e sem desagrado dos professores por não terem tempo de organizarem as suas vidas. Um pequeno reparo, a DGAE, pela primeira vez, permitiu aos professores excluídos manifestarem preferências para a Contratação Inicial e Reservas de Recrutamento, fazendo mea culpa destas exclusões. E com tanta ultrapassagem e injustiça saíram as listas no dia 25 de agosto. Bravo!! Este ano a DGAE trabalhou bem!!
Como consequência de toda esta trapalhada, um grupo de professores excluídos obteve o deferimento, encontrando-se já no ativo, enquanto outros aguardam a execução dos seus recursos hierárquicos e, mais angustiante, a existência de colegas que ainda sequer obtiveram resposta ao mesmo. Conseguem imaginar as vidas suspensas e a incerteza no futuro por que todos nós passamos? Já pararam para pensar como o cidadão comum olha para nós? Sem culpa, com candidaturas corretas e excluídos porque certamente foi oportuno para alguém? Quem vai pagar a fatura destas colocações supranumerárias? O contribuinte e o contribuinte somos todos nós! 
A DGAE erra! A DGAE discrimina os professores com tratamento desigual! A DGAE brinca com a vida dos professores! A DGAE não respeita nem tem consideração para com os professores! A DGAE permanece intocável e impune com tantos erros que pratica repetidamente! Onde está a oposição? Qual o papel do Ministério da Educação neste contexto? Onde andam as nossas forças sindicais?
Assim é o nosso patrão!
Nós, professores excluídos, somos como as pedras da calçada... todos pisam e o tempo desgasta!


domingo, 30 de julho de 2017

O meu mundo entre muitos - II



Apesar de ser meu e só meu, o meu mundo não se fecha a ninguém, ou quase ninguém. Os seus portões fecham-se apenas a mundos com más energias, que me fazem sentir mal, apesar de consciência tranquila, ou que deturpam o que sou ou quem sou. Tento sempre resolver situações dúbias ou mal entendidos, através do diálogo, mas nem sempre o consigo pois não depende apenas de um dos lados. E existem lados bem obstinados! Nestas situações, o meu escorpião manifesta-se e afasto-me, seguindo o meu caminho. 
Nas últimas semanas, por razões profissionais, fechei o meu mundo - imbuí-me nele - sem me aperceber que o tornara impenetrável. Apesar de não ser um imperativo para a minha felicidade -  ter alunos, uma escola, fazer aquilo que mais gosto - sinto um vazio em mim que me faz sentir incompleta. Adoro ensinar e a exclusão injusta do concurso de professores perturbou-me imenso. Seguiram-se dias que me angustiaram e absorveram uma grande parte da minha energia. Entretanto, fui apercebendo-me que, para além de me fechar, perturbava também aqueles que me rodeiam - a minha família. Como me arrependo por tê-lo permitido! 
Este não é o meu mundo! Não sou uma nuvem cinzenta, apesar de ter passado por experiências que esbateram o meu arco-íris. Passar o tempo a lamentar-me e a dizer mal da vida é uma perda de energia. Cada experiência, boa ou má, pode transformar-se numa aprendizagem e, depois de a interiorizar, sigo em frente. No meu mundo todos os acontecimentos, apesar de aleatórios, têm um significado e complementam-se. 
Assim, regresso à escrita, às minhas reflexões, e reponho a ordem no caos. Questiono se não será apenas mais um meandro e o que me revelará depois de o percorrer, até porque, na minha vida, no meu mundo, nada parece ser ao acaso. 
Certo dia, compararam-me a uma caixinha de música... Foste tu, Bárbara! E tinhas razão. O meu mundo é algo misterioso - eu própria me surpreendo nele - e guarda tesouros que vou descobrindo a um compasso lento, marcado por uma melodia antiga, muito mais antiga do que algum dia pudera imaginar. E a bailarina sou eu - rodopio ao ritmo dessa melodia que me faz sonhar.
Este é o meu mundo,... uma pequena caixinha de música que lentamente se irá revelar.


sábado, 29 de julho de 2017

O meu mundo entre muitos


Tenho um mundo muito próprio, muito meu. Tal não significa que outros vejam vedada a sua entrada no meu mundo ou, sequer, que o mantenha em segredo. Sou transparente. Não consigo esconder as minhas emoções - os meus olhos traem-me! - e não sou egoísta, gosto de partilhar experiências, emoções e desilusões. Sou como sou e assumo-me como tal. 
Longe da perfeição - até porque não procuro alcançá-la - tenho, como todos, o meu lado bom e o lado mau. Dizem que tenho mau feitio. Dizem que sou teimosa. Dizem que não quebro. Não nego pois não sou santa. Dependendo das situações, posso transformar-me e surpreender quem me provocou. Mas não seremos todos um pouco de tudo?
Se me focar apenas no meu mundo terei uma determinada perspectiva da minha vida, perspectiva essa que será diferente daquela de quem observa o meu mundo por fora. Todos nós temos mundos diferentes mas não necessariamente isolados dos vizinhos. Apesar do meu mundo ser próprio, pode interferir com o dos outros e, dependendo das minhas vivências, poderá repelir ou atrair outros. Mas onde pretendo chegar com tal conversa? 
Simples. Se tentarmos entender o que se passa com o outro, no seu mundo, talvez consigamos entender aqueles defeitos e encontrar qualidades através dos mesmos. Há algum tempo, conheci alguém que passava a vida a lamentar-se. Se tivesse de esboçar uma caricatura, certamente representaria uma nuvem bem negra e com raios a serem desferidos em todas as direções. Uma visão nada agradável. Como consequência, afastava quem a rodeava e aqueles que a procuravam. 
Na altura não percebia a razão de tanta negatividade. Procurei, então, conhecê-la. Não foi fácil - demorou o seu tempo -  mas quando consegui entrar no seu mundo e ter a noção do que se passava, compreendi. Foi um passo importante pois não me conseguiu repelir e tornámo-nos amigas. Senti-me muito bem, na altura, pois fi-la sorrir novamente e aliviei a nuvem escura que pairava sobre ela. Talvez continue a manifestar essa nuvem negra aos que ainda não se esforçaram para entendê-la... Mas, para mim, a nuvem transformou-se num arco-íris. 
Questiono, então, quantos arco-íris poderiam ser espalhados por todos e tantos mundos se nos déssemos ao trabalho de os procurar, se nos concentrássemos menos nas nossas vidas e procurássemos entender melhor as dos outros.

domingo, 23 de julho de 2017

Parabéns, meu amor maior!



Mais um ano, meu amor! Onze anos intensamente vividos, recheados de batalhas vencidas e com muitas histórias para contar. És um privilegiado por possuir tamanha riqueza em experiências e vitórias. És o meu mais do que tudo, o meu maior tesouro e mestre de vida. 
Os ensinamentos que nós, teus pais, te temos transmitido, começam a florir. Estás a crescer com valores que herdámos e, com carinho, te legamos. Nem sempre é fácil caminharmos e trilharmos por desfiladeiros sinuosos e encontrar o nosso ritmo, sobretudo quando difere da maioria, mas és capaz! Contigo aprendemos que o impossível não existe sendo apenas o exagero para o difícil. Contigo aprendemos a valorizar a simplicidade da vida, os afetos e as possibilidades do que ainda está por vir.
Quero-te tanto e não tenho palavras para descrevê-lo. Pudesse dar-te a Lua! Pudesse dar-te o Sol! Como não posso, dou-te o meu ser! Um amor profundo e tranquilo. Um amor confiante, apesar de sempre alerta. Um amor que me aperta o peito e dói pois é este sentimento que me dá vida.
Estás a crescer. Estás a aprender a viver. Já aprendeste tanto e tanto ainda por aprender! Meu rico filho, desejo-te o mundo... aquele mundo justo, solidário e com valores. Se não o encontrares logo, não desarmes! Ele existe. Fecha os olhos, lembra-te de nós e sorri. Ei-lo! E não te esqueças de lutar pelo que acreditas, luta e vencerás. Mas não será já, um pouco de tudo isto, a tua vida? 
Sê feliz, meu amor maior! Amo-te daqui até à Lua!

terça-feira, 4 de julho de 2017

A ordem e o caos


Nunca gostei muito de filosofia. Achava estranho e despropositado fazer uma determinada afirmação e questioná-la ou contrariá-la logo de seguida. Quando jovem, não entendia a razão de filosofar, não entendia o porquê de questionar algo que nos era dado como certo. Para quê complicar aquilo que é tão simples?
A vida é simples mas os meandros, que percorremos ao longo da nossa escala temporal, são muitas vezes armadilhas, obstáculos que testam a nossa resistência e sanidade mental. Há algum tempo, em conversa com uma prima afastada e afilhada da minha avó, ouvia uma grande verdade - Todos carregamos uma cruz. O segredo está no modo como o fazemos: se a tornamos mais leve ou mais pesada! 
Gosto de questionar a vida, a razão de cá estarmos e o sentido e propósito da mesma. Para quem julgava tudo muito simples, iniciou-se um processo complexo de montagem de um puzzle, formado por peças afastadas cronologicamente mas complementares e repletas de significado. O desafio torna-se claro - decifrar a mensagem daquilo que cruza o meu caminho.
Sou professora e aprendo muito mais com os meus alunos do que eles aprendem comigo. Porquê? A resposta é muito simples... eles transmitem-me vivências diversas, únicas, e eu assimilo-as, retirando de cada uma delas diferentes aprendizagens. Todos os anos enriqueço em experiência e conteúdo. Posso envelhecer fisicamente mas rejuvenesço psicologicamente, mantendo uma mentalidade aberta perante a sociedade que me rodeia.
Desengane-se aquele que julga viver acima ou à parte dos outros. Não somos indivíduos capazes de viver isolados, pelo contrário, cada um de nós é um sistema aberto que interage com tudo aquilo que o rodeia. Queiramos, ou não, os nossos caminhos cruzar-se-ão, um dia, por qualquer razão. E o grande segredo, para mim, está na descoberta do papel que cada um desempenha ao cruzar o seu caminho com o meu. Num autêntico rendilhado constituído por bifurcações, cruzamentos e caminhos com sentido único, partilho experiências - umas mais intensas do que outras - mas todas com o seu significado. Existem pessoas que me fazem manter o rumo certo, outras, por existirem, lembram-me constantemente quem sou, e existem as que me despertam, abrindo-me os olhos para o meu sentido nesta vida. Outras, desempenham papéis secundários, quase como simples figurantes, mas que preenchem os espaços vazios no meu caminho, colorindo-os. E neste enorme novelo, completamente entrançado, aquilo que parece caótico tem a sua ordem. E assim, sigo o meu caminho, sem saber ao certo para onde vou mas com a certeza de que, um dia, lá chegarei. 

sábado, 1 de julho de 2017

Ouro sobre azul



Ontem foi dia de entrega das avaliações na escola frequentada pelos meus filhos. Representa apenas a formalização de algo que foi desenvolvido no decorrer do ano letivo e, por isso, não representava qualquer surpresa para mim. As surpresas foram-se sucedendo logo desde o início e todas elas foram boas. 
A mudança do Diogo para uma turma de terceiro ano, com uma professora nova, seria um desafio. O outro seria a entrada da Laura para o primeiro ano e a partilha do espaço escola pelos dois irmãos. Preparei os meus filhos, durante as férias, para a mudança que iria acontecer nas suas vidas.  O Diogo negara-se perentoriamente a mudar de turma e a Laura era muito rebelde e ativa, o que me criava um certo receio quanto ao seu comportamento em sala de aula. Como nós, pais e adultos, temos a tendência para complicar!... Os meus receios foram em vão. 
O Diogo sentiu-se feliz na escola, pela primeira vez, pois desenvolveu todas as atividades na sala com os seus colegas - passou a ser um deles - era igual entre os seus pares e sentiu-se verdadeiramente integrado. Esta felicidade impulsionou a sua vontade de melhorar e motivou-o face às aprendizagens. A minha Laurinha revelou que, a par da sua rebeldia e teimosia, existia uma criança muito autónoma, perspicaz e responsável, curiosa e sedenta por aprender mais. Não poderia esperar melhores resultados, de ambos, pois sei que deram o seu melhor. 
O que transmito aos meus filhos é o gosto por aprender, não desistirem perante as dificuldades e serem felizes na escola - a mãe não fica triste se não tiverem boa nota, desde que tenham dado o vosso melhor. Se o vosso melhor não corresponder ao que fizeram, não desistam e tentem melhorar para a próxima. - Se os meus filhos gostarem de ir para a escola para aprender, se os meus filhos forem felizes na escola, na sala de aula, não apenas no recreio, dar-me-ei por feliz, muito feliz!
Desejo que adquiram boas bases no primeiro ciclo mas, acima de tudo, que aprendam a ser felizes pelos seus próprios meios. A transição do infantário para o primeiro ciclo é, na minha opinião, a mais difícil. A carga letiva a que são sujeitos é um atentado à sua condição de crianças. A quantidade de conteúdos e de objetivos a alcançar é um desafio para os professores e um pesadelo para o comum mortal, imaginem o que será para eles... e como ficam os meus filhos entre tudo isto? Felizes! Gostam da escola, gostam de aprender e sabem como lidar com as dificuldades. Não lhes exijo notas. Não sentem, sobre os ombros, o peso das fichas de avaliação pois é um momento como qualquer outro, em que têm que dar o melhor de si. Também, nas relações com os outros, temos que dar o nosso melhor, respeitando-os, aceitando-os como são e querendo o seu bem, sem nunca perdermos a nossa identidade e valores. Ensino-os a saber estar, a saber conviver e a aceitar as diferenças. 
O que mais poderei desejar se, durante o primeiro ciclo, conseguirem adquirir bases para o futuro e, acima de tudo, alicerçarem competências emocionais que lhes permita construírem o seu eu consciente, solidário e crítico? Será ouro sobre azul! 
Sejam felizes...

terça-feira, 25 de abril de 2017

Mistérios da vida



Na minha juventude, numa fase de escolhas que determinariam o meu futuro, concorri à universidade e as minhas opções foram os cursos de geologia, enfermagem e psicologia. Apesar de serem cursos muito diferentes, aparentemente, tinham algo em comum - o contacto com pessoas. 
Sou professora e, como costumo dizer - gosto de deixar a minha marca - mas também sou marcada pela pluralidade de histórias dos meus alunos e enriqueço como profissional e como pessoa. O que lhes transmito? Acredito que são melhores do que se julgam, que são capazes e devem seguir os seus sonhos, apesar de serem constantemente apontados como inúteis pela sociedade. Como poderemos construir um futuro se não potenciarmos as suas principais personagens? Como poderemos ansiar por cidadãos proativos e altruístas se os rotulamos de inertes e parasitas? Lutarei, lutarei enquanto me for permitido, contra esta corrente que teima esboçar um futuro decadente para as nossas crianças e jovens. 
Questionar-se-ão sobre a importância de tal devaneio e respondo - é este o propósito da minha vida: ajudar os outros a encontrarem o seu caminho - simples.
Como qualquer mortal, idealizei uma vida simples, sem grande turbulência. Casei-me e constitui a minha família. Fui abençoada com o Diogo e a Laura, duas crianças que me enchem a alma e que acredito terem sido enviadas com uma intenção. Sim e não: sim, acredito que me foram enviadas e não, não sou maluca. É neste momento que a minha vida se livra de todas as amarras e ganha novo significado. 
Descobri que estava grávida do meu filho através de um recado que teve a minha avó Aida como intermediária. Um sonho em que estivera com todos aqueles que já não se encontravam entre nós, com excepção da minha tia Teresa. No entanto, deixara-lhe a mensagem que estaria a preparar a menina para a Ticha e que seria muito parecida com o pai. Compreendi a mensagem, fiz o teste e já estava grávida. Nasceu o Diogo. Pensei, na altura, que tinha sido coincidência... 
Passados três anos, engravido novamente. O pesadelo, vivido com a epilepsia refractária do Diogo, acalmara e pensávamos dar-lhe um irmão. Recordo-me do esquecimento da toma da pílula e de pensar - se não acontecer, é porque não é a hora, e se engravidar, terei uma menina. Soube, desde logo, que assim seria e assim foi - nasceu a Laura - carinha do pai!
Questiono-me constantemente sobre a vida... a minha e a que me rodeia. Se em tempos julguei que o meu destino estava traçado - algo me estava predestinado - hoje atrevo-me a dizer que sinto-o com mais convicção. A vida é um mistério que aguça a minha curiosidade e faz com que transcenda os limites da simples existência material, questionando-me se tudo se limita a este plano físico em que nos encontramos. Sim, por vezes, penso que alucino e formulo teorias, muito pessoais, baseadas apenas na minha vivência. Mas como refutar aquilo que sinto tão intensamente e é colocado no meu caminho?



segunda-feira, 10 de abril de 2017

Doces sensações



O que fazer quando sentimos uma vontade imensa de abraçar o mundo? Pode parecer estranho mas sinto-o todos os dias.
Por vezes, vou até ao meu jardim, sento-me no terraço e fecho os olhos. Estou só, comigo e com a natureza, em comunhão com este sentimento que me enche o ser. Mergulho em mim...
O som da minha respiração embala-me e sinto o bater tranquilo do meu coração. Percorro o meu corpo pelos vasos sanguíneos, sinto a atividade das minhas células e os choques elétricos faiscantes entre os meus neurónios. Depois de muitos loopings, no interior desta matéria que faz de mim quem sou, ligo-me à terra, criando raízes imaginárias mas profundas na minha mente, e somos uma só. Enche-se-me o peito! Sinto-me a vibrar, sinto-me elevar, sinto-me feliz.
Ainda de olhos fechados, visualizo o azul do céu e a luz radiante do sol. Sinto o vento, oiço o movimento de águas cristalinas e o som da natureza que me envolve. Neste momento, deixo de ser eu - esse ser finito na plenitude de um universo imenso - deixo o meu lugar e abro asas para voar.
Sobrevoo lugares longínquos, desconhecidos. Voo por montes e vales, atravesso desfiladeiros e oceanos inteiros e, finalmente, vislumbro a Terra - esse planeta maravilhoso que me serve de habitat. 
Encontro-me entre as estrelas, esses pontos luminosos e cintilantes que observo no pano negro que cobre a noite. E, assim, liberto-me desta prisão que é o tempo e das amarras que a sociedade me impõe. Sou livre! Sou capaz!
Posso escrever a minha história e dar o desfecho que desejo a cada um dos seus capítulos. Acredito em dois mundos - duas realidades - desfasadas no tempo mas em sincronia. Acredito que tudo se resume a energia. Acredito que somos mais do que este corpo materializado e que temos poder sobre o mesmo. Acredito que querer é poder!
Reconheço as minhas raízes e valorizo-as. A minha vida faz parte de uma história maior - um cruzamento de vários caminhos percorridos por muitas e diferentes personagens - mas a minha história é o meu maior valor, o que de mais precioso possuo, apesar de não ser apenas minha.
A minha história tem sido escrita entre sorrisos e lágrimas, com muitos sonhos à mistura. O seu valor é relativo, dirão, mas é o meu maior tesouro. Sofri desilusões, fases em que a escuridão pareceu instalar-se. Passei por tempestades que quase me arrebataram as forças para viver mas continuo aqui, firme como um rochedo. A cada desnorte, um novo rumo, um novo significado. Por isso, digo - o que não me derrubou, tornou-me mais forte! - e olho em frente, de cabeça erguida, com a determinação de que encontrei o meu sentido de vida!

quarta-feira, 8 de março de 2017

A descoberta em mim


Frequentemente, recorro à introspeção, sobretudo quando necessito de consolidar aprendizagens, reforçar os meus alicerces e descobrir um pouco mais sobre mim. Ao longo dos últimos anos, tendo passado por experiências que me desafiaram sempre a ultrapassar limites que julgava meus, descobri que estes não existem, o inatingível é um exagero e o impossível deixou de ser usado no meu vocabulário. Voltei-me, então, mais para mim. Apesar de ter a noção de quem sou, questiono-me, cada vez mais, para onde vou. 
Tenho pensado muito e devo reconhecer que, afinal, não me conheço tão bem quanto julgava. Tenho passado por um período de ebulição intrínseca. 
- Se pudesses resumir a tua vida num desenho, o que farias? - perguntou-me a Bárbara há alguns dias. E eu respondi, prontamente - Um ponto de interrogação!
A Bárbara é minha amiga de infância, de adolescência, do coração, da vida. Partilhámos, no passado, experiências que recordamos sempre que nos reencontramos: verdadeiras histórias de investigação criminal, desde contrabando imaginário a casas abandonadas e assombradas, na Granja,... incursões pseudocientíficas aos pântanos que ladearam, em tempos, a escola que frequentávamos,... transladação de rãs entre pântanos vizinhos,... mergulhos e patinagem nos seus lamaçais,... viagens hilariantes, à boleia, para Guimarães, cidade nossa vizinha, onde aumentávamos o nosso conhecimento em matemática e química. Enfim, éramos jovens e tínhamos o mundo pela frente. Quis o destino que nos separássemos mas, como a Bárbara diria - "Podes tirar a gaja de Fafe, mas não tiras Fafe da gaja!"
Existem amizades que são para sempre, mesmo quando não falamos ou não nos vemos durante meses, muitas vezes, anos. A amizade da Bárbara é uma amizade assim. Apesar de distante, mantém-se sempre presente e, ultimamente, mais do que presente - em completa sintonia. A nossa amizade inspirou-me a aprofundar a introspeção para um nível diferente e, apesar de sabê-lo, não o reconhecia - a minha autoestima estava, aliás, está muito baixa. 
Passei os últimos anos completamente focada no meu filho e na sua epilepsia. As suas necessidades, as suas dificuldades e os obstáculos com que se deparava, tornaram-se o meu principal foco e canalizei todas as minhas energias para a sua orientação e superação. Esqueci-me de MIM! Deixei de cuidar de MIM! Esqueci que sou MULHER! Esqueci que sou BONITA! Não acontece apenas comigo. Na realidade, acontece com muitas mulheres e mães como eu... um quase total esquecimento do nosso eu e, subitamente, convertemo-nos em fantasmas - verdadeiras assombrações - que deambulam entre aqueles sonhos suspensos que o tempo decidiu não deixar concretizar.
Não posso continuar assim,... não quero continuar a ser uma mera assombração do meu eu! E o meu click aconteceu! Lentamente, passo a passo, recupero a minha identidade e tenho uma certeza - quero mais, muito mais desta vida!

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

O preço da negação





De que serve ter o mapa
 se o fim está traçado?
De que serve a terra à vista
 se o barco está parado?
De que serve ter a chave
 se a porta está aberta?
Para que servem as palavras
 se a casa está deserta?

Pedro Abrunhosa

Ao ler estes versos relembro sentimentos passados que quase me conduziram à loucura. Estive na berma do abismo. Revoltei-me com Deus e com a vida. Dei murros na parede e gritei alto, bem alto, e totalmente enraivecida - "porquê o meu filho? Porquê? 
Procurava respostas e não as encontrava. Chorava e desesperava em vão, pois cada lágrima vertida era um desperdício de energia que deveria ser canalizada noutro sentido - o meu filho!
Conheci muitas mães, tão desesperadas quanto eu, e aprendi com o seu sofrimento e os seus erros. Prometi que não seguiria os caminhos que haviam escolhido para elas. Presenciei a negação de um filho - o seu enclausuramento - por vergonha, por incapacidade de aceitar. Presenciei, mães como eu, a negarem-se aos seus filhos... e, pior, a negarem-lhes o seu futuro, tudo em nome de uma sociedade distorcida e, profundamente, egoísta e elitista.  
Abriram-me os olhos! Permitiram-me ver o que desejava para o Diogo e aquilo que jamais lhe ofereceria! Fui ao inferno mas voltei! Voltei decidida a inverter a minha realidade e a lutar por um lugar ao sol para o meu Diogo.
- Este menino está proibido de regredir! Estimulem-no!" - palavras ditas pela Dr.ª Manuela, neuropediatra do nosso rapaz. Para nós foram Lei! Somos fruto do meio que nos envolve e, se não houver estímulos, pereceremos com a sua ausência - aquilo que não se estimula, definha e atrofia.
Desde então, tomei decisões muito difíceis, não imaginam quão dolorosas e penosas... mas o meu filho continua entre nós. Tentei sempre andar um passo à frente, sempre com alternativas em aberto. Nunca fui derrotista e seguimos o nosso caminho.
A aceitação é uma ferida que permanece aberta, nunca cicatriza verdadeiramente. Pequenos gestos, palavras subjetivas, certos olhares, pequenas atitudes, podem e abrem a ferida de tempos a tempos. A aceitação não é definitiva ou permanente. É um caminho que se vai percorrendo, entre montes e vales, como uma montanha russa. Existem períodos calmos e logo se instalam períodos de tristeza e, novamente, revolta. Mas as tempestades não se instalam nas nossas vidas para sempre!
Sou mãe... apenas a mãe que deseja o melhor para as suas crias. E, sendo assim, que outro caminho percorreria senão aquele que permitirá ao meu filho ser feliz?
Se me lês e és mãe, como eu, permite-te dar uma segunda vida ao teu filho. Descobrirás um diamante!















segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Memórias de um tempo que não vivi


A epilepsia entrou de rompante nas nossas vidas, tinha o Diogo apenas 21 meses. Fez-se de convidada e, apesar de indesejada, instalou-se e, com ela, o caos. São anos de batalhas vencidas e de obstáculos ultrapassados, apesar desta malfadada continuar entre nós e para sempre.
Recordo-me de tudo e de todos os pormenores, datas, horas, acontecimentos, palavras ditas e outras que ficaram por dizer. Parece que vivo desde esse dia, apenas estes anos encontram-se gravados a fogo na minha consciência. 
Do passado pouco me lembro, apenas vagamente, com excepção de tudo o que me permitiu formar como pessoa. Tenho saudades de todos os que já partiram e guardo comigo todos os seus ensinamentos. Tenho saudades da minha meninice, recheada de malandrice e brincadeiras. Tenho saudades da minha adolescência, rebelde e sedenta pelo futuro. Tenho saudades de um futuro que não vivi e que tinha pintado, com carinho, e guardado no meu sótão, onde permanece trancado a sete chaves.
A epilepsia refractária do meu filho não me permitiu mostrar-lhe esse futuro - brindou-me com algo diferente - mas trocá-los-ia? Esta questão surgiu-me há uns anos, antes da primeira cirurgia de epilepsia do Diogo. Pensei, na altura, como seria o meu filho sem a sua companheira... e não consegui uma resposta.
Agora vivo um futuro que não foi planeado por mim. Vivo um presente em que sou feliz, verdadeiramente feliz, mesmo com a companheira do meu Diogo. Mudaria os nossos destinos se me fosse permitido? Não! Acredito que somos um acumular de experiências, são as nossas vivências que fazem de nós quem somos. Apesar de o caminho percorrido ter sido tortuoso, não o trocaria por outros caminhos. Fui brindada com um filho que não trocaria por nada neste mundo. Foi, e continua a ser, o meu mestre nesta vida. Fez de mim uma pessoa melhor e, com ele, aprendi que a nossa maior riqueza é o mundo dos afetos, a simplicidade da vida, as palavras que têm de ser ditas e os sonhos - para além de esboçados - esculpidos, com suor, de modo a serem realizados.
De que serve sermos presenteados com a vida se nada fazemos para vivê-la? Nada nos cai do céu e, se nada fizermos, teremos desperdiçado o tempo de uma vida. Se a vida quer luta, lutemos! 
Hoje é o dia da companheira do meu filho - o dia Mundial da Epilepsia - e a mãe ama-te daqui até à Lua! Por que não volto, meu amor? Porque a Lua é misteriosa e bela como o amor que sinto por ti! Porque ocupa um lugar no infinito e porque reflete a luz de uma estrela - o Sol. E é essa luz que ilumina a minha vida, tal como tu!
       

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Mãe, estou farto de ser especial!


Certo dia, há algum tempo, não muito, o Diogo perguntou-me - "Mãe, por que dizem que sou especial?" - e eu hesitei. Num curto espaço de tempo, que para mim pareceu uma eternidade, questionei a razão de tal questão, o contexto em que estaria inserida e o mal estar que estaria a provocar ao meu filho. Num ápice, e com os neurónios a fervilhar, revi o significado do vocábulo e as suas diferentes aplicações, procurei exemplos concretos para elucidar a dúvida daquele que me questionava, quase com um tom recriminatório, e, sem me atrever a errar, fiz o que os adultos são peritos em fazer - respondi com outra questão - "Por que perguntas isso, Diogo?"
A minha questão tinha como único objetivo ganhar tempo, apalpar terreno, pois o significado subjacente à dúvida do rapaz não me parecia de todo agradável. Então, relembrei o meu filho da sua epilepsia, das duas cirurgias a que tinha sido submetido, dos cuidados que eram necessários e das dificuldades que tinha de superar... Como me arrependo de ter dito semelhantes disparates!
Qual a necessidade de relembrar aquilo que o Diogo está farto de saber? Soou-me a massacre e se pudesse voltar atrás no tempo, por uns míseros segundos, a resposta seria diferente. Então, por que razão me senti reticente em responder? Por que razão surgiu esta inesperada hesitação? A realidade é só uma: a palavra especial tem distintas conotações e uma delas vem atrelada ao preconceito - conceito ao qual desencadeio uma séria reação alérgica! 
Sinceridade, acima de tudo: quando ouvimos dizer "esta criança é especial", o primeiro pensamento remete-nos para a ideia de ser diferente das restantes crianças e esta diferença implica dificuldades, a existência de um handicap.
Por mera curiosidade, há algum tempo, deparei com a história deste termo, cuja origem remonta à Inglaterra do século XVIII. Consistia num jogo de azar - Hand in cap - e passaria a denominar a falta de vantagem que dificulta o êxito ou vitória. Já no século XIX, o mesmo vocábulo passou a denominar qualquer dificuldade ou deficiência que prejudique uma pessoa na sua vida normal. Os franceses importaram o vocábulo, exatamente com o mesmo sentido de desvantagem, inata ou adquirida, que coloca uma pessoa em inferioridade e, no Português, o vocábulo foi introduzido com o mesmo sentido - de desvantagem. Contudo, sofreu um efeito de reversão e passou a significar o contrário: vantagem. 
Tal como handicap pode ter diferentes conotações, o mesmo sucede com a palavra especial, tudo depende da contextualização da sua aplicação. Na situação que levou à questão inicial feita pelo Diogo, e não duvido da boa intenção subjacente de quem a usou, a palavra especial funcionou como castradora pois impossibilitou-o de participar num jogo com os amigos e provocou um mau estar às duas personagens que iniciaram a presente história.
No fundo, senti que falhei comigo e, principalmente, com o meu filho, neste processo de combate ao preconceito. Senti-me culpada por acentuar a percepção da diferença, inerente ao conceito de especial, atribuindo-lhe um significado pejorativo. E o meu filho é tudo, menos tudo isso. Pela luta constante e pela ultrapassagem das suas dificuldades é especial para quem conhece a sua história.
A verdade, meu amor, é que ensinaste-me a amar intensamente a imperfeição, vista aos olhos de alguns, mas o mais que perfeito que és na minha vida. Ensinaste-me que não tenho limites e que os sonhos são poderosos. Ensinaste-me que o impossível não existe, significa apenas o exagero daquilo que pensamos não conseguir atingir. 
Por tudo isto - e muito mais! - tens todo o direito de dizer - "Mãe, estou farto de ser especial!