segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Mãe, estou farto de ser especial!


Certo dia, há algum tempo, não muito, o Diogo perguntou-me - "Mãe, por que dizem que sou especial?" - e eu hesitei. Num curto espaço de tempo, que para mim pareceu uma eternidade, questionei a razão de tal questão, o contexto em que estaria inserida e o mal estar que estaria a provocar ao meu filho. Num ápice, e com os neurónios a fervilhar, revi o significado do vocábulo e as suas diferentes aplicações, procurei exemplos concretos para elucidar a dúvida daquele que me questionava, quase com um tom recriminatório, e, sem me atrever a errar, fiz o que os adultos são peritos em fazer - respondi com outra questão - "Por que perguntas isso, Diogo?"
A minha questão tinha como único objetivo ganhar tempo, apalpar terreno, pois o significado subjacente à dúvida do rapaz não me parecia de todo agradável. Então, relembrei o meu filho da sua epilepsia, das duas cirurgias a que tinha sido submetido, dos cuidados que eram necessários e das dificuldades que tinha de superar... Como me arrependo de ter dito semelhantes disparates!
Qual a necessidade de relembrar aquilo que o Diogo está farto de saber? Soou-me a massacre e se pudesse voltar atrás no tempo, por uns míseros segundos, a resposta seria diferente. Então, por que razão me senti reticente em responder? Por que razão surgiu esta inesperada hesitação? A realidade é só uma: a palavra especial tem distintas conotações e uma delas vem atrelada ao preconceito - conceito ao qual desencadeio uma séria reação alérgica! 
Sinceridade, acima de tudo: quando ouvimos dizer "esta criança é especial", o primeiro pensamento remete-nos para a ideia de ser diferente das restantes crianças e esta diferença implica dificuldades, a existência de um handicap.
Por mera curiosidade, há algum tempo, deparei com a história deste termo, cuja origem remonta à Inglaterra do século XVIII. Consistia num jogo de azar - Hand in cap - e passaria a denominar a falta de vantagem que dificulta o êxito ou vitória. Já no século XIX, o mesmo vocábulo passou a denominar qualquer dificuldade ou deficiência que prejudique uma pessoa na sua vida normal. Os franceses importaram o vocábulo, exatamente com o mesmo sentido de desvantagem, inata ou adquirida, que coloca uma pessoa em inferioridade e, no Português, o vocábulo foi introduzido com o mesmo sentido - de desvantagem. Contudo, sofreu um efeito de reversão e passou a significar o contrário: vantagem. 
Tal como handicap pode ter diferentes conotações, o mesmo sucede com a palavra especial, tudo depende da contextualização da sua aplicação. Na situação que levou à questão inicial feita pelo Diogo, e não duvido da boa intenção subjacente de quem a usou, a palavra especial funcionou como castradora pois impossibilitou-o de participar num jogo com os amigos e provocou um mau estar às duas personagens que iniciaram a presente história.
No fundo, senti que falhei comigo e, principalmente, com o meu filho, neste processo de combate ao preconceito. Senti-me culpada por acentuar a percepção da diferença, inerente ao conceito de especial, atribuindo-lhe um significado pejorativo. E o meu filho é tudo, menos tudo isso. Pela luta constante e pela ultrapassagem das suas dificuldades é especial para quem conhece a sua história.
A verdade, meu amor, é que ensinaste-me a amar intensamente a imperfeição, vista aos olhos de alguns, mas o mais que perfeito que és na minha vida. Ensinaste-me que não tenho limites e que os sonhos são poderosos. Ensinaste-me que o impossível não existe, significa apenas o exagero daquilo que pensamos não conseguir atingir. 
Por tudo isto - e muito mais! - tens todo o direito de dizer - "Mãe, estou farto de ser especial!