terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

O preço da negação





De que serve ter o mapa
 se o fim está traçado?
De que serve a terra à vista
 se o barco está parado?
De que serve ter a chave
 se a porta está aberta?
Para que servem as palavras
 se a casa está deserta?

Pedro Abrunhosa

Ao ler estes versos relembro sentimentos passados que quase me conduziram à loucura. Estive na berma do abismo. Revoltei-me com Deus e com a vida. Dei murros na parede e gritei alto, bem alto, e totalmente enraivecida - "porquê o meu filho? Porquê? 
Procurava respostas e não as encontrava. Chorava e desesperava em vão, pois cada lágrima vertida era um desperdício de energia que deveria ser canalizada noutro sentido - o meu filho!
Conheci muitas mães, tão desesperadas quanto eu, e aprendi com o seu sofrimento e os seus erros. Prometi que não seguiria os caminhos que haviam escolhido para elas. Presenciei a negação de um filho - o seu enclausuramento - por vergonha, por incapacidade de aceitar. Presenciei, mães como eu, a negarem-se aos seus filhos... e, pior, a negarem-lhes o seu futuro, tudo em nome de uma sociedade distorcida e, profundamente, egoísta e elitista.  
Abriram-me os olhos! Permitiram-me ver o que desejava para o Diogo e aquilo que jamais lhe ofereceria! Fui ao inferno mas voltei! Voltei decidida a inverter a minha realidade e a lutar por um lugar ao sol para o meu Diogo.
- Este menino está proibido de regredir! Estimulem-no!" - palavras ditas pela Dr.ª Manuela, neuropediatra do nosso rapaz. Para nós foram Lei! Somos fruto do meio que nos envolve e, se não houver estímulos, pereceremos com a sua ausência - aquilo que não se estimula, definha e atrofia.
Desde então, tomei decisões muito difíceis, não imaginam quão dolorosas e penosas... mas o meu filho continua entre nós. Tentei sempre andar um passo à frente, sempre com alternativas em aberto. Nunca fui derrotista e seguimos o nosso caminho.
A aceitação é uma ferida que permanece aberta, nunca cicatriza verdadeiramente. Pequenos gestos, palavras subjetivas, certos olhares, pequenas atitudes, podem e abrem a ferida de tempos a tempos. A aceitação não é definitiva ou permanente. É um caminho que se vai percorrendo, entre montes e vales, como uma montanha russa. Existem períodos calmos e logo se instalam períodos de tristeza e, novamente, revolta. Mas as tempestades não se instalam nas nossas vidas para sempre!
Sou mãe... apenas a mãe que deseja o melhor para as suas crias. E, sendo assim, que outro caminho percorreria senão aquele que permitirá ao meu filho ser feliz?
Se me lês e és mãe, como eu, permite-te dar uma segunda vida ao teu filho. Descobrirás um diamante!















segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Memórias de um tempo que não vivi


A epilepsia entrou de rompante nas nossas vidas, tinha o Diogo apenas 21 meses. Fez-se de convidada e, apesar de indesejada, instalou-se e, com ela, o caos. São anos de batalhas vencidas e de obstáculos ultrapassados, apesar desta malfadada continuar entre nós e para sempre.
Recordo-me de tudo e de todos os pormenores, datas, horas, acontecimentos, palavras ditas e outras que ficaram por dizer. Parece que vivo desde esse dia, apenas estes anos encontram-se gravados a fogo na minha consciência. 
Do passado pouco me lembro, apenas vagamente, com excepção de tudo o que me permitiu formar como pessoa. Tenho saudades de todos os que já partiram e guardo comigo todos os seus ensinamentos. Tenho saudades da minha meninice, recheada de malandrice e brincadeiras. Tenho saudades da minha adolescência, rebelde e sedenta pelo futuro. Tenho saudades de um futuro que não vivi e que tinha pintado, com carinho, e guardado no meu sótão, onde permanece trancado a sete chaves.
A epilepsia refractária do meu filho não me permitiu mostrar-lhe esse futuro - brindou-me com algo diferente - mas trocá-los-ia? Esta questão surgiu-me há uns anos, antes da primeira cirurgia de epilepsia do Diogo. Pensei, na altura, como seria o meu filho sem a sua companheira... e não consegui uma resposta.
Agora vivo um futuro que não foi planeado por mim. Vivo um presente em que sou feliz, verdadeiramente feliz, mesmo com a companheira do meu Diogo. Mudaria os nossos destinos se me fosse permitido? Não! Acredito que somos um acumular de experiências, são as nossas vivências que fazem de nós quem somos. Apesar de o caminho percorrido ter sido tortuoso, não o trocaria por outros caminhos. Fui brindada com um filho que não trocaria por nada neste mundo. Foi, e continua a ser, o meu mestre nesta vida. Fez de mim uma pessoa melhor e, com ele, aprendi que a nossa maior riqueza é o mundo dos afetos, a simplicidade da vida, as palavras que têm de ser ditas e os sonhos - para além de esboçados - esculpidos, com suor, de modo a serem realizados.
De que serve sermos presenteados com a vida se nada fazemos para vivê-la? Nada nos cai do céu e, se nada fizermos, teremos desperdiçado o tempo de uma vida. Se a vida quer luta, lutemos! 
Hoje é o dia da companheira do meu filho - o dia Mundial da Epilepsia - e a mãe ama-te daqui até à Lua! Por que não volto, meu amor? Porque a Lua é misteriosa e bela como o amor que sinto por ti! Porque ocupa um lugar no infinito e porque reflete a luz de uma estrela - o Sol. E é essa luz que ilumina a minha vida, tal como tu!