sábado, 28 de abril de 2018

O despertar



Algures, num sarrabisco anterior, escrevia:
"Passei os últimos anos completamente focada no meu filho e na sua epilepsia. As suas necessidades, as suas dificuldades e os obstáculos com que se deparava, tornaram-se o meu principal foco e canalizei todas as minhas energias para a sua orientação e superação. Esqueci-me de MIM! (...) um quase total esquecimento do nosso eu e, subitamente, convertemo-nos em fantasmas - verdadeiras assombrações - que deambulam entre aqueles sonhos suspensos que o tempo decidiu não deixar concretizar. (...) Não posso continuar assim, ...não quero continuar a ser uma mera assombração do meu eu!"
A mudança iniciou-se perante situações adversas que me encurralaram e me fizeram questionar a vida. Foi assim comigo e é assim com todos. 
Certo dia, a Bárbara, o meu "despertador" - assim a apelido há cerca de um ano - perguntou-me o que faria se me dessem apenas vinte e quatro horas de vida... Sinceramente? Senti-me perdida. 
Foram diversas as imagens que invadiram o meu pensamento. Pensei nos meus filhos, nas memórias que guardariam da mãe, na família e nos amigos. Porém, não foram as personagens principais do enredo. Ousaria dizer que não me arrependo de nada ou de ter deixado algo por fazer na construção de memórias boas com todos eles. Passei então para primeiro plano, tornei-me na principal protagonista da minha história. Se deixasse este mundo, esta existência tão breve, qual seria o meu legado? Qual seria a minha marca, o testemunho da minha passagem por esta vida tão fugaz?
Uma pergunta tão simples... uma pergunta que me deixou completamente desnorteada, a mim que já andava sem rumo. Nesta altura, questionava o meu sentido e propósito de vida. Reunia peças de um puzzle, colecionadas ao longo de anos, que ia encaixando, numa tentativa de atribuir alguma ordem ao caos da minha vida. Fui sempre assim, sempre consegui obter respostas a partir de períodos conturbados. Aliás, as maiores descobertas em mim resultaram de períodos confusos e de profunda introspeção. Períodos em que me observo profundamente - mais do que microscopicamente - e embrenho-me nas profundezas do meu subconsciente.
Como descrever o meu subconsciente? Um amontoado de recordações, de aprendizagens que me permitiram evoluir. Um turbilhão de emoções e sentimentos. A minha imaginação pura e as raízes profundas das minhas crenças. Uma teia complexa que rege todos os meus comportamentos. Um lugar escondido que encontrei no recôndito da minha alma e me deixou completamente enfeitiçada. 
O entendimento do meu verdadeiro eu não foi imediato. A cada revelação seguem-se mais uma série de questões, a cada solução seguem-se novos obstáculos... uma introspeção longa e contínua que me tem conduzido por um mundo que conhecia, mas não entendia - EU! 
Sou o resultado de valores transmitidos pela minha família e que estimo em preservar. Sou a manifestação das minhas crenças e de raízes obstinadas que se edificaram profundamente. Sou um todo que se vai revelando lentamente. Reconheço o meu legado e sou a autora da minha história! Deixarei a minha marca... 

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Espelhos da alma



Quem me conhece bem diz que sou transparente. Não, os meus olhos são transparentes. Quem os olha verdadeiramente vislumbra os meus sentimentos, as minhas vontades, os meus sonhos e desejos mais profundos. Consegue navegar nas tempestades que os assolam e encontrar consolo no seu sorriso. Por vezes, são cataratas que jorram águas violentas e avassaladoras, num grito mudo. Outras vezes, são raios de um sol luminoso que ofuscam de tão intensos. São o brilho que a Lua reflete num pano negro infinito ou a neblina turva e distante que vagueia entre sonhos desvanecidos. São as portas para a minha alma, ora revigorada e imparável, ora saudosa e introspetiva.
Quem me conhece bem sabe que gosto de olhar nos olhos. Sou incapaz de manter um diálogo sem contacto visual. Procuro nos olhos dos outros as respostas às minhas interrogações. Procuro a sinceridade que tanto aprecio. Procuro a essência, o verdadeiro eu daquele que é ou será, um dia, meu amigo. Gosto de embrenhar-me no olhar dos outros, tentar descobrir as histórias que me contam e conquistar um sorriso cristalino e sincero, doce e colorido como um pirolito.
Para alguns sou desconcertante, para outros sou simplesmente EU! Sou assim... transparente. Quem me olhar nos olhos verá a minha alma, encontrará a fonte da minha inspiração - uma vontade gigante de sonhar e gritar aos sete ventos quão feliz sou eu!