segunda-feira, 7 de maio de 2018

As marcas da Lua


Quem observa a Lua, numa noite limpa, descobre as crateras marcadas na sua superfície pelo impacto de meteoritos. De diferentes dimensões, de diferentes tempos, mas todas visíveis aos olhares curiosos de cada um de nós. Todas as noites olhamos para a mesma face da Lua, aquela que acompanha em sincronia o movimento da Terra e reflete a luz da nossa estrela - o Sol. Sempre gostei de olhá-la, sempre me perdi ao olhá-la, a imaginar como seria a sua face oculta, as marcas que teria de tempos passados.
Tal como o nosso satélite, sou possuidora de marcas que o tempo não apaga. As maiores e mais profundas fazem hoje dez anos. Dez anos...
Foi há dez anos que senti com grande realismo a perda de um filho. Recordo-me, como se fosse hoje. O corpo do Diogo no meu colo, sem qualquer movimento. Os olhos esbugalhados, mas sem vida, sem qualquer tipo de reação à minha voz, ao meu toque no seu rosto. Lembro-me do meu desespero e das minhas súplicas - Meu Deus, não me tires o meu filho! Meu Deus, ajuda-me!
Numa questão de segundos - que se fizeram sentir como uma eternidade - perdi o meu filho e tive-o de volta. Despojada de força, com o coração num compasso brutalmente acelerado, um nó apertado na garganta e totalmente contraída, senti-me perdida e suspensa num pesadelo sem fim. Queria gritar mas as palavras eram mudas. O meu cérebro parecia explodir mas, em simultâneo, mantinha o discernimento claro e em alerta. Não sei como respirava, tal era o turbilhão de emoções que me assaltava e dilacerava o peito.
Esta é a minha maior cratera, aquela que o tempo teima em não apagar. Possuo também uma face oculta que poucos, como eu, conhecem. Sempre a trouxe comigo, mas apenas se manifestou com este impacto avassalador na minha vida. Vislumbro-a sempre que me questiono, sempre que me conheço um pouco melhor. A sua natureza é profunda como as minhas crateras e, se estas me magoaram, o meu lado desconhecido cativou-me e dotou-me de força para enfrentar os desafios e obstáculos, pelo meu filho, pelos meus filhos.
Criei, desde então, um mundo muito meu, no qual tudo é possível - um mundo de afetos - e todos os dias relembro os meus filhos do amor imenso que sinto por eles.
Senti na pele a vulnerabilidade do ser humano. No passado dava tudo como adquirido, era estupidamente feliz e não o sabia. O risco de perder o meu filho nunca se apagou e foi quando me apercebi que também eu morreria. Não imaginava, então, que renasceria naquele dia para o verdadeiro significado da vida. O meu rumo mudou...
Hoje sou grata por mais um ano, amanhã serei grata por mais um dia!