segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Esperança renovada



O que mais desejo na minha vida? Ser feliz!... 
Sou afortunada pela família linda que tenho e que me apoia incondicionalmente,... sou feliz porque tenho um companheiro e amigo ao meu lado - que atura o meu mau feitio - e não me deixa desmoronar nos piores momentos,... sou feliz porque tenho dois filhos lindos que são o sol da minha vida,... sou feliz pois possuo as mais ternas recordações daqueles que já partiram e comigo deixaram os seus mais preciosos valores sobre a família e a Vida,... sou feliz pois sou capaz de alcançar crianças e jovens com os quais partilho o meu bichinho pelas ciências e relembram-me todos os dias como gosto de ensinar,... sou feliz pois tenho amigos verdadeiros - do coração - que estão sempre presentes mesmo quando distantes... 
O que poderei pedir mais? Pedir um milagre para o meu filho se também esse já me foi concedido, apesar da minha cegueira e teimosia não me permitirem vislumbrá-lo?... Fiz as pazes com o meu Deus... fiz as pazes comigo. 
Estou serena mas consciente de que ainda tenho muitos embates dolorosos para enfrentar e, como não sou derrotista, seguirei o caminho que me permitir construir a felicidade dos meus filhos. Lutarei ao lado deles pelas suas conquistas, não conquistarei por eles - ensiná-los-ei a conquistar! Dar-lhes-ei segurança para poderem fazê-lo, não darei arrogância para se sobrestimarem pois a humildade é um dos mais preciosos valores que herdei dos meus avós e pretendo transmiti-lo aos meus filhos como se de um tesouro se tratasse. 

Nesta passagem de ano que se aproxima, renovo a minha esperança num mundo melhor...
Renovo energias para novas batalhas...
Renovo o meu acreditar num Deus misericordioso e que nunca me abandonou...
Renovo o meu amor pela minha família...
Renovo o meu coração que se encontrava despedaçado...
Renovo o desejo de concretizar os meus mais preciosos projetos - a felicidade dos meus filhos!

E a vós desejo toda a felicidade do mundo...




quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

A magia do Natal


O Natal é mágico!... A minha meninice foi muito feliz e a minha família transmitiu-me sempre os valores da família, da solidariedade e compaixão. Nunca foi uma quadra em que fomentaram o consumismo - o dar era generoso e significava partilhar, os embrulhos eram revestidos de amor e os laçarotes representavam os laços que nos uniam.
Recordo-me do Natal no palacete que nos acolheu quando chegámos de Angola, a terra que nos vira crescer. O pinheiro era adornado e colocado ao lado da lareira que crispava à medida que o fogo consumia a lenha e eu, pequena mas a mais velha dos netos, partilhava com meu irmão e os meus primos a ansiedade da chegada do Pai Natal. A família reunia-se, o som das conversas e o riso dos mais velhos enchia de calor aquela sala e nós - os pequenos - perguntávamos se aquela figura grande e barbuda ainda estaria muito longe da nossa casa.
Pouco faltava para a meia noite e o meu avô Armando levava-nos a dar uma volta pelas ruas de Fafe - "Talvez o encontremos pelo caminho..." - mas nunca nos cruzávamos com o barrigudo. Regressávamos ao palacete e os nossos corações pulavam de alegria - "O Pai Natal já passou!!" - gritávamos em uníssono. Chegara a altura de rasgar os embrulhos e descobrir as surpresas que escondiam. 
Depois crescemos mas a magia continua. Os papeis são protagonizados por outros, os nossos filhos, e o Pai Natal tem nome - Filipe, o meu marido. Ainda a minha prima Aida era pequena e o Pai Natal já era protagonizado pelo futuro membro desta família. Já não vivemos no palacete há muito tempo mas o sentimento de partilha, de estar em família e fazer as delícias dos pequenos permanece. Não estamos todos... o meu avô Armando, a minha avó Aida e a minha tia Teresa já não se encontram entre nós mas são sempre recordados, não só neste dia mas todos os dias das nossas vidas. A nostalgia apodera-se daqueles que com eles cresceram e a sua lembrança é transmitida aos mais pequenos. Relembram-se histórias, partilham-se momentos e damos risadas em sua memória. Fazem-nos tanta falta!
Depois da reunião à mesa, perto da meia noite, chega a hora do Filipe ir dar uma volta. Sobe e no quarto veste a personagem de Pai Natal... quando está pronto, dá um sinal e desce pelo elevador - sinal dos tempos modernos - dizendo bem alto "Oh, Oh, Oooh!". Instala-se o caos, miúdos e graúdos ficam eufóricos e esperamos ansiosamente a abertura da porta. "Chegou, chegou!" - gritam os meus filhos e o ritual repete-se. Não faço questão de quebrar o encanto da noite, quando descobrirem, descobriram. Esta tradição é mantida na nossa família desde sempre e pretendo que os meus filhos a vivam tão intensamente quanto eu vivi. 

Para todos vós que me acompanham e partilham a minha história, enriquecendo-a...
Para todos que cruzaram os seus caminhos com o meu e deixaram a sua marca...
Para todos que fazem parte do meu baú de doces recordações..
Para aqueles que me seguem, lado a lado, na caminhada pela busca da felicidade...

Um Santo Natal!


domingo, 20 de dezembro de 2015

A sequela é descoberta



Há dois anos, por esta altura, entrava em desespero. O Diogo tinha sido operado em setembro, pela segunda vez, e não tinha sofrido nenhuma das sequelas previstas - perda da visão do lado direito, da fala ou perda de mobilidade, apesar de reversível. As crises não cessaram mas manifestavam-se muito mais espaçadas no tempo, cerca de uma a duas crises por mês. Finalmente o meu filho tinha algum descanso e eu também. Mas este descanso era muito superficial e frágil. 
A descoberta da sequela sofrida foi feita no decorrer do primeiro período e confirmada no seu término. O Diogo perdera os pré requisitos da leitura: reconhecia as letras mas estava impossibilitado de juntar os sons, por outras palavras, perdera a consciência fonológica.
Esta notícia foi confirmada pela professora do meu filho e pela terapeuta da fala que o acompanhava desde o início. Aguentei o embate da notícia mas quando me afastei, entrei em desespero. Para adiar o momento em que me encontraria só, em casa, e sabia de antemão que seria penoso, parei no café com esperança de organizar as ideias mas encontrei a Susana. Como já me conhece desde sempre e eu sou transparente, questionou-me e eu desatei num pranto. As lágrimas escorreram-me pelo rosto, contra a minha vontade, e eu mal conseguia falar. Acabei por contar-lhe o que me atormentava a alma.
Mais uma vez, tive que interiorizar uma informação dolorosa que fazia parte do meu processo de aceitação. Mais uma vez, mexiam na ferida e, mais uma vez, tinha que curá-la. Mais uma vez, questionei se o consentimento para a cirurgia fora o mais correto e o melhor para o meu filho. Mais uma vez, questionei o meu Deus...
O futuro do meu filho tornara-se uma incerteza maior. O que fazer para inverter esta sequela que tornaria o seu futuro completamente desconhecido? Falei com a Dr.ª Manuela. Tínhamos que continuar a estimular o Diogo. As reconexões neurológicas seriam novamente estabelecidas mas "o quando" era uma incógnita. Segundo estudos feitos, estas reconexões poderiam demorar anos.
O Natal desse mesmo ano, e estávamos em 2013, foi celebrado com um coração destroçado, impotente, mas com alguma esperança em encontrar uma solução. Já avançara com a terapia da fala, hipoterapia e apoio extra escola, dado pela Armanda, uma grande amiga da família. 
O Diogo, por esta altura, repudiava-me, deixara de me suportar pois eu tornara-me inseparável dele. Como ainda não tinha escola, fazia tudo com ele, de manhã à noite. Eu também não estava a conseguir lidar bem com esta nova situação... acabei por encontrar a solução, penosa mas era uma solução. Em fevereiro de 2014 surgiu um horário em Sintra, mais concretamente em Massamá. A terra não me era desconhecida pois era onde vivia a Manuela, sogra do meu primo Nuno. Falei com o Filipe, com a minha mãe, com o Nuno e, depois de todos me apoiarem nesta decisão, concorri ao horário. Fui colocada.
Por essa altura escrevia o seguinte à Dr.ª Manuela:

Boa noite Dr.ª Manuela.
Já não lhe dava notícias há algum tempo. Como já soube pelo meu marido, estou a dar aulas em Massamá - Lisboa. Era isso ou o desemprego e centenas de colegas a passarem-me à frente, logo o adeus ao ensino. É doloroso, principalmente porque estou afastada dos meus filhos e nunca estive longe deles. Por um lado, penso que vai fazer bem ao Diogo pois ele estava saturado da mãe. Eu andava constantemente com ele para todo o lado, sei que ele vai apreciar esta liberdade e ligar-se a mim de modo diferente. Ele também precisava de espaço. Por outro lado, como estava desempregada, sentia a cada dia que passava uma angústia crescente devido às dificuldades do Diogo na escola. Não havia um segundo em que não pensasse no seu futuro incerto e não me apercebia das suas conquistas, pequenas para uns mas enormes para ele. Se me dói esta distância também é certo que me ajuda a ver as coisas com uma outra perspectiva e a organizar melhor as ideias, dá para entender?(...)


Agora sei que foi o melhor para todos nós! A distância permitiu-me organizar a minha sanidade, ver o problema de outro modo. O Diogo sentiu a minha falta e compreendeu que a mãe só queria o seu bem. Aprendi que afastarmo-nos na altura certa não significa fugir, ao contrário, permite-nos tomar outra consciência dos problemas e encontrar respostas para os mesmos.

domingo, 22 de novembro de 2015

Um milagre, todos os dias...



A vida é demasiado preciosa para ser vivida com ressentimentos e lamúrias. A vida é para ser apreciada e valorizada... vivida intensamente como se não houvesse um amanhã. Eu tento fazê-lo e não me arrependo. Por vezes posso parecer exausta mas sou feliz pois faço o que gosto e me dá mais prazer - ensinar - e testemunho o crescimento e felicidade dos meus filhos. 
Há uns dias, na hora do almoço, conheci uma colega, professora de educação especial, que me abriu os olhos para algo que já vinha a sentir há algum tempo. Falámos dos miúdos da escola, das suas dificuldades, do caminho que se deverá seguir na educação e de como educar nos nossos dias. Partilhámos um pouco das nossas experiências e enriquecemo-nos mutuamente, sem dúvida. Escusado será dizer que um dos muitos temas foi o Diogo e as necessidades educativas especiais... dele e muitos mais.
Foi interessante perceber que há quem partilhe a minha posição perante este tema que me é tão familiar. O que deve ser assegurado, para além do bem estar das crianças, é a capacidade de se tornarem jovens e adultos autónomos. Não adianta nada tentarmos protegê-los, escondendo as suas dificuldades. O importante é dotá-los de capacidades e competências para enfrentarem a vida! Eu já senti na pele - e continuo a sentir - o que custa trilhar este caminho mas podem crer que, apesar de penoso, é o verdadeiro caminho da busca pela felicidade dos nossos filhos. 
Como já disse, a meio deste caminho zanguei-me com Deus. Zanguei-me porque pedi muito um milagre para o meu filho e nunca esse pedido me foi concedido. Pedi quando o meu pequeno fazia cinquenta a sessenta crises diárias, pedi quando sentia que ficava sem forças, pedi nas cirurgias... pedi muito mas nunca tive resposta. A certa altura fiz o que fazem as crianças - amuei! As palavras começaram a soar-me ocas, sem qualquer significado, então deixei de rezar. Quando falava com Deus era quase para recriminá-Lo. Por vezes, sentia-me ensandecer e, por isso, pedia-Lhe satisfações. 
O tempo foi passando, o Diogo foi crescendo e as nossas vidas tomaram um rumo que é marcado pela felicidade do nosso filho. Sempre que é visto por médicos especialistas, que lêem a sua história clínica, somos questionados se temos consciência de que o desenvolvimento do Diogo não se enquadra minimamente no que seria esperado. Sim, sabemos! Para tal lutamos diariamente, para que o nosso filho se desenvolva normalmente e tenha tudo aquilo a que tem direito. Não queremos que seja um menino protegido e sem defesas para o que a vida lhe poderá reservar. Queremos dotá-lo de capacidades para saber proteger-se, para poder lutar pelo que quer, para conquistar e partilhar... para ser ele e não ser aquilo que deveria supostamente ser.
"Não acredito em milagres..." - disse eu à minha colega, já não me lembro porquê. Ela olhou para mim, sorriu e respondeu-me - "Tens o milagre à tua frente, todos os dias!"


segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Um lugar ao sol


As palavras, por muito fortes que sejam em significado, não têm o poder para descrever sentimentos tão profundos como o amor que tenho pelos meus filhos e a dor que sinto, a cada tentativa fracassada, na procura da resposta para a epilepsia do Diogo. Maldita! Maldita epilepsia! 
É inimaginável o sofrimento e a tortura que a impotência nos inflige. Ninguém vê,... ninguém sente,... mas fico atordoada, quase desligada deste mundo, e a insanidade vem lentamente tentar conquistar aquilo que julga ser dela há muitos anos. Desengane-se quem me toma por super mulher pois não sou mais do que ninguém. Sou mãe! 
Sou mãe de duas crianças lindas - o Diogo e a Laurinha - e sofro por sê-lo, por tê-lo desejado, acima de tudo, e por não conseguir um milagre para o meu filho. Só um pequeno milagre... Resta-me apenas dar o meu melhor, sem seguir manuais, sem seguir receitas, fazer tudo o que estiver ao meu alcance para que sejam crianças felizes. E são!
A Laurinha é o nosso furacão, leva tudo e todos à sua frente. Eu sei que pouco escrevo sobre a minha princesa mas penso não ser necessário dizer mais do que está dito. O meu amor por ela é confiante, tal como aquele de quem me lê e o partilha com os seus filhos. Encanta todos e convence todos. Tem perfil de líder e acredito convictamente que aquilo que desejar será realizado.
Apesar de ter sofrido imenso nesta sua curta vida, o Diogo é uma criança que transborda felicidade e é nele que me revigoro a cada embate, a cada queda, a cada frustração. O meu filho é o meu mestre na aprendizagem do que é a Vida. O meu filho ensina-me e inspira-me!
Se o meu amor fosse menor, o caminho que percorro seria de escuridão, de fracasso e desilusão. Ao longo destes anos, tive o desgosto de ver mulheres - mães como eu, de crianças com problemas de saúde - abandonarem os seus filhos nos hospitais, de os rejeitarem, tal como crianças que colocam de lado um brinquedo defeituoso por já não gostarem dele. Questionei-me sempre como era possível... se o meu amor cresce a cada dia, a cada obstáculo que ultrapassamos juntos.
O meu filho é uma das razões da minha vida. Vivo para ele e para a Laura. Vivo para os meus amores. A minha vida sem eles seria pintada de escuridão, privada de sonhos, encontros e reencontros. Assim, quando me sinto sem rumo e sem norte, isolo-me. Fico comigo, apenas comigo, e o copo transborda. Vivo horas, por vezes dias, de desespero interior mas livro-me de tudo, de todos esses sentimentos negativos. Ultrapasso e, quando a tempestade passa, abro uma janela e deixo o sol entrar novamente na minha vida. Nesses momentos sinto-me capaz de tudo, sou novamente possuidora de uma esperança sem fim, de uma vontade tremenda de dar luta à vida.
Sei que o nosso amor é maior e tudo suportará! O tempo também é todo nosso! O horizonte que percorremos é longo mas sei que, um dia, encontraremos o nosso lugar ao sol...

A mãe ama-vos, daqui até à Lua!





domingo, 25 de outubro de 2015

12 de setembro de 2013


Chegara o grande dia...
Mais do que habituada ao ritual de preparação do meu filho para as idas a bloco operatório, encontrava-me serena e confiante nos resultados desta intervenção. Na noite anterior deram-me respostas que me facilitaram uma melhor compreensão sobre a epilepsia do meu filho e, apesar de ser algo que o acompanharia para toda a vida, os seus efeitos podiam ser minimizados, possibilitando-lhe uma melhor qualidade de vida. Eu depositava toda a minha esperança na remoção do foco epitalogénico e, consequentemente, na redução drástica do número de crises que tinha. Poderá parecer pouco para alguns mas, para mim, significava dar paz e sossego ao Diogo, possibilitar-lhe uma melhor aquisição de competências e dotá-lo de capacidades que permitiriam um melhor desempenho a nível social.
Nessa manhã, bem cedo e antes de se preparar para a intervenção cirúrgica, recebi a visita da Dr.ª Clara que me quis explicar todo o procedimento e como o iria realizar - "Mãe, posso dizer-lhe que conheço de cor o cérebro do seu filho. Passei a noite a estudar o melhor modo de aceder ao foco e removê-lo sem causar danos ao nosso Diogo.". Segundo o que percebi, a Dr.ª Clara acederia à zona ativa da displasia seguindo um sulco - que limitava a circunvolução cerebral afetada - tendo acesso ao foco sem ter de cortar ligações neurológicas. Depois de terminar a explicação, sorri para a Dr.ª Clara e disse-lhe apenas "Vai correr tudo bem!" e voltei para o quarto.
Mais uma longa espera aguardava por nós. Decidimos sair do hospital e apanhar ar fresco na zona de Belém. Caminhámos, falámos e decidimos regressar. Recebemos imensas mensagens de conforto e esperança de familiares, amigos e das educadoras do Diogo. Fomos enviando mensagens para sossegar os corações daqueles que partilhavam connosco a espera tortuosa. Por volta das 15 horas, abriu-se a porta do bloco e apareceu a Dr.ª Clara - "Correu tudo bem. Removi o que pude, sem intervir na zona motora. O Diogo está bem.". Naquele momento senti que, pela segunda vez, o bem estar do meu filho tinha sido prioritário.
O protocolo foi cumprido como na primeira cirurgia... isolamento seguido de cuidados intensivos e, finalmente, enfermaria. As primeiras noites foram de ansiedade. Se fizesse crises, como depois da primeira cirurgia, os resultados não corresponderiam ao desejado. O Dr. Pedro Cabral passava pelo quarto todos os dias, mais do que uma vez, pois também ansiava pela ausência de crises. Estávamos todos ansiosos e os dias passavam sem crises. Na semana seguinte deram alta ao meu filho mas teríamos de ficar por perto. Passámos esses dias em casa da Manuela, sogra do meu primo Nuno, em Massamá. Aproveitámos para passear com o Diogo. Na manhã de quinta feira, uma semana após a remoção do foco, o meu mundo desabou mais uma vez - o Diogo despertou com uma crise. Senti-me a perder o chão, senti-me verdadeiramente infeliz, senti-me novamente revoltada com Deus - "Porquê?".  
Depois de me compor, contei ao Filipe o sucedido. Podia significar muito mas também podia não significar o que receava pois sabíamos que o simples facto de se mexer no cérebro podia desencadear crises por este estar a reajustar-se. Mais tarde recebi um telefonema da N. que me perguntou se estava tudo bem. Ela sabia que algo iria mexer comigo, apenas se enganou em termos temporais - "Não desanimes. Mantém-te confiante."
Na semana em que o meu filho foi operado, iniciou-se o ano letivo e o rapaz só pensava em ir para a escola. Regressámos a casa sem grandes certezas. Os próximos meses ditariam os resultados.



Deixo um vídeo sobre cirurgia de epilepsia mas não recomendo a visualização a pessoas sensíveis.





sábado, 24 de outubro de 2015

9 de setembro de 2013


O dia 9 de setembro amanheceu como qualquer outro dia. Preparei o Diogo para a cirurgia e esperei pelo meu marido. Acompanhámos o Diogo até ao bloco e esperámos. Sabíamos que a cirurgia seria longa mas nunca imaginámos que o Diogo passasse seis horas e meia no bloco. Quando terminou, abriu-se a porta e vislumbrámos o nosso filhote com a cabeça totalmente ligada e com um punhado de fios a sair pelo meio das ligaduras que selariam durante três dias o crânio do nosso filho. Seguimos para o quarto onde decorreria o vídeo EEG, já nosso conhecido de estadias anteriores. Entretanto, realizou-se uma TAC que forneceu a imagem da localização precisa da rede de eléctrodos intracranianos instalados no bloco. Seguiram-se três dias e três noites de monitorização de crises que o Diogo nos brindava sem qualquer timidez. A redução do Zebinix foi suficiente para que as malditas começassem a manifestar-se com maior frequência - cerca de oito - e sempre durante a noite.
O nosso filho teve, mais uma vez, um comportamento exemplar. Nunca se queixou e tinha muito cuidado com os fios que lhe saíam pela cabeça. Resistiu a tudo sem sofrer qualquer infeção ou outra complicação.
Na noite de quarta-feira, perto das 20 horas, apercebemo-nos da presença do Dr. Pedro Cabral, do Dr. Rui Canas e da Dr.ª Clara Romero na sala de vídeo EEG, anexa ao quarto. Sabíamos que tinha chegado a hora de se reunirem connosco e nos darem a conhecer o resultado obtido durante esta primeira fase. Assim foi.
Após a saída da neurocirurgiã, o Dr. Pedro Cabral convidou-nos a entrar na dita sala e começou a explicar toda a informação que estaria em sua posse. A primeira novidade relacionava-se com a dimensão da displasia e sua localização. Contrariamente ao que se pensava, a displasia tinha uma grande extensão e acompanhava toda a formação do corpo caloso. Contudo, e apesar da sua grande extensão, apenas uma pequena zona encontrar-se-ia ativa e a despoletar as crises. Compreendi logo a importância de tal descoberta pois explicou a dificuldade inicial em adequar fármacos à epilepsia do meu filho devido a uma rápida propagação frontal das crises, o que dificultava a localização precisa do foco epitalogénico. Apesar de este se localizar na zona parieto occipital do cérebro, a restante displasia funcionava como condutora das descargas elétricas, que rapidamente se propagavam frontalmente, induzindo todos em erro. A segunda novidade foi um grande alívio para nós pois excluía a possibilidade, dada como certa, de perda da visão do lado direito. Foi-nos garantido que o Diogo não sofreria de qualquer sequela relacionada com a visão. Nesse momento sorri, contagiada por uma felicidade imensa, e apeteceu-me dar um beijo naquele homem, grande homem, que era portador de boas notícias. A felicidade transbordou dos meus olhos e era visível aos médicos que ali se encontravam comigo e partilhavam a mesma esperança em melhorar o estado clínico do meu filhote.
Depois de explicado o plano delineado para a remoção do foco epitalogénico, alertaram-me que poderia manifestar-se uma perda ligeira da motricidade na perna direita mas seria reversível. Nessa altura eu já me encontrava nas nuvens, atordoada pelas boas notícias e com uma certeza inabalável de que desta vez seria diferente - o meu filho iria melhorar. Eu já sabia que a totalidade da displasia não poderia ser removida pois implicaria a perda de mobilidade do Diogo mas restava a esperança na remoção  total do foco.
Fui jantar e pelo caminho telefonei à minha mãe, já conhecedora das possíveis sequelas anteriormente previstas. Telefonei também à Susana e à Sílvia pois tinha que partilhar com elas mais esta alegria. Lembro-me da Sílvia me ter dito "Tu és mãe e já sabias. No fundo, tu já sabias!...". Também telefonei à N. que me assegurou que iria correr tudo bem no dia da cirurgia mas que pressentia que eu iria perder um pouco desta energia positiva que se manifestava e me fazia sentir quase eufórica.
Eu sentia-me irreconhecível... tivera as respostas a questões que tornavam de difícil compreensão a epilepsia do meu filho. Sentia que as peças de um puzzle finalmente encaixavam ao fim de cinco anos, sentia uma esperança indescritível nesta cirurgia, sentia-me feliz pelo meu filho e confiante na equipa que iria operá-lo do dia seguinte.    


                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Sexto sentido


Em junho de 2013 demos luz verde para a marcação de novas datas para as cirurgias do Diogo mas também suspeitávamos que o adiamento implicaria a passagem do período de férias de verão devido ao decréscimo de pessoal nos hospitais. As cirurgias envolviam um grupo multidisciplinar grande que estudava e acompanhava o caso do Diogo desde a sua entrada na lista de cirurgia de epilepsia.
Eu já adiara a entrada do Diogo no primeiro ciclo, tendo em consideração a realização das cirurgias e possíveis sequelas resultantes das mesmas, mas o novo ano letivo estava próximo e o meu filho ainda não tinha sido operado. Seria tudo uma questão de tempo e mais alguma dose de ansiedade.
Fomos para a praia em agosto. O apartamento, que já nos era familiar, recebera a designação de a casa da praia - segundo o Diogo - e tinha uma localização privilegiada pois bastava-nos atravessar a estrada para colocar os pés na areia. Entre as rotinas de verão e as brincadeiras, eu fazia-me acompanhar constantemente do telemóvel até que um dia o deixei em casa. Passei a manhã agitada e resolvi ir um pouco mais cedo para preparar o almoço e verificar se teria chamadas. Pois é! Tinha mesmo registado um número desconhecido acompanhado por uma mensagem da Dr.ª Clara - "Bom dia, mãe! É só para informar que o Diogo tem cirurgias marcadas para os dias 9 e 12 de setembro. Preciso da sua confirmação para as mesmas. Pode ligar para este número?". O meu sexto sentido não se enganara e, de imediato, fiz a chamada a confirmar que lá estaríamos.
Comecei a preparar o almoço. Sentia-me simultaneamente feliz e angustiada. O meu pensamento estava já totalmente focado nos preparativos e em dar a notícia à família que chegaria daí a momentos. Entre o fim das férias e a viagem para Lisboa, tinha apenas uma semana para organizar tudo pois a Laurinha ficaria com os avós.
Nesses dias relembrámos o termo de responsabilidade que já assináramos e as sequelas possíveis das cirurgias. A perda da visão do olho direito era dada como certa e a perda da linguagem, apesar de reversível, também poderia ocorrer. Além disso, os riscos que o nosso filhote corria eram muitos. No dia 9, segunda-feira, iria ao bloco para abertura do crânio e instalação de uma rede de eléctrodos que ficariam a registar as crises, durante três dias, para uma melhor localização da displasia e do foco epitalogénico. Na quarta-feira reuniríamos com os neuropediatras e neurocirurgiã para discutir os resultados obtidos e delinear a cirurgia seguinte. Esta segunda cirurgia seria decisiva pois seria removida a porção de cérebro que causava as crises ao nosso filho. O período de tempo entre as cirurgias seria crítico pois o crânio estaria aberto e os eléctrodos intracranianos comunicariam com o exterior, através de um punhado de fios, ligados a um monitor que registaria as crises. A possibilidade de ocorrerem infeções e outras complicações era preocupante.
Eu e o meu marido éramos os únicos a ter conhecimento das sequelas e riscos... se era doloroso para nós não teria de sê-lo para o resto da família. Na devida altura, no momento certo, seriam informados.
Nesses dias, que antecederam as cirurgias, desejei sonhar com a minha avó pois ansiava por um sinal...
A meio da semana, eu e o Diogo fizemos uma sessão de cura reconectiva. A N. disse-me apenas que iria correr tudo bem - os números 9 e 12 eram bons - e pediu-me que o Diogo estivesse em contacto com a natureza, que o deixasse correr descalço para sentir a terra. Assim fiz.


terça-feira, 20 de outubro de 2015

Marcação e adiamento da cirurgia


O número que apareceu no meu telemóvel, quando este tocou, não me era desconhecido e fiquei logo transtornada. Atendi e aquilo por que esperava há mais de um ano concretizava-se. O Diogo tinha as cirurgias marcadas para os dias 20 e 23 de maio. Confirmei a nossa presença na consulta de anestesia e despedi-me. Logo de seguida, liguei ao meu marido para dar a notícia e dirigi-me à escola para avisar que estaria ausente. Encontrei a Cristina e contei-lhe o sucedido.
Depois dos preparativos para a viagem, fiz um telefonema para marcar uma sessão de cura reconectiva para mim. O meu desgaste físico e psicológico, causado por uma espera angustiante, tirara-me as forças para mais um embate e reconhecia que precisava de ajuda. A minha tia Ilda foi comigo pois eu não sabia se conseguiria fazer a viagem de regresso sozinha. Os meus filhos ficaram em casa dos avós e o Filipe tinha um jantar do pessoal do futebol. Tudo se combinara para que eu pudesse ter o meu momento.
Deitada na marquesa, comecei por sentir as pálpebras a tremerem, os meus olhos tinham vontade própria e pareciam querer abrir-se, tal era a quantidade de energia que por eles circulava. Seguiu-se um peso no meu peito. Sentia toneladas em cima dele e doía-me a respirar. Fui invadida por um sentimento de angústia e parecia estar a ser esmagada ali, naquela marquesa, naquele momento. Por fim, algo se passou na minha cabeça que não consigo descrever senão recorrendo à imagem do movimento da água a sair de uma mangueira. Do mesmo modo, algo era sugado pela minha cabeça e depois parou. Chamaram pelo meu nome e abri os olhos.
No regresso, contei à minha tia o que experimentara e não disse mais nada. Eu estava calma, demasiado calma, como se me encontrasse num qualquer estado latente. No dia seguinte acordei completamente diferente. Tinha vontade de cantar e ouvir música, falava alto e questionava-me sobre o que estava a sentir. O meu estado era de euforia e parecia uma adolescente apaixonada, sempre com um sorriso nos lábios e com o coração agitado, mas saudavelmente agitado. Lembro-me de pensar que era injusto eu sentir-me tão bem enquanto o Filipe se sentia angustiado e, para acalmá-lo, dizia-lhe apenas "Vai correr tudo bem!". Telefonei à N., a terapeuta que me fizera a sessão, para perguntar se tal seria normal acontecer e a resposta dada foi "Esse é o teu estado normal, algo que já não sentias há muito tempo. Tu és assim, não te preocupes. Vai correr tudo bem!".
O Diogo foi internado no dia seguinte, domingo, e tinha uma infeção num dente que, segundo nos informaram na consulta de anestesia, não seria impeditivo para a realização da cirurgia. No domingo, à noite, recebemos a visita da neurocirurgiã que, mais uma vez, nos alertou para as possíveis sequelas desta cirurgia e assegurou que não haveria problema relacionado com o dente. Despedimo-nos até o dia seguinte. Fiquei com o meu filho e fui recebendo chamadas da família e amigos. Estava muito calma, tão calma que dormi durante a noite mas com a forte sensação de que o meu filho não iria ser operado.
Na manhã seguinte, acordei para o ritual de preparação para a cirurgia: dei o antibiótico e a medicação ao Diogo. seguiu-se um banho e desinfeção de todo o corpo e vesti-lhe o pijama para o bloco. O meu marido chegou para ficar com o Diogo enquanto eu tomava um banho rápido. Mas o banho rápido foi muito tranquilo - não tive pressa - pois continuava com o pressentimento de que a cirurgia não se realizaria. Quando saí, deparei-me com o Filipe a falar com a neurocirurgiã - "Mãe, pensei muito durante a noite e decidi adiar a cirurgia. A infeção no dente pode potenciar outros riscos e o Diogo não pode correr riscos para além daqueles que já correrá.". Eu já sabia que tal iria acontecer, pressentira algo durante a noite.
Regressámos a casa... o Diogo teria de ir a bloco, no hospital Santo António, para remoção do dente. No espaço de uma semana marcou-se a dita remoção e demos luz verde à equipa de Lisboa para marcar novas datas. 

sábado, 17 de outubro de 2015

Coincidências ou respostas?


Acredito que as coincidências que existiram na minha vida até ao presente foram tudo menos isso. Acredito que tenho alguém a olhar por mim e pelos meus. Acredito que as respostas que obtive, em todas as situações difíceis dos últimos anos, foram oferecidas por alguém que as colocou à minha frente para poder vislumbrá-las. A Cristina, uma colega que ficou colocada por erro na escola onde eu lecionava, é apenas um pequeno exemplo e confirmação do que escrevo.
É engraçado... inicialmente não simpatizei muito com ela - perdoa-me Cristina! Apesar de pertencer ao conselho de turma que eu presidia, só mais tarde tive tempo e oportunidade de conhecê-la melhor. Foi durante a hora de almoço, de um dia em que não me apetecera ir a casa, que tal aconteceu. A conversa proporcionou-se e, entre outros temas, falámos do Diogo. Pediu-me que lhe mostrasse os filmes das crises para poder aprender a identificá-las e ficou impressionada. Perguntou-me, então, se já ouvira falar de reconexão e cura reconectiva. Explicou-me apenas que se tratava de energias que atuavam no nosso organismo, restabelecendo o seu equilíbrio, e nos proporcionavam luz, amor e informação. Não me adiantou mais nada! Aconselhou-me a experimentar e ficámos por ali.
Na verdade já lera sobre medicina e terapias alternativas mas nenhuma me despertara o interesse como esta que me era totalmente desconhecida. No fim de semana seguinte, nem sei o porquê, recordei a conversa que tivéramos... peguei por impulso no PC e aventurei-me no conhecimento da cura reconectiva. Na semana seguinte li um livro sobre a mesma e começou a desenhar-se mais uma resposta para aquilo que era urgente - a marcação da segunda cirurgia do Diogo.
Não consigo explicar o que aconteceu... foi como um despertar, algo que me impeliu para seguir aquele caminho. Duas semanas mais tarde, num sábado de manhã, o Diogo fazia a primeira sessão de cura reconectiva. No final da mesma, o meu filho despertou e perguntou-me se tinha sido operado. Fingi não dar importância à questão e respondi "Não!...". Contudo, sabia que algo tinha acontecido durante a sessão, eu sentira-o na sala ao lado onde esperava em silêncio.
Nessa mesma tarde, o meu filho decidiu ficar em casa dos avós. O meu irmão, atleta de andebol, jogava em Fafe e os meus pais iam assistir ao jogo. O problema do meu filho era não suportar barulho e confusão, por isso, a avó já se mentalizara que sairia antes do final do jogo. Horas mais tarde recebi um telefonema da minha mãe - "O que fizeste ao teu filho? Ele está diferente... Viu o jogo até ao fim! Gritou pelo tio, bateu palmas... foi uma festa!". Mas o melhor estava ainda por acontecer... Três dias depois telefonavam do hospital São Francisco Xavier.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Furacão Laurinha


A epilepsia do meu filho manifestou-se aos vinte e um meses da sua existência. Nessa altura preparava-me para ser mãe pela segunda vez. Durante o internamento no hospital Maria Pia, em conversa com uma enfermeira muito querida e dedicada às crianças, confidenciei-lhe os preparativos e como me assustava a ideia, perante o pesadelo que vivíamos. "Não, mãe! Nem sequer pense nisso agora! Mesmo que consiga engravidar, duvido que leve a gravidez a termo...". Foram estas palavras que ecoaram nos meus pensamentos durante as noites mal dormidas em que registava as crises do meu filho, espaçadas por apenas alguns minutos. Durante o dia não parava com ele e, apesar de tomar um banho logo de manhã, chegava exausta à noite e a precisar de outro que improvisava com uma pequena bacia e toalhas facultadas generosamente pelas enfermeiras. O meu filhote não parava por um minuto! Foram tantas as vezes que percorri os corredores daquela enfermaria que decorei os desenhos tão deliciosamente pintados para as crianças. Gastei as suas personagens com as histórias que inventava para sossegar o rapaz, contava-os e escondia-os com a palma da mão para que o Diogo adivinhasse quem estava escondido e ele adivinhava. Tantas foram as vezes que observámos aquelas paredes, eu e o Diogo.
Quando teve alta, já me mentalizara em esquecer uma possível gravidez. O Diogo tinha uma epilepsia refractária e precisava de toda a nossa atenção. 
Entre várias associações de fármacos foi descoberta a tal - aquela que, apesar de não anular as crises, as remeteu somente para o período noturno. Com o tempo e muita pesquisa, compreendemos melhor a epilepsia e tínhamos esperança de voltar a viver dias mais felizes. 
Cerca de um ano mais tarde voltei a pensar numa segunda gravidez. O Diogo só tinha crises durante o período da noite, era vigiado e as nossas vidas estavam mais calmas devido às rotinas que já interiorizáramos. A minha vontade de voltar a ser mãe crescia, de dia para dia, e o Diogo precisava de um irmão. Era mimado por todos, tornara-se o centro de todas as atenções e estava na altura de aprender a partilhar. 
Eu já sabia o sexo do meu segundo filho muito antes de este ser confirmado pela ecografia. Mais uma vez as coincidências se concretizavam na minha vida. A minha avó avisara-me da gravidez do Diogo com um sonho que tivera. Nesse sonho deram-lhe um recado da minha tia Teresa... - "estava a preparar a menina para a Ticha e seria muito parecida com o pai". É verdade, quando vos contei o sucedido omiti a menina e o resto. Desculpem mas perdia a graça.
Estava grávida de uma menina que receberia o nome de Laura e se tornaria uma criança tão rebelde quanto aquela que a preparara para ser minha filha. Chamem-me louca, o que quiserem, mas a minha tia Teresa amadrinhou bem a minha filha. Tal como a minha tia, a Laurinha tornou-se um furacão nas nossas vidas, com uma rebeldia sem explicação e uma teimosia precoce que a caracterizam. A acompanhar estas características combina-se um sorriso maravilhoso, hipnotizante, que conquista tudo e todos. É de extremos, para a Laurinha não existe o meio termo e impera o "Quero, é meu!".
Apesar de correr tudo bem durante a gravidez, esta foi muito difícil para mim pois duvidava da minha capacidade de continuar a prestar a atenção de que o Diogo tanto precisava e partilhá-la de igual modo com o meu novo rebento. Martirizava-me a ideia de um dos meus filhos ser prejudicado. Chorei durante nove meses, todos os dias.
No dia de Reis de 2010 nascia a minha princesa. Foi uma bebé muito sossegada mas pregou-me um grande susto, logo aos vinte dias de vida, devido a uma bronquiolite. Ficou internada durante uma semana pois era muito pequenina e rapidamente poderia dar-se uma evolução para pneumonia. Mais tarde vieram as otites sucessivas. Realmente não tive descanso por muito tempo.
Aos oito meses já andava e trepava tudo. Nunca pediu para lhe dar algo que desejava, quando me apercebia já o tinha na sua posse. Aos três anos começou a imitar as crises do mano mais velho. Porquê? Não precisei de pensar muito... quando chamava pela mamã ou pelo papá costumava receber como resposta um "Já vou, Laurinha" mas tardávamos em ir... Já as nossas respostas às solicitações do Diogo eram imediatas. Certo dia, a Laurinha chamou por mim e, mais uma vez, recebeu como resposta um "Já vou, Laurinha". Não se fez de rogada e atirou-se para o chão imitando uma crise de epilepsia, tal como as do mano. Quando me deparei com tal cenário fiquei perplexa e imóvel - "Meu Deus, a minha filha?...". Foi então que a piolha abriu sorrateiramente um olho e apercebi-me que era encenação. Aprendi logo a lição!
A Laurinha foi uma lufada de ar fresco e, entre o quase levar-nos à loucura e o derreter-nos de felicidade, revirou as nossas vidas do avesso - ela é o nosso furacão Laurinha!

sábado, 10 de outubro de 2015

Zanguei-me com Deus


A primeira cirurgia do meu filho foi uma frustração para todos mas para mim foi muito além disso. Lembro-me da esperança que depositávamos naquele acontecimento tão esperado e de me aperceber que pouco me recordava do meu filho antes da sua epilepsia se ter manifestado. O cérebro humano é deveras interessante. Apercebi-me que este acontecimento marcou-me tão profundamente que registei mentalmente todos os acontecimentos e conversas, desde o primeiro dia de pesadelo, e gravei a sucessão de acontecimentos e sentimentos envolvidos de modo irreversível. Nos dias que antecederam a cirurgia, tentava imaginar o meu filho sem as crises... como se transformariam as nossas vidas... A verdade? Não tive uma única visão nítida desse sonho que tanto ansiava que se tornasse realidade. Talvez já soubesse muito secretamente que tal não aconteceria. Agarrei-me a um terço que a minha mãe me trouxera de Fátima e rezei. Pedi a Deus que concedesse esta graça ao meu filho e que permitisse que o Diogo tivesse uma vida normal sem crises.
O Diogo foi internado num domingo e na manhã seguinte iria ao bloco. Não dormi. Chorei e rezei. Pedi imenso por ele e pedi a Deus que me desse forças para conseguir lidar com as emoções avassaladoras que se apoderavam de mim. O meu cérebro não parava... os pensamentos sucediam-se ininterruptamente, em turbilhão, e sacudia a cabeça para afastar os maus pensamentos, aqueles que representavam os meus medos e os piores cenários da cirurgia. Espantava-os!
Começou a nascer o dia e iniciei os preparativos para o meu querido filho ir para o bloco onde tudo poderia mudar. O meu mundo desabou quando as portas do bloco se fecharam e o deixei nas mãos da neurocirurgiã. Desse momento em diante comecei a rezar apenas por ela. Pedia a Deus que lhe desse segurança e firmeza nas mãos e clareza de raciocínio para colocar o bem-estar do meu filho acima de tudo. Não pedia mais e muitos eram aqueles que intercediam pelo meu menino, muitos!
Foram muitas horas de sofrimento, de uma angústia capaz de nos levar à loucura, para continuar quase tudo como até então. Foi então que me zanguei, zanguei-me com o meu Deus pois o meu filho era merecedor de um desfecho diferente. Afastei-me. Não voltei a rezar desde então. As palavras das orações que me ensinaram em criança soavam ocas, sem sentido ou significado, por isso, questionava-O - "Porquê? O meu filho não merecia outro destino? Que mal esta criança Te fez?".
A minha revolta reapareceu e eu sentia que começava a destruir-me lentamente. Como é possível que aquele Deus misericordioso, de que a minha avó Aida me falava, tenha esquecido o meu filho? O que nos destinaria? Parecia que brincava com as nossas vidas, que as provações por que passávamos eram insuficientes e, por isso, podíamos continuar a percorrer labirintos que não nos conduziam a lado algum. Sofri em silêncio, chorei e gritei longe de tudo e de todos... Quando as lágrimas secaram e os gritos se tornaram mudos, organizei a minha sanidade mental e dediquei-me aos meus filhos como se não houvesse um amanhã. Todos os dias lhes dizia "A mamã ama-vos muito!" e vou ao fim do mundo por eles. As feridas foram curando-se com o tempo...
E o tempo passou... mas a minha relação com Deus desmoronou.



sexta-feira, 11 de setembro de 2015

A negação não é um caminho. Aceita e avança!


O meu percurso como professora fez-me evoluir como pessoa e, de algum modo, preparou-me antecipadamente para o embate da minha vida. 
As experiências vividas com os meus alunos ensinaram-me que o seu desenvolvimento depende muito dos estímulos que recebem, da motivação que lhes é incutida e do reconhecimento das próprias dificuldades de modo a aceitarem ajuda. No entanto, se conseguia pequenos avanços com os miúdos, muitas vezes estes seriam esbatidos pela negação dos pais e acreditem no que vos digo: nós, pais, somos o maior obstáculo ao desenvolvimento das nossas crias e eu, apesar de sabê-lo, viria a sentir em cada poro da minha pele o que custa aceitar que uma das nossas crias tem um problema de saúde comprometedor do seu futuro.
No período em que se manifestou no meu filho aquela a que chamo de sua epilepsia, senti-me revoltada com Deus, com a vida. "Porquê o meu filho? Por que não eu?" Ele era um inocente e nada fizera para merecê-lo. Se fosse castigo, que Deus me castigasse a mim, a mim! Quando me encontrava só discutia com Deus, perguntava-lhe o porquê e acabava suplicando por ajuda que me dispunha a pagar com a minha vida. Dei murros nas paredes e gritei bem alto que o meu filho não merecia tal castigo. O tempo foi passando e, entre uma melhor compreensão da epilepsia e a diminuição do número de crises diárias, percebi que cada lágrima derramada era um desperdício de energia que deveria ser canalizada para o bem-estar do meu filho. Começou então um longo processo de aceitação.
Esta aceitação foi enraizando-se no meu interior e, com o tempo, permitiu-me vislumbrar a construção de um caminho para o meu filho. Nunca procurei a ajuda de psicólogos ou outros profissionais para organizar a minha sanidade mental, nunca precisei pois a minha maior ajuda era falar do problema do meu filho. Nunca sufoquei o que sentia no meu interior e as palavras têm um poder enorme, acreditem! Cada palavra, cada frase dita, gravava-se na minha mente a fogo e deixava a sua marca. Por muito que tentasse apagá-la, inconscientemente, a sua cicatriz permanecia intocável e mantinha-me os pés no chão, bem consciente da minha realidade. 
Nunca escondi a epilepsia do Diogo. Pelo contrário, explicava como se manifestava e como proceder perante uma crise. Expunha os meus sentimentos e alimentava a esperança de um dia ver o pesadelo terminado. Com o auxílio da Dr.ª Manuela, procurávamos combater as dificuldades que o Diogo ia manifestando, atacando-as sempre com a ajuda de profissionais dedicados e competentes. Pesquisávamos imenso pois elaborávamos sempre um plano B ou C caso o plano A falhasse. Tínhamos sempre alternativas. A tomada de decisões também não foi pacífica ou irreflectida, muitas vezes parecia-me que "brincávamos" com a vida daquele inocente... mas a vida prosseguia. 
Nunca privámos o Diogo das brincadeiras, das festinhas de aniversário dos colegas, dos passeios, da ida à piscina. Nunca o privámos de absolutamente nada. É verdade que, cada vez que o deixava na casa de um amiguinho ou numa festa algures, sentia um aperto angustiante no peito e desejava que o tempo passasse rapidamente. Tinha sempre o telemóvel por perto, no caso de me telefonarem se algo corresse mal, mas nunca tocou. Apesar do sofrimento, prefiro ser eu a passar pelo tormento do que cortar as asas ao meu filho, impossibilitando-o de voar.
Hoje sabemos que tudo o que fizemos foi o melhor que estava ao nosso alcance. O Diogo é uma criança que tem uma vida perfeitamente normal e faz o que as crianças devem fazer - brincar e sonhar.






quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Não matem os professores!


Na relação que tive ao longo dos anos com os meus alunos, o que mais me marcou foi a força de vontade que aqueles, com menos possibilidades económicas ou com necessidades educativas especiais, me revelaram. Quando tudo parecia empurrá-los para caminhos obscuros ou isolamento social, estes adolescentes arregaçaram as mangas e deram luta à vida e passaram-me a mensagem "Não desista de nós!". 
Esta aprendizagem fortaleceu-me e, preto no branco, gravou-se no meu subconsciente. Gravou-se tão vincadamente que todos os anos vem à superfície e permite-me dar a mão a mais alguns e outros tantos. E como gosto!
Todos os dias lemos artigos relacionados com a educação... todos eles repetindo o mesmo e batendo na mesma tecla... "os miúdos dos nossos dias não têm educação, os pais não têm tempo para eles"! Não me vou manifestar relativamente a este aspeto pois está mais do que gasto e não pretendo ser mais uma voz a atribuir culpas sempre aos mesmos. O que pretendo é mostrar que nós professores temos um papel fundamental na sociedade atual, apesar de sermos espezinhados por todos, até por aqueles a quem devemos dar a mão. 
Os jovens encontram-se em crise... uma crise de valores, uma crise de identidade alicerçada em terrenos movediços devido ao encharcamento provocado pelos meios de comunicação, pela tecnologia, pelo "diz que disse" lá de casa, por todos nós que seguimos tendências e discutimos depois o caminho que temos vindo a percorrer nas últimas décadas. Não nos esqueçamos que os jovens não são surdos e que, se não tiverem um tradutor fidedigno que lhes passe a informação sem ruído de fundo, provavelmente tirarão conclusões erradas e precipitadas sobre o que é discutido. Assim acontece quando ouvem adultos dizer "Os professores regalam-se!", tal como eu já ouvi mesmo ao meu lado...
Há cerca de quatro anos assisti a uma entrevista do neurocientista António Damásio sobre o funcionamento do nosso cérebro. Este senhor é um espanto! Possuidor de uma capacidade comunicativa extraordinária, explicou que a insensibilidade dos nossos jovens é provocada pela interrupção da transmissão da informação. Como? Muito simples... suponhamos que o meu filho está a ver uma notícia sobre violência entre menores e eu, com receio que ele se assuste, mudo de canal. O que aconteceu entretanto no cérebro do meu filho? Um erro! Apenas uma parte da informação foi transmitida e, como consequência da mudança de canal, não decorreu o tempo suficiente para que fosse devidamente processada pelo seu cérebro. Qual o resultado? O meu filho não conseguiu analisar toda a informação de modo a entender que este tipo de comportamento é errado e não o assimilará como tal. Consequentemente, não achará negativo quando o voltar a presenciar ou sequer terá remorsos se o vier a manifestar. Como se poderão evitar estas interrupções na passagem da informação? Já que não as conseguimos evitar, deixemos passar a informação e, só então, temos o dever de explicar que aquele comportamento é errado e, como tudo na vida, implica consequências para cada um dos intervenientes. Como professores sejamos esses tradutores!... Ajudemos os nossos alunos a distinguir o bem do mal.
Muitos alunos são também possuidores de uma grande falta de autoestima... são os primeiros a dizer que não valem nada e porquê? Dizem eles - "Eu sei lá! Eu não sei nada...". Não aprecio este tipo de atitude e, como tal, batalho para lhes mostrar que nada, nem ninguém, tem o direito de dizer-lhes que não são capazes. Aprendi que, quando motivados, os jovens correspondem e são capazes de nos surpreender. Sejamos, então, um pouco psicólogos, um pouco amigos de viagem, por muito breve que esta seja. Sejamos um pouco família, sejamos um pouco do que quer que seja...
Agora parece-vos fácil ser professor?

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

O que és? Sou professora!




Sou feliz, muito feliz! De que serve comparar a minha felicidade à dos outros se todos nós seguimos diferentes caminhos que, de um modo ou de outro, nos brinda com momentos inesquecíveis que guardamos no baú das mais queridas recordações, e a minha felicidade é unicamente da minha responsabilidade, não depende de mais ninguém?
Sou feliz como pessoa, como mulher, como mãe. Sinto-me apoderada pela sensação de estar preenchida por algo que não sei descrever… sinto o peito a transbordar. A razão? A minha família que sempre me apoiou, o meu marido, companheiro e amigo, os amigos que mesmo ausentes estão sempre presentes e os dois grandes amores da minha vida, os meus maiores projetos, os meus filhos.
Aprendi que nada é mais poderoso e valioso do que aquilo que me faz sentir feliz, tudo o resto é de alguma forma dispensável.
Sou professora e adoro sê-lo, apesar de ser mais uma entre milhares a lutar por um lugar ao Sol.
Como professora contratada, todos os anos me sujeitava, e ainda o faço, aos famigerados concursos para professores. São dias desgastantes em que colocamos o nosso futuro em simples códigos de escolas, concelhos ou zonas, de norte a sul do país, por ordem decrescente de preferências. É um tormento pois temos que aguardar pela colocação e não sabemos como será a nossa vida no ano seguinte. Terei um horário completo ou incompleto? Ficarei longe de casa? Como será com os meus filhos? Estas são as perguntas que se destacam pois a seguir vêm todas aquelas inerentes aos gastos e despesas. Todos os anos são diferentes, nesta perspectiva não se sofre de tédio, mas sofre-se de ansiedade e incerteza pelos dias que virão.
Depois de se ter investido tantos anos na nossa formação, um punhado de senhores engravatados pousaram algures pela capital e decidiram questionar a qualidade dos professores. Pois eu também questiono a deles! Lembro-me de colegas que sentiram o reacender da chama da esperança quando um professor, como nós, ocupou o cargo de Ministro da Educação… coitados de todos nós! Nunca fomos tão maltratados! Até fomos sujeitos a exames duvidosos… eu cá penso que este senhor tem uma obsessão qualquer por exames, por que será? E como avaliar o trabalho de um professor se somos e fazemos muito para além do que ele pensa ou julga?
Passámos a ser a escumalha da sociedade, fomos quase reduzidos a pó, mas eu sou resistente como outros tantos. E porquê? Porque adoro o que faço, sou um bichinho da sala de aula, adoro contribuir para a formação dos meus alunos como indivíduos, adoro as suas risadas às quais retribuo com caretas… adoro dar cambalhotas e fazer piruetas mentais para adequar diferentes estratégias que se tornem produtivas e os ajude a alcançar o seu sucesso. Sou doida? Se calhar! Se não o fosse já teria desistido.
Já passei por muitas escolas, muitas terras e tive muitos alunos. E posso garantir-vos que me lembro de todos. É engraçado que até sei o nome de alguns. Um dos que mais me marcou foi o R., um rapaz que morava no concelho mais pobre do país e trabalhava no campo com os seus pais, antes de ir para a escola. Era um aluno excelente. Estava muito atento nas aulas, fazia os trabalhos de casa no autocarro e pouco mais estudava pois os labores agrícolas não o permitiam. Quando nos despedimos, no final do ano letivo, pedi-lhe que me prometesse que iria continuar no bom caminho e ele, sorridente e seguro, assegurou-me que iria para a universidade pois não queria ter uma vida como a dos seus pais - “Não quero acabar como eles!”. O R. tinha uma vida muito dura. Levantava-se muito cedo para ajudar os pais no campo. Chegava à escola exausto e com as unhas negras da terra que remexera com as próprias mãos.
Numa outra escola, de um concelho vizinho ao meu, marcou-me um outro rapaz que tive como aluno no ensino recorrente. Sofria de uma doença degenerativa que se traduzia numa cegueira progressiva. Estava quase cego, apenas vislumbrava sombras e fazia uso de uma lupa para ler os testes que lhe fazia à mão pois as ampliações eram inúteis. 
As aulas já tinham iniciado, estávamos praticamente a meio do primeiro período, quando a coordenadora me expôs a situação deste aluno que iria iniciar, nessa mesma altura, as aulas. Explicou-me que tinha muitas dificuldades de integração devido ao problema de saúde de que sofria e que deveria controlar a sua assiduidade.
Lembro-me de me ter cruzado com ele antes de entrar na escola para dar aulas à turma que seria também a sua… “És o R., não és? Para onde vais? A escola fica para este lado, vem comigo!”. Pelo caminho apresentei-me e expliquei como funcionavam as aulas. Quando a campainha tocou, dirigi-me à sala com a dúvida de tê-lo lá, à espera… mas lá estava ele. Nessa aula não dei qualquer matéria, falámos sobre as nossas vidas, as dificuldades por que todos passávamos e o que pretendíamos fazer para superá-las… quebrou-se o gelo e criaram-se laços. A integração do R. nunca foi um problema ao longo do ano letivo, tornara-se o melhor aluno da turma e ganhara asas para voar…
Por eles, alunos, sou uma apaixonada pelo ensino e, apesar de a minha felicidade não depender diretamente da escola, sinto um vazio enorme quando não posso entrar numa sala de aulas. Fiz um percurso como professora que me enriqueceu tremendamente como profissional mas sobretudo como pessoa. Ao longo dos anos ajudei a formar mas também aprendi muito com todos os meus alunos. Marquei e fui marcada. Ser professor não é apenas dar mas também receber!



sexta-feira, 31 de julho de 2015

Há muitas maneiras de se ser feliz!


Um amigo meu é desta opinião e eu partilho-a com ele... mas também me interrogo "por que é mais fácil para uns do que para outros serem felizes?".
Dois mil e doze traduziu-se num compasso de espera tortuoso e muito introspectivo. A epilepsia entrara nas nossas vidas de rompante e fizera tremer os alicerces de um casamento em que os nossos votos foram “…na saúde e na doença… na alegria e na tristeza, até que a morte nos separe”. Pois não foi a morte que nos separou, pelo menos no sentido amplo da palavra, foi a morte de um punhado de sonhos que partilháramos desde o dia em que nos conhecemos. 
Eu e o Filipe afastámo-nos em consequência de uma frustração devastadora e um sentimento de impotência colossal para com o bem-estar do nosso filho. Por mais atentos e informados que estivéssemos, por mais riscos que corrêssemos com o nosso filho, ele não melhorava e a maldita epilepsia não desaparecia. Abafámos as nossas angústias e afastámo-nos. Passámos a ser apenas aquela pessoa que partilhava o mesmo teto e mais nada. Eu perdi a minha capacidade de diálogo com o meu marido pois tornara-se evidente que nenhum de nós tinha disposição para ouvir o que o outro tinha para dizer. As tentativas de diálogo tornaram-se monólogos silenciosos ou discussões acusadoras e sem sentido. O casamento deteorava-se, o que se tornara percetível a quem nos rodeava. Não escondíamos a ninguém a nossa intolerância ao mais pequeno gesto do outro. 
Mas como chegámos a este ponto? Simples, muito simples… o casamento, em geral, não é um mar de rosas. É uma caminhada a dois que nem sempre é tranquila pois as vicissitudes da vida nem sempre o permitem. Se num casamento em que tudo é normal os confrontos existem, imaginem num casamento em que as rotinas são diferentes, a partilha da cama é feita com o filho e a maior preocupação é esse mesmo filho. Não é desculpa para os desentendimentos, até porque o mais razoável seria uma maior união, mas conduziu-nos a um acumular de acusações, de mágoa e intolerância para com o outro tornando-nos num casal de estranhos.
Sou sincera… não julgo aqueles que seguem caminhos diferentes do nosso, cheguei ao ponto de ponderar o mesmo apesar de achar um ato de covardia, mas as nossas vidas eram um inferno na terra. Até o uso da aliança de casamento se tornara insuportável para mim. Foi nessa altura que me questionei sobre o que acontecera ao sentimento que me unira ao Filipe. Questionei-me sobre quais seriam os seus sentimentos para comigo. Teriam morrido? Felizmente tivemos maturidade para falar sobre nós, o que sofríamos em silêncio, e conseguimos salvar o nosso casamento. Nem sempre é fácil... o silêncio apodera-se de nós, perdemos a capacidade de exteriorizar os nossos sentimentos e criamos uma capa protetora que nos impede de a romper. Lembro-me de afastar os lábios mas de não conseguir emitir qualquer som, nem simples palavra, apenas gerava um turbilhão de monólogos no meu cérebro que parecia fazer-me explodir. Mas lembro-me também de me sentir feliz quando o meu marido esboçava um sorriso nos lábios, por qualquer razão, e logo de seguida se desvanecia, por outra razão qualquer. 
Muitas vezes só nos apercebemos do amor que temos por alguém quando o sentimos em perigo, pelas mais diversas razões, seja por doença, seja pela ausência, seja pelo que for que nos faça sofrer. Quando se vive tranquilamente não damos valor ao que temos, só quando o perdemos. Esta foi uma lição de vida que aprendemos com muito sofrimento mas que nos permitiu voltar a trilhar o caminho da busca da felicidade. Desengane-se aquele que julga que se é feliz sem lutar para sê-lo. A felicidade constrói-se, alimenta-se, acarinha-se. Todos podemos ser felizes mesmo que pensemos o contrário... basta abrir os olhos, reconhecê-la e trilhar os seus caminhos. Sejam felizes! 

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Parabéns, meu amor!


Hoje é o aniversário do Diogo, faz nove anos que o nosso filhote nasceu. Lembro-me, como se fosse hoje, das dores das contrações que no momento me atordoavam os sentidos e me tornavam um pouco resmungona. A minha mãe, com o intuito de me ajudar a tornar o momento mais suportável dizia "Calma, Ticha. Isso já vai passar..." e eu sentia-as a conquistar terreno e a tornar o meu corpo cada vez mais dorido. Eu tentava lutar contra elas mas de nada servia... tentava ignorá-las e de nada adiantava. Torcia-me toda. Cada contração que se seguia era mais forte, mais avassaladora. A determinada altura, doida com aquelas dores e ansiosa por ter o meu filho nos meus braços, arregalei os olhos e respondi "Mãe, já não te posso ouvir!". Cerca de duas horas mais tarde, a enfermeira parteira deu-me a boa notícia "Está na hora de ver o seu filho!". Passaram poucos minutos e nascia o Diogo, o meu tesouro. Foram-se as dores, esqueci-as imediatamente. Aquele momento, em que via o ser que albergava dentro de mim e só conhecia pelas ecografias, tornara-se o mais importante. Tornara-se o centro do meu mundo. Olhei para ele, tirei-lhe a fotografia mental, e peguei-o nos meus braços. Meu Deus! Como é bonito ser mãe!
Passaram nove anos... até custa acreditar. Nesta sua curta vida já travou batalhas muito dolorosas - sentiu-as na própria pele - mas venceu-as sempre com um sorriso nos lábios. Tem sido para nós, pais e família, um exemplo de luta e superação. Os obstáculos vão sucedendo-se e sendo ultrapassados, um de cada vez e ao seu ritmo. O meu filho é o meu herói, o herói de todos nós!
Muitas vezes, surpreendo-me e sou surpreendida, por quem me acompanha, a observá-lo... a admirá-lo... a pensar como poderia ser diferente a sua vida, mas por que razão? O meu filho é uma criança extremamente feliz! Tem uma vida completamente normal e não sofre quaisquer restrições. É livre! Corre, cortando o vento, salta e ultrapassa barreiras supostamente intransponíveis, desafia a ordem dos acontecimentos e dá luta à vida. É nele que nos revigoramos, que ganhamos forças para novos embates. O Diogo é o Sol que ilumina as nossas vidas, é o nosso farol em tempos turbulentos e a chama reconfortante que nos assegura que a vida vale a pena ser vivida, intensamente e simplesmente... e o meu maior desejo é que levante voo... voe bem alto ao sabor do vento. Voa, meu filho!

Parabéns, meu amor! Amo-te daqui até à Lua! 

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Deus escreve certo por linhas tortas...


O dia 17 de maio de 2012 marcou o início da compreensão, pelo Diogo, sobre o que era a epilepsia. Nesse dia regressámos a Lisboa para a consulta de neurocirurgia com a Dr.ª Clara Romero. Apesar de já ser do nosso conhecimento a realização da segunda cirurgia, ignorávamos todos os riscos que lhe estavam associados. 
O Diogo iria ao bloco por duas vezes. Numa primeira cirurgia, seria aberto o crânio e colocada uma rede de elétrodos intra cranianos para localização da displasia. Ficaria sob observação e a registar crises até ao dia da cirurgia propriamente dita, durante a qual se extrairia a porção da displasia que lhe causava as crises. O risco de desenvolver infecções seria muito elevado - o crânio já tinha sido aberto numa cirurgia anterior - e ficaria com fios a comunicar com o exterior durante alguns dias. Eram dadas como certas a ocorrência de sequelas nomeadamente a perda da visão do lado direito e a perda da linguagem, esta reversível com terapia. O quadro que nos foi apresentado foi realmente muito negro mas teríamos, mesmo assim, de avançar. Meu Deus!
Mantivemo-nos mudos na viagem de regresso. Eu sentia-me completamente confusa e reticente em aceitar tal prognóstico. O meu filho era uma criança incrível! Passara por tanto e teria de sofrer ainda mais... Seria isto o que desejávamos ao nosso menino? Pensava o que pesaria mais,... o que seria melhor para ele? Seria preferível continuar com as crises pela vida fora, dependente de medicação e com um desenvolvimento cognitivo comprometido, ou ficar sem elas e perder a visão? Apesar de ser uma sequela facilmente ultrapassada por quem a sofre e de ser, entre muitas outras, a mais desejável, eu não a queria para o meu filho. Muitas vezes me disseram “Existem casos piores do que o do Diogo" mas eu nunca vivi com a dor dos outros. Eu sou feliz por ver os outros felizes. É verdade que existem situações bem piores mas isso nunca me consolou nem consolará. Raio!... Eu nunca quis esta maldita epilepsia para o meu filho!
Com todo este turbilhão de pensamentos a assombrar-me, fui ainda a uma reunião de departamento na escola e o Filipe para o trabalho. O Diogo ficou nos avós onde já estava a mana. Quando a reunião terminou fui à minha mãe que se apercebeu do meu estado de espírito e questionou-me sobre a consulta. Respondi apenas que seria feita uma segunda cirurgia e estava cansada. 
A Laurinha adormeceu no caminho para casa e, por isso, ficou no carro enquanto eu adiantava o jantar. Deixara as portas do carro e do acesso à garagem abertas para ouvir o seu despertar que seria bem audível. E assim foi... "Diogo, a mamã vai à garagem porque a Laurinha acordou, não saias daí.” Quando me aproximei do carro, e comecei a libertar a minha filha da cadeirinha, apercebi-me de passos - era o Diogo. Meia dúzia de passos e fez-se silêncio. “Diogo! Estás bem?”. Silêncio. O meu cérebro deu o alerta de imediato, voltei a prender o cinto à Laura e corri para as escadas confirmando o meu maior receio. O Diogo fez uma crise e mergulhou pelas escadas. 
O quadro com que me deparei perseguiu-me durante muito tempo e foi difícil de esquecer. Encontrei o meu filho estendido nas escadas, de cabeça para baixo e braços abertos, ainda em crise. Nada fiz senão esperar pelo fim da crise e o Diogo, quando voltou a si sem saber o que tinha acontecido, desatou num pranto. Ao vê-lo a sangrar de um olho, não hesitei e peguei nele, coloquei-o na cadeirinha e arranquei para a minha mãe. Entreguei a Laurinha e disse que ia para as urgências pois o Diogo caíra nas escadas. Entretanto liguei ao meu marido e apanhei-o no trabalho. 
Em quatro anos de epilepsia nunca o Diogo sofrera um acidente. Sentia-me agoniada e temia pelo meu filho. Depois de ser devidamente examinado e de ter feito uma TAC saímos do hospital. Chegámos a casa de madrugada. Pouco falámos pelo caminho e, depois de deitar as crianças, concluímos que isto não era vida para o Diogo, teria mesmo de ser operado. Não dizem que “Deus escreve certo por linhas tortas?”. Não tenho dúvidas de que foi um sinal.
Algum tempo depois dava conhecimento do que sucedera à Dr.ª Manuela.

“Olá Dr.ª Manuela.
Já não lhe dava notícias há um tempinho... desculpe mas temos andado numa roda viva nas escolas.
No passado dia 17 de maio fomos com o Diogo à consulta de neurocirurgia, no hospital Francisco Xavier, com a Dr.ª Clara Romero. Informou-nos que a cirurgia desta vez será muito diferente da primeira. Vão colocar umas placas intra cranianas que irão localizar com mais precisão o foco e, quando forem removidas, este será extraído. Explicou-nos que o Diogo irá estar mais sujeito a complicações pois ficará mais tempo exposto e que será praticamente dada como certa a perda da visão no olho direito. Avisou-nos também que teríamos que ir a Lisboa fazer nova RM e que o Dr. Alberto, do Júlio de Matos, iria aprofundar o estudo da área envolvida. Foram notícias difíceis de assimilar... quando chegámos a Fafe o Diogo fez uma ausência acordado enquanto descia as escadas e acabamos o dia nas urgências do hospital de Guimarães. Teve que levar pontos numa orelha por tê-la rasgado na queda e fez uma TAC. Estava tudo bem, não fez qualquer traumatismo. Foi a primeira vez que o Diogo teve um acidente, em 4 anos de epilepsia. Desde então, tem feito crises predominantemente a dormir, apesar de ter tido uma ou outra acordado. O Diogo já tem consciência de que faz crises pois, depois de as fazer, diz-nos que tem dificuldade em respirar. Aproveitámos para explicar-lhe tudo sobre as crises, de uma maneira muito simples, de modo a que compreendesse o que se passava com ele e como deveria proteger-se.
Grata por tudo
Beijinhos,
Patrícia”

Admito que na viagem de regresso ponderei o que seria mais vantajoso para o meu filho, não fosse eu mãe, mas tive a resposta com a queda dele. A Dr.ª Manuela já nos vinha a preparar para todo este processo desde o início, por isso, ser-lhe-ei eternamente grata e mantenho a minha esperança de que o Diogo terá um dia o que merece, dentro do possível. Nós somos um poço de esperança e iremos onde for necessário pelo nosso filho. O Diogo também irá vencer pois, com sequela ou sem ela, nós estaremos cá para garantir que, dentro das suas limitações, será capaz de fazer o seu melhor.