Sou feliz, muito feliz!
De que serve comparar a minha felicidade à dos outros se todos nós seguimos diferentes
caminhos que, de um modo ou de outro, nos brinda com momentos inesquecíveis que
guardamos no baú das mais queridas recordações, e a minha felicidade é
unicamente da minha responsabilidade, não depende de mais ninguém?
Sou feliz como pessoa,
como mulher, como mãe. Sinto-me apoderada pela sensação de estar preenchida por
algo que não sei descrever… sinto o peito a transbordar. A razão? A minha
família que sempre me apoiou, o meu marido, companheiro e amigo, os amigos que
mesmo ausentes estão sempre presentes e os dois grandes amores da minha vida,
os meus maiores projetos, os meus filhos.
Aprendi que nada é
mais poderoso e valioso do que aquilo que me faz sentir feliz, tudo o resto é
de alguma forma dispensável.
Sou professora e adoro
sê-lo, apesar de ser mais uma entre milhares a lutar por um lugar ao Sol.
Como professora contratada,
todos os anos me sujeitava, e ainda o faço, aos famigerados concursos para
professores. São dias desgastantes em que colocamos o nosso futuro em simples
códigos de escolas, concelhos ou zonas, de norte a sul do país, por ordem
decrescente de preferências. É um tormento pois temos que aguardar pela
colocação e não sabemos como será a nossa vida no ano seguinte. Terei um
horário completo ou incompleto? Ficarei longe de casa? Como será com os meus
filhos? Estas são as perguntas que se destacam pois a seguir vêm todas aquelas
inerentes aos gastos e despesas. Todos os anos são diferentes, nesta perspectiva
não se sofre de tédio, mas sofre-se de ansiedade e incerteza pelos dias que
virão.
Depois de se ter
investido tantos anos na nossa formação, um punhado de senhores engravatados
pousaram algures pela capital e decidiram questionar a qualidade dos professores.
Pois eu também questiono a deles! Lembro-me de colegas que sentiram o reacender da
chama da esperança quando um professor, como nós, ocupou o cargo de Ministro da
Educação… coitados de todos nós! Nunca fomos tão maltratados! Até fomos sujeitos
a exames duvidosos… eu cá penso que este senhor tem uma obsessão qualquer por
exames, por que será? E como avaliar o trabalho de um professor se somos e
fazemos muito para além do que ele pensa ou julga?
Passámos a ser a
escumalha da sociedade, fomos quase reduzidos a pó, mas eu sou resistente como
outros tantos. E porquê? Porque adoro o que faço, sou um bichinho da sala de
aula, adoro contribuir para a formação dos meus alunos como indivíduos, adoro
as suas risadas às quais retribuo com caretas… adoro dar cambalhotas e fazer piruetas
mentais para adequar diferentes estratégias que se tornem produtivas e os ajude
a alcançar o seu sucesso. Sou doida? Se calhar! Se não o fosse já teria desistido.
Já passei por muitas
escolas, muitas terras e tive muitos alunos. E posso garantir-vos que me lembro
de todos. É engraçado que até sei o nome de alguns. Um dos que mais me marcou
foi o R., um rapaz que morava no concelho mais pobre do país e trabalhava no
campo com os seus pais, antes de ir para a escola. Era um aluno excelente.
Estava muito atento nas aulas, fazia os trabalhos de casa no autocarro e pouco
mais estudava pois os labores agrícolas não o permitiam. Quando nos despedimos,
no final do ano letivo, pedi-lhe que me prometesse que iria continuar no bom
caminho e ele, sorridente e seguro, assegurou-me que iria para a universidade
pois não queria ter uma vida como a dos seus pais - “Não quero acabar como
eles!”. O R. tinha uma vida muito dura. Levantava-se muito cedo para ajudar os
pais no campo. Chegava à escola exausto e com as unhas negras da terra que
remexera com as próprias mãos.
Numa outra escola, de
um concelho vizinho ao meu, marcou-me um outro rapaz que tive como aluno no
ensino recorrente. Sofria de uma doença degenerativa que se traduzia numa
cegueira progressiva. Estava quase cego, apenas vislumbrava sombras e fazia uso
de uma lupa para ler os testes que lhe fazia à mão pois as ampliações eram
inúteis.
As aulas já tinham iniciado, estávamos praticamente a meio do primeiro
período, quando a coordenadora me expôs a situação deste aluno que iria iniciar,
nessa mesma altura, as aulas. Explicou-me que tinha muitas dificuldades de
integração devido ao problema de saúde de que sofria e que deveria controlar a
sua assiduidade.
Lembro-me de me ter
cruzado com ele antes de entrar na escola para dar aulas à turma que seria
também a sua… “És o R., não és? Para onde vais? A escola fica para este lado,
vem comigo!”. Pelo caminho apresentei-me e expliquei como funcionavam as aulas.
Quando a campainha tocou, dirigi-me à sala com a dúvida de tê-lo lá, à espera…
mas lá estava ele. Nessa aula não dei qualquer matéria, falámos sobre as nossas
vidas, as dificuldades por que todos passávamos e o que pretendíamos fazer para
superá-las… quebrou-se o gelo e criaram-se laços. A integração do R. nunca foi
um problema ao longo do ano letivo, tornara-se o melhor aluno da turma e ganhara
asas para voar…
Por eles, alunos, sou
uma apaixonada pelo ensino e, apesar de a minha felicidade não depender diretamente
da escola, sinto um vazio enorme quando não posso entrar numa sala de aulas. Fiz
um percurso como professora que me enriqueceu tremendamente como profissional
mas sobretudo como pessoa. Ao longo dos anos ajudei a formar mas também aprendi
muito com todos os meus alunos. Marquei e fui marcada. Ser professor não é apenas dar mas também receber!
És uma excelente professora e uma pessoa muito especial, apesar das dificuldades, nos momentos piores consegues ver sempre o lado mais colorido. És uma inspiração para todos os que se cruzam contigo. Gosto muito de ti. Beijinhos
ResponderEliminarQuem és tu, b3? Agradeço as palavras amigas e, como sinto que te conheço, o sentimento é recíproco. Saberás que adoro ensinar e que faço-o com o coração. Beijinhos.
ResponderEliminarOlá riqueza, sou a tua colega Liliana que teve o prazer de trabalhar contigo em Fafe ;). Pensei que a mensagem vinha identificada.
ResponderEliminarNão vem identificada mas sabes que também gosto muito de ti!! Beijo grande e temos que nos voltar a encontrar!
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