segunda-feira, 28 de março de 2016

A minha teoria do caos


A nostalgia invade-me e recordo momentos que vivi - uns mais intensamente do que outros - e que me moldaram e fizeram de mim quem sou. Muitas vezes questiono-me da razão do meu ser. Muitas vezes questiono as escolhas feitas e os caminhos por mim percorridos. A necessidade de parar, fazer um balanço e afastar-me de mim - ver-me do outro lado - é benéfica pois revitalizo-me e fortaleço-me para novos embates.
Fui uma criança muito feliz,... uma adolescente naturalmente revoltada e inconformada,... uma jovem curiosa e sedenta de novas experiências... e agora sou mulher e mãe de duas crianças que me preenchem a vida e enchem a alma. Pelo caminho fiz escolhas que me conduziram até aqui, até este momento em que me sento e questiono "quem sou?".
Os últimos anos catapultaram-me por experiências dolorosas com as quais aprendi muito e enriqueci imenso. Questionar-se-ão "como é possível enriquecer com o sofrimento" e eu respondo "são aprendizagens que, sendo assimiladas, nos permitem evoluir" e como evoluí,... por vezes, nem me reconheço.
Acontece, com alguma frequência, ver um reflexo meu num vidro e não me identificar com aquele invólucro e penso "quem é aquela pessoa"? Outras vezes, enquanto falo com alguém, oiço a minha voz e penso que não é minha, que se encontra desfasada do meu ser. E mais uma vez questiono "quem sou eu"?
É engraçado... ocorrem-me frequentemente ideias - supostas explicações para estas interrogações, sendo uma delas a teoria do caos - e mais uma vez revelo-me como mulher das ciências. A teoria do caos é uma das leis mais importantes do Universo e defende que uma mudança insignificante no início de um qualquer acontecimento pode traduzir-se em consequências absolutamente desconhecidas no futuro. Assim sendo, esses acontecimentos são caóticos, completamente imprevisíveis. É espantoso como revejo na minha vida esta teoria.
Lembro-me de ser pequena e de ouvir a minha mãe contar histórias do colégio que frequentara em Luanda - um colégio de freiras que castigavam os alunos à moda antiga. Mais tarde, quando tive de optar entre tirar um curso de enfermagem, no Porto e numa escola de freiras, ou de Geologia, em Coimbra, essa recordação manifestou-se inconscientemente e o meu caminho foi traçado.
Houve momentos em que pensei que o caos se instalara na minha vida. Vivi momentos muito dolorosos e zanguei-me com Deus. Questionei os obstáculos que me colocava constantemente e, apesar de tudo, segui o meu caminho. Um caminho nem sempre claro - dei muitos passos na escuridão - mas segui sempre o meu coração e a minha intuição. Sei que era orientada por alguém - a minha avó - e que em cada porto seguro, depois de uma tempestade, interiorizava as experiências e tentava antecipar-me ao futuro, até que este deixou de ser caótico e mais previsível. 
Não tenho capacidade para adivinhar, nem sequer anseio tal, mas tenho uma força dentro de mim que me faz enfrentar a vida de cabeça erguida e determinação. E é, então, que me questiono novamente "quem sou"? De onde vem esta certeza de ter um caminho a percorrer, um destino a cumprir? Por que me cruzo com desconhecidos que me são familiares e todos desempenham um papel na minha vida? Por que razão me lembro de lugares que nada me dizem e, mais cedo ou mais tarde, tornam-se uma paragem no meu caminho? Uma certeza trago comigo - como que enraizada no meu mais profundo ser - esta vida é apenas uma passagem! Existe muito mais para além deste plano - chamo-lhe assim! - e sinto que aqueles que um dia vi partir estão novamente comigo. Cada dia sinto-o mais e eu quem sou no meio deste enredo? Sou uma alma que se recusa a envelhecer. Não me refiro às rugas vincadas no rosto ou às maleitas que começam a despertar... mas sim a esta vontade imensa de continuar a sonhar! 
E mais uma vez pergunto "afinal, quem sou eu"?

sábado, 5 de março de 2016

Nós e o Bullying


Quando o Diogo regressou da segunda cirurgia, com um atestado médico de 30 dias, recusou-se a ficar em casa. Tudo o que desejava era voltar a encontrar os amigos do infantário, conhecer os colegas novos e a senhora professora. Mesmo explicando que não podia - pois tinha sido uma operação complicada e não podia arriscar-se a bater com a cabeça - o meu filho suplicava-me para ir para a escola. Tanto insistiu que acabei por telefonar à Diretora da escola a solicitar uma reunião com a professora para se conhecerem. E assim foi... 
Reunimos na sala de aulas para o Diogo ser apresentado aos colegas. Pouco depois, saíram para o intervalo e o meu filho desapareceu também. Fiquei com receio mas logo me tranquilizaram pois as funcionárias da escola estavam a vigiá-lo e estava acompanhado por uma amiga especial que lhe mostrava os cantos da escola. Depois de contar a história do Diogo e explicar como agir em situação de crise, ficou combinado que poderia começar a frequentar as aulas de modo gradual: na primeira semana, aulas até ao intervalo da manhã; segunda semana, aulas até ao intervalo da manhã e intervalo da tarde; terceira semana, manhã e parte da tarde; quarta semana, o dia todo. A Dr.ª Clara proibira o meu filho de praticar qualquer desporto esse ano letivo, por isso, não assistia sequer às aulas de educação física. 
A adaptação à escola decorreu com tranquilidade. No fim das aulas, contava-me o que tinha feito na escola, com quem tinha brincado e pouco mais. Até que o pouco mais tornou-se um nada e começou a fazer crises no fim do dia. Não era possível tal estar a acontecer pois as crises eram menos frequentes desde a cirurgia e ocorriam apenas no período de sono. Algo se passava com o Diogo. Fiquei alerta.
Certo dia, e após alguma insistência minha, contou-me que um colega da turma se levantava todos os dias, várias vezes, passava por ele e dava-lhe uma sapatada na cabeça, "Está explicado!"
Apesar de muito se falar e publicar sobre bullying, descobri que pouco se sabe. Aprendemos muito quando o bullying entra em nossa casa, não com o que lemos ou ouvimos. Na altura questionei-me se a palavra bullying não seria muito forte para o que acontecia com o meu filho... Se perguntasse a opinião a alguém não duvido que me responderiam - "Achas? Isso é normal nos miúdos dessa idade! Não ligues."- pois!...
Para mim, bullying é tudo aquilo que perturba emocionalmente o Diogo, traduzindo-se num aumento de crises. E agora, o que fazer? Fui à escola e contei à professora o que se passava, de modo a que pudesse intervir caso se apercebesse de algo ou de modo a evitar que tal voltasse a acontecer, mas as crises não cessaram e o massacre psicológico continuava. Foi então que me apercebi que quanto menos reagisse, mais o meu filho se transformava numa vítima e fiz algo que nunca pensei ter de fazer... "Diogo, quando o teu colega voltar a bater-te, dá-lhe um murro na barriga para ele saber que também és forte. Mas com força! Se a senhora professora perguntar por que o fizeste, diz que foi a mãe que mandou."- remédio santo e as crises normalizaram.
Não me julguem pois não imaginam o quanto dói à criança e aos pais e garanto-vos que fariam o mesmo numa situação idêntica. Deus me perdoe mas nunca direi ao meu filho para oferecer a outra face! No mundo em que estamos, nunca!
No fim do mesmo ano letivo, fui alertada por um colega do meu filho que uns meninos do terceiro ano pretendiam fazer um tipo de emboscada para lhe tirarem o capacete que usava como proteção e verem o que tinha na cabeça. Fiquei doente, completamente transtornada. Como é possível as crianças serem tão cruéis? Pensei telefonar à tia do miúdo pois era minha conhecida... "Não, Patrícia! Não podes ser tu a resolver o problema, tem de ser o Diogo". Durante o fim de semana falei com o meu filho e disse-lhe: "Se te pedirem o capacete não te preocupes e empresta-o, não faz mal. Aproveita e pede o boné em troca."
E assim foi. Alguns dias mais tarde diziam-me: "O Diogo anda todo divertido nos intervalos a trocar o capacete por bonés".
O Diogo sofre de bullying esporádico, eu diria até bullying sazonal. Não é sistemático, ocorre no início de cada ano letivo e sempre praticado por alunos diferentes ou novos na escola. Sendo uma criança pacífica e infantil, que gosta de brincar com todos, torna-se um alvo fácil para aqueles que gostam de humilhar e obtêm satisfação com tal ação. Apesar de tudo, o meu filho adora a escola e vai aprendendo a lidar com as situações. Não é a mãe que resolve os seus problemas - é ele próprio - e não resolve sempre da mesma maneira. Vai adaptando-se e sabe o que é melhor para ele. 
Eu não gosto da palavra bullying mas ela existe e manifesta-se na vida do meu filho e, por isso, surgiu a necessidade de o ensinar a defender-se. O Diogo sabe que não é correto bater nos outros e que os problemas não se resolvem à pancada mas se tiver que fazê-lo para se defender, fá-lo. Acima de tudo, o Diogo sabe que deve socorrer outros e ajudá-los em situações idênticas. Não, não foi a mãe que lho disse, foi ele mesmo que o assumiu. E não seria mais fácil combater o bullying se outros fizessem o mesmo?