segunda-feira, 20 de julho de 2015

Deus escreve certo por linhas tortas...


O dia 17 de maio de 2012 marcou o início da compreensão, pelo Diogo, sobre o que era a epilepsia. Nesse dia regressámos a Lisboa para a consulta de neurocirurgia com a Dr.ª Clara Romero. Apesar de já ser do nosso conhecimento a realização da segunda cirurgia, ignorávamos todos os riscos que lhe estavam associados. 
O Diogo iria ao bloco por duas vezes. Numa primeira cirurgia, seria aberto o crânio e colocada uma rede de elétrodos intra cranianos para localização da displasia. Ficaria sob observação e a registar crises até ao dia da cirurgia propriamente dita, durante a qual se extrairia a porção da displasia que lhe causava as crises. O risco de desenvolver infecções seria muito elevado - o crânio já tinha sido aberto numa cirurgia anterior - e ficaria com fios a comunicar com o exterior durante alguns dias. Eram dadas como certas a ocorrência de sequelas nomeadamente a perda da visão do lado direito e a perda da linguagem, esta reversível com terapia. O quadro que nos foi apresentado foi realmente muito negro mas teríamos, mesmo assim, de avançar. Meu Deus!
Mantivemo-nos mudos na viagem de regresso. Eu sentia-me completamente confusa e reticente em aceitar tal prognóstico. O meu filho era uma criança incrível! Passara por tanto e teria de sofrer ainda mais... Seria isto o que desejávamos ao nosso menino? Pensava o que pesaria mais,... o que seria melhor para ele? Seria preferível continuar com as crises pela vida fora, dependente de medicação e com um desenvolvimento cognitivo comprometido, ou ficar sem elas e perder a visão? Apesar de ser uma sequela facilmente ultrapassada por quem a sofre e de ser, entre muitas outras, a mais desejável, eu não a queria para o meu filho. Muitas vezes me disseram “Existem casos piores do que o do Diogo" mas eu nunca vivi com a dor dos outros. Eu sou feliz por ver os outros felizes. É verdade que existem situações bem piores mas isso nunca me consolou nem consolará. Raio!... Eu nunca quis esta maldita epilepsia para o meu filho!
Com todo este turbilhão de pensamentos a assombrar-me, fui ainda a uma reunião de departamento na escola e o Filipe para o trabalho. O Diogo ficou nos avós onde já estava a mana. Quando a reunião terminou fui à minha mãe que se apercebeu do meu estado de espírito e questionou-me sobre a consulta. Respondi apenas que seria feita uma segunda cirurgia e estava cansada. 
A Laurinha adormeceu no caminho para casa e, por isso, ficou no carro enquanto eu adiantava o jantar. Deixara as portas do carro e do acesso à garagem abertas para ouvir o seu despertar que seria bem audível. E assim foi... "Diogo, a mamã vai à garagem porque a Laurinha acordou, não saias daí.” Quando me aproximei do carro, e comecei a libertar a minha filha da cadeirinha, apercebi-me de passos - era o Diogo. Meia dúzia de passos e fez-se silêncio. “Diogo! Estás bem?”. Silêncio. O meu cérebro deu o alerta de imediato, voltei a prender o cinto à Laura e corri para as escadas confirmando o meu maior receio. O Diogo fez uma crise e mergulhou pelas escadas. 
O quadro com que me deparei perseguiu-me durante muito tempo e foi difícil de esquecer. Encontrei o meu filho estendido nas escadas, de cabeça para baixo e braços abertos, ainda em crise. Nada fiz senão esperar pelo fim da crise e o Diogo, quando voltou a si sem saber o que tinha acontecido, desatou num pranto. Ao vê-lo a sangrar de um olho, não hesitei e peguei nele, coloquei-o na cadeirinha e arranquei para a minha mãe. Entreguei a Laurinha e disse que ia para as urgências pois o Diogo caíra nas escadas. Entretanto liguei ao meu marido e apanhei-o no trabalho. 
Em quatro anos de epilepsia nunca o Diogo sofrera um acidente. Sentia-me agoniada e temia pelo meu filho. Depois de ser devidamente examinado e de ter feito uma TAC saímos do hospital. Chegámos a casa de madrugada. Pouco falámos pelo caminho e, depois de deitar as crianças, concluímos que isto não era vida para o Diogo, teria mesmo de ser operado. Não dizem que “Deus escreve certo por linhas tortas?”. Não tenho dúvidas de que foi um sinal.
Algum tempo depois dava conhecimento do que sucedera à Dr.ª Manuela.

“Olá Dr.ª Manuela.
Já não lhe dava notícias há um tempinho... desculpe mas temos andado numa roda viva nas escolas.
No passado dia 17 de maio fomos com o Diogo à consulta de neurocirurgia, no hospital Francisco Xavier, com a Dr.ª Clara Romero. Informou-nos que a cirurgia desta vez será muito diferente da primeira. Vão colocar umas placas intra cranianas que irão localizar com mais precisão o foco e, quando forem removidas, este será extraído. Explicou-nos que o Diogo irá estar mais sujeito a complicações pois ficará mais tempo exposto e que será praticamente dada como certa a perda da visão no olho direito. Avisou-nos também que teríamos que ir a Lisboa fazer nova RM e que o Dr. Alberto, do Júlio de Matos, iria aprofundar o estudo da área envolvida. Foram notícias difíceis de assimilar... quando chegámos a Fafe o Diogo fez uma ausência acordado enquanto descia as escadas e acabamos o dia nas urgências do hospital de Guimarães. Teve que levar pontos numa orelha por tê-la rasgado na queda e fez uma TAC. Estava tudo bem, não fez qualquer traumatismo. Foi a primeira vez que o Diogo teve um acidente, em 4 anos de epilepsia. Desde então, tem feito crises predominantemente a dormir, apesar de ter tido uma ou outra acordado. O Diogo já tem consciência de que faz crises pois, depois de as fazer, diz-nos que tem dificuldade em respirar. Aproveitámos para explicar-lhe tudo sobre as crises, de uma maneira muito simples, de modo a que compreendesse o que se passava com ele e como deveria proteger-se.
Grata por tudo
Beijinhos,
Patrícia”

Admito que na viagem de regresso ponderei o que seria mais vantajoso para o meu filho, não fosse eu mãe, mas tive a resposta com a queda dele. A Dr.ª Manuela já nos vinha a preparar para todo este processo desde o início, por isso, ser-lhe-ei eternamente grata e mantenho a minha esperança de que o Diogo terá um dia o que merece, dentro do possível. Nós somos um poço de esperança e iremos onde for necessário pelo nosso filho. O Diogo também irá vencer pois, com sequela ou sem ela, nós estaremos cá para garantir que, dentro das suas limitações, será capaz de fazer o seu melhor.




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