quarta-feira, 8 de julho de 2015

Perdoa-me, mãe!


No rescaldo da cirurgia, ficámos desmoralizados e sentimo-nos frustrados. Aliás, foi assim que nos sentimos durante muito tempo. O pior foi começar a esconder o que sentíamos e a calar dentro de nós um enorme sentimento de frustração, nós já não funcionávamos como casal. Eu estava tão absorvida pelo trabalho que passara a ser a minha terapia… falava com os colegas sobre o Diogo, sobre o que se passara e como ficara abalada. Era o meu escape. O Filipe ficara para segundo plano, as necessidades do casal foram negligenciadas e os meus filhos absorviam-me quando estava em casa. O nosso casamento começava a acusar o cansaço e desgaste acumulado todos estes anos. Tínhamos apenas um denominador em comum – os nossos filhos.
O Diogo continuava com crises mas despertara para o mundo depois da cirurgia. Tornara-se mais sociável, mais conversador e andava muito bem-disposto. Superava as dificuldades ao seu ritmo, tinha consciência das suas dificuldades e aceitava a ajuda dos outros. O meu filho estava a crescer. 
A Laurinha era uma sardanisca muito malandra. Andava desde os oito meses e, desde então, não nos dava descanso. Depois de uma fase em que fazia otites superadas sucessivas, começou a fazer uma alimentação sem lactose, a pedido do especialista. Bebia leite, iogurtes, tudo sem lactose e as otites cessaram, pelo menos até ao inverno seguinte. Qual lactose, qual carapuça! Quando o Diogo foi chamado para a cirurgia, a Laurinha já ia na terceira otite sucessiva, fez a quarta enquanto estivemos em Lisboa. A minha mãe levou-a ao médico que receitou o quarto antibiótico… quando chegámos fez a quinta otite. Raio! Tanto antibiótico seguido só podia estar a diminuir as defesas do organismo da minha filhota. “Acabou, não toma mais antibiótico!” A verdade é que secou naturalmente o ouvido e, desde então, não fez mais otites. Começou a comer melhor e ganhou ainda mais defesas. Estava agora com dois anos e era o terror lá de casa.
Em janeiro, depois do segundo aniversário da Laurinha, trocava mails com a Dr.ª Manuela. O Diogo continuava com crises.
O ano de 2012 começara com uma única certeza, o Diogo voltaria a Lisboa para ser operado uma segunda vez. Os dias passavam a um ritmo lento. Eu assistia uma vez por semana à terapia ocupacional do Diogo, nas instalações da Cercifafe. Eram sessões muito úteis pois tinha a oportunidade de observar a Ana a trabalhar com o meu filho e vê-lo a corresponder na execução das tarefas. O Diogo começara a usar óculos aos três anos devido a astigmatismo combinado com hipermetropia. O estrabismo, que resultara da localização do foco epitalogénico, acentuava-se mais quando o Diogo descompensava em termos de crises mas era intermitente, isto é, afetava os dois olhos alternadamente. Esta intermitência era um bom sinal pois, caso não ocorresse, o olho tornar-se-ia preguiçoso e o meu filho corria o risco de ver o seu campo de visão diminuído. Apesar de tudo, ainda tinha alguma sorte do seu lado. 
A Laurinha desenvolvia-se muito rapidamente pois tinha um irmão mais velho que, inconscientemente, a estimulava constantemente. Gostava de ver os mesmos filmes e as mesmas séries de desenhos animados que conquistaram a predileção do mano mais velho. Brincava com carrinhos e só quando se cansava destes decidia pegar numa boneca à qual pintava a cara, a cabeça e despenteava artisticamente. Quando brincavam juntos faziam-se ouvir sem qualquer timidez.
Muitas foram as vezes que me surpreendi a pensar no amor que tinha pelos meus dois filhos. Recordei-me das inúmeras vezes que, em plena fase da adolescência, acusara a minha mãe “Tu gostas mais do meu irmão do que de mim!”. Será que um dia a minha filha me apontaria o dedo e diria o mesmo de mim? Essa possibilidade atormentava-me a alma, tal como atormentara a da minha mãe.
Quando eu e o meu irmão eramos ainda miúdos, tínhamos uma relação própria da diferença de idades e do facto de sermos de sexos opostos. O nosso passatempo preferido era implicar com o outro e eu, filha mais velha, era responsável por todas as malandrices que aquele pirralho fazia. O meu irmão era deveras irritante... Apercebi-me do quanto gostava dele quando adoeceu devido a uma bactéria que apanhara na piscina municipal e o atacara, deixando-o muito debilitado. A minha mãe chegou a pensar o pior. Agora passo pelo mesmo, como mãe. Naquela altura a minha mãe dizia-me amargurada pela minha acusação “Filha, um dia serás mãe e verás que é impossível gostar mais de um filho do que do outro”. Como a compreendo!

Perdoa-me, mãe! 


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