A noite foi de
temporal, chovia muito e o vento fustigava na janela do quarto. Debruçada no
parapeito, via as árvores a serem quase arrancadas do solo, a dobrarem-se
violentamente perante o seu carrasco, como pedindo perdão. A chuva
precipitava-se com raiva e chicoteava qualquer superfície que tocava. E eu sentia-me
amargurada. Não consegui dormir. Passei a noite a olhar para o meu filho, a
tentar perceber o que lhe acontecera e como chegara ali. Tentava imaginar o meu
filho sem crises e, pela primeira vez apercebi-me que pouco me lembrava dele
sem elas. Chorei, chorei e chorei… às sete e meia da manhã foi administrado o
antibiótico necessário para a cirurgia. A enfermeira apercebeu-se do estado em
que me encontrava e disse-me “Vai correr tudo bem, a Dr.ª Clara Romero é
espetacular. Não se preocupe e pense que é para o bem do seu menino.” Às oito
tomou a medicação e dei-lhe um banho para o desinfetar e preparar para o bloco
operatório, onde entrou às 8.45 da manhã. Estava sol e senti-me mais confiante.
Eu e o Filipe
acompanhámos o Diogo e foi-nos perguntado quem entraria com ele. Eu acusei-me
logo, mal sabia que me arrependeria mais tarde. Quando o Diogo me viu
completamente vestida de verde, apenas se viam os olhos, desatou aos gritos e a
chamar o pai. Juntos acompanhámos o nosso filho até à sala de operações para
ser anestesiado. Eu não consegui ficar até ao fim e saí rapidamente com os
olhos embargados de lágrimas. Pouco depois saiu o Filipe. Eu não conseguia
estancar os meus sacos lacrimais. As lágrimas corriam silenciosamente, como de
cataratas se tratasse, enquanto me agarrava a um terço e pedia a Deus que
guiasse as mãos da neurocirurgiã, que lhes desse muita firmeza para retirar
apenas o que fosse necessário, sem causar sequelas ao meu filho. Pedi só por
ela… Não pedi pelo meu filho pois sabia que um batalhão estava a fazê-lo.O meu primo Nuno
almoçou connosco no hospital. A sua amiga enfermeira telefonara a dizer que a
cirurgia estava a correr lindamente mas que ainda demoraria a terminar. Por
volta das 14 horas descemos até ao piso -1 e aguardámos à porta do bloco
operatório. Podíamos tocar à campainha do bloco para obtermos informações mas
preferimos não fazê-lo e conviver com a angústia que se tornara nossa companhia.
Pelas 15.30 abriu-se a porta e vislumbrámos a Dr.ª Clara Romero. A cirurgia
tinha corrido bem, o Diogo já estava acordado e chamara por mim. Explicou-nos
que não tirara a totalidade da displasia pois receava entrar na área da visão, seria
preferível recorrer a uma segunda cirurgia, caso fosse necessário. Senti algo
que não soube descodificar no momento… mas que se confirmaria ainda naquela
noite.
Pouco depois saía o
nosso filho completamente transtornado com uma touca de ligaduras na cabeça, da
qual saía um dreno que extraia o sangue que se acumulava no couro cabeludo. Já
no quarto de isolamento, acompanhados de médicos e enfermeiras, tentámos
acalmar o rapaz mas sem sucesso e, por isso, foi sedado. Dormiu umas horas e
quando despertou estava calmo. Fez crises durante a noite. Passadas 24 horas em
isolamento foi transferido para os cuidados intensivos da pediatria onde ficou
mais dois dias. Continuou a fazer crises durante o sono. Ao terceiro dia
recebemos a visita do Dr. Pedro Cabral. A intervenção cirúrgica terá sido muito
conservadora, até porque não desejavam causar sequelas ao Diogo, e tudo
apontava para a necessidade de uma segunda intervenção. Bem, aquela notícia não
foi fácil de digerir. O nosso filho tinha acabado de sair de uma operação e já
davam como certa uma segunda. O Diogo teve alta na sexta-feira, fazia-se
acompanhar de um punhado de agrafos na cabeça, mas regressaria daí a uns dias
para livrar-se deles.
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