sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Um pequeno milagre


Olhando para trás vislumbro sombras, fragmentos do que fui e não tornarei a ser. Não sou um monte de cacos partidos e colados na tentativa de recuperar o que já fui... simplesmente sou outra pessoa, muito diferente daquilo que alguma vez imaginei. Possuo demónios que, por vezes, me assombram mas nunca os deixo vencer. Apenas lhes permito mostrarem-se para me lembrar como cheguei aqui. Não me assustam pois devido à sua existência sou como sou.
Fazendo uma viagem no tempo quase posso sentir o sabor da descoberta por que tanto ansiava, a rebeldia da juventude e a liberdade com que traçava as linhas do meu futuro. Ai se eu pudesse imaginar o que seria o presente...
Sou muito mais feliz do que fui em algum momento da minha vida, apesar de já me ter considerado o oposto. Carinho, amizade e amor tenho o bastante. Quem me conhece sabe que não minto e não é o que procuro ou anseio neste momento. Considero-me feliz por fazer o que mais gosto! Sou professora e tenho um público que me ouve, que me toca e que consigo tocar. O facto de todos os anos ter uma escola nova tem o seu lado positivo, todos os anos são diferentes, não há monotonia nas minhas relações e enriqueço em experiências e partilha de saberes. Sou um sorvedouro de histórias.
Porém, o tempo passa. Mantenho-me equilibrada... mas falta-me algo. A vida é mesmo assim... ora navegamos águas tranquilas, ora enfrentamos tempestades e, neste momento, atravesso águas turbulentas, sem saber se me espera a serenidade ou o oposto.
Começou tudo em 2007. Temos um longo caminho percorrido e sei que continuamos longe do que desejamos. Por vezes sinto que as forças se vão. Há que parar e tentar encontrar soluções para as necessidades do nosso rapaz. Já arriscámos tanto! Arrepio-me quando recordo os termos de responsabilidade que tivemos de assinar antes das cirurgias. Os riscos, por mais dolorosos que fossem,  assumimos. Tudo pelo bem do nosso filho! 
Apesar de ter melhorado, as crises continuam durante o período de sono. Durante a noite o cérebro do Diogo entra em convulsão e o sono não é reparador. Acorda cansado e no fim de um dia de aulas sente-se exausto. Descobri há poucos dias que algo o preocupa... as crises noturnas e as notas dos testes. Imagino o receio que tem em ir para a cama. Sinto a sua desilusão com os resultados escolares. Não sou indiferente a estes pois sei que o seu bem estar também depende deles mas o que me incomoda é a sua auto estima que sai cada dia mais debilitada. Já lhe expliquei que importantes são as notas no final do ano letivo, até lá terá um caminho a fazer e que irá melhorar. E estaremos cá para ajudá-lo. Mas não é fácil! Dói-me a sua preocupação, dói-me o seu trabalho não ser compensado e o que mais me dói é o seu receio em ter crises durante o sono. Tudo isto se transforma, com o tempo, numa bola de neve. 
A segunda cirurgia foi há cinco anos. Pouco se alterou a condição da epilepsia do nosso filho. Apesar de serem em menor número, as crises não o deixaram em paz. O tempo passou e o Diogo tem noção de que as suas noites de sono não são tranquilas, sabe que faz crises e não gosta. Chegamos, por isso, a mais uma encruzilhada. Os químicos que toma, há mais de cinco anos, podem ser agora novidade para muitos mas não o são para nós. Neste aspeto, o Diogo esteve sempre na linha da frente. Assim, sentimos que há algo mais a fazer e não podemos ficar de braços cruzados. O nosso filho precisa de paz no seu sono! O nosso filho precisa de uma vida sem medos e é isto que me falta - um pequeno milagre para o meu filho!



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