sábado, 10 de outubro de 2015

Zanguei-me com Deus


A primeira cirurgia do meu filho foi uma frustração para todos mas para mim foi muito além disso. Lembro-me da esperança que depositávamos naquele acontecimento tão esperado e de me aperceber que pouco me recordava do meu filho antes da sua epilepsia se ter manifestado. O cérebro humano é deveras interessante. Apercebi-me que este acontecimento marcou-me tão profundamente que registei mentalmente todos os acontecimentos e conversas, desde o primeiro dia de pesadelo, e gravei a sucessão de acontecimentos e sentimentos envolvidos de modo irreversível. Nos dias que antecederam a cirurgia, tentava imaginar o meu filho sem as crises... como se transformariam as nossas vidas... A verdade? Não tive uma única visão nítida desse sonho que tanto ansiava que se tornasse realidade. Talvez já soubesse muito secretamente que tal não aconteceria. Agarrei-me a um terço que a minha mãe me trouxera de Fátima e rezei. Pedi a Deus que concedesse esta graça ao meu filho e que permitisse que o Diogo tivesse uma vida normal sem crises.
O Diogo foi internado num domingo e na manhã seguinte iria ao bloco. Não dormi. Chorei e rezei. Pedi imenso por ele e pedi a Deus que me desse forças para conseguir lidar com as emoções avassaladoras que se apoderavam de mim. O meu cérebro não parava... os pensamentos sucediam-se ininterruptamente, em turbilhão, e sacudia a cabeça para afastar os maus pensamentos, aqueles que representavam os meus medos e os piores cenários da cirurgia. Espantava-os!
Começou a nascer o dia e iniciei os preparativos para o meu querido filho ir para o bloco onde tudo poderia mudar. O meu mundo desabou quando as portas do bloco se fecharam e o deixei nas mãos da neurocirurgiã. Desse momento em diante comecei a rezar apenas por ela. Pedia a Deus que lhe desse segurança e firmeza nas mãos e clareza de raciocínio para colocar o bem-estar do meu filho acima de tudo. Não pedia mais e muitos eram aqueles que intercediam pelo meu menino, muitos!
Foram muitas horas de sofrimento, de uma angústia capaz de nos levar à loucura, para continuar quase tudo como até então. Foi então que me zanguei, zanguei-me com o meu Deus pois o meu filho era merecedor de um desfecho diferente. Afastei-me. Não voltei a rezar desde então. As palavras das orações que me ensinaram em criança soavam ocas, sem sentido ou significado, por isso, questionava-O - "Porquê? O meu filho não merecia outro destino? Que mal esta criança Te fez?".
A minha revolta reapareceu e eu sentia que começava a destruir-me lentamente. Como é possível que aquele Deus misericordioso, de que a minha avó Aida me falava, tenha esquecido o meu filho? O que nos destinaria? Parecia que brincava com as nossas vidas, que as provações por que passávamos eram insuficientes e, por isso, podíamos continuar a percorrer labirintos que não nos conduziam a lado algum. Sofri em silêncio, chorei e gritei longe de tudo e de todos... Quando as lágrimas secaram e os gritos se tornaram mudos, organizei a minha sanidade mental e dediquei-me aos meus filhos como se não houvesse um amanhã. Todos os dias lhes dizia "A mamã ama-vos muito!" e vou ao fim do mundo por eles. As feridas foram curando-se com o tempo...
E o tempo passou... mas a minha relação com Deus desmoronou.



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