terça-feira, 13 de outubro de 2015

Furacão Laurinha


A epilepsia do meu filho manifestou-se aos vinte e um meses da sua existência. Nessa altura preparava-me para ser mãe pela segunda vez. Durante o internamento no hospital Maria Pia, em conversa com uma enfermeira muito querida e dedicada às crianças, confidenciei-lhe os preparativos e como me assustava a ideia, perante o pesadelo que vivíamos. "Não, mãe! Nem sequer pense nisso agora! Mesmo que consiga engravidar, duvido que leve a gravidez a termo...". Foram estas palavras que ecoaram nos meus pensamentos durante as noites mal dormidas em que registava as crises do meu filho, espaçadas por apenas alguns minutos. Durante o dia não parava com ele e, apesar de tomar um banho logo de manhã, chegava exausta à noite e a precisar de outro que improvisava com uma pequena bacia e toalhas facultadas generosamente pelas enfermeiras. O meu filhote não parava por um minuto! Foram tantas as vezes que percorri os corredores daquela enfermaria que decorei os desenhos tão deliciosamente pintados para as crianças. Gastei as suas personagens com as histórias que inventava para sossegar o rapaz, contava-os e escondia-os com a palma da mão para que o Diogo adivinhasse quem estava escondido e ele adivinhava. Tantas foram as vezes que observámos aquelas paredes, eu e o Diogo.
Quando teve alta, já me mentalizara em esquecer uma possível gravidez. O Diogo tinha uma epilepsia refractária e precisava de toda a nossa atenção. 
Entre várias associações de fármacos foi descoberta a tal - aquela que, apesar de não anular as crises, as remeteu somente para o período noturno. Com o tempo e muita pesquisa, compreendemos melhor a epilepsia e tínhamos esperança de voltar a viver dias mais felizes. 
Cerca de um ano mais tarde voltei a pensar numa segunda gravidez. O Diogo só tinha crises durante o período da noite, era vigiado e as nossas vidas estavam mais calmas devido às rotinas que já interiorizáramos. A minha vontade de voltar a ser mãe crescia, de dia para dia, e o Diogo precisava de um irmão. Era mimado por todos, tornara-se o centro de todas as atenções e estava na altura de aprender a partilhar. 
Eu já sabia o sexo do meu segundo filho muito antes de este ser confirmado pela ecografia. Mais uma vez as coincidências se concretizavam na minha vida. A minha avó avisara-me da gravidez do Diogo com um sonho que tivera. Nesse sonho deram-lhe um recado da minha tia Teresa... - "estava a preparar a menina para a Ticha e seria muito parecida com o pai". É verdade, quando vos contei o sucedido omiti a menina e o resto. Desculpem mas perdia a graça.
Estava grávida de uma menina que receberia o nome de Laura e se tornaria uma criança tão rebelde quanto aquela que a preparara para ser minha filha. Chamem-me louca, o que quiserem, mas a minha tia Teresa amadrinhou bem a minha filha. Tal como a minha tia, a Laurinha tornou-se um furacão nas nossas vidas, com uma rebeldia sem explicação e uma teimosia precoce que a caracterizam. A acompanhar estas características combina-se um sorriso maravilhoso, hipnotizante, que conquista tudo e todos. É de extremos, para a Laurinha não existe o meio termo e impera o "Quero, é meu!".
Apesar de correr tudo bem durante a gravidez, esta foi muito difícil para mim pois duvidava da minha capacidade de continuar a prestar a atenção de que o Diogo tanto precisava e partilhá-la de igual modo com o meu novo rebento. Martirizava-me a ideia de um dos meus filhos ser prejudicado. Chorei durante nove meses, todos os dias.
No dia de Reis de 2010 nascia a minha princesa. Foi uma bebé muito sossegada mas pregou-me um grande susto, logo aos vinte dias de vida, devido a uma bronquiolite. Ficou internada durante uma semana pois era muito pequenina e rapidamente poderia dar-se uma evolução para pneumonia. Mais tarde vieram as otites sucessivas. Realmente não tive descanso por muito tempo.
Aos oito meses já andava e trepava tudo. Nunca pediu para lhe dar algo que desejava, quando me apercebia já o tinha na sua posse. Aos três anos começou a imitar as crises do mano mais velho. Porquê? Não precisei de pensar muito... quando chamava pela mamã ou pelo papá costumava receber como resposta um "Já vou, Laurinha" mas tardávamos em ir... Já as nossas respostas às solicitações do Diogo eram imediatas. Certo dia, a Laurinha chamou por mim e, mais uma vez, recebeu como resposta um "Já vou, Laurinha". Não se fez de rogada e atirou-se para o chão imitando uma crise de epilepsia, tal como as do mano. Quando me deparei com tal cenário fiquei perplexa e imóvel - "Meu Deus, a minha filha?...". Foi então que a piolha abriu sorrateiramente um olho e apercebi-me que era encenação. Aprendi logo a lição!
A Laurinha foi uma lufada de ar fresco e, entre o quase levar-nos à loucura e o derreter-nos de felicidade, revirou as nossas vidas do avesso - ela é o nosso furacão Laurinha!

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