Os dias decorriam entre as atividades na escola e a minha vida familiar. De manhã deixava o Dioguinho no infantário e, à tarde, a avó apoderava-se dele até eu chegar. Depois era todo nosso! O dia 7 de maio de 2008 parecia igual a tantos outros dias… mas o seu fim marcaria um novo capítulo e esta maré de calmaria seria assolada por uma tempestade que reviraria do avesso a nossa existência.
Quando cheguei a Fafe, depois de um dia de aulas normal, fui ter com a minha mãe.
O Dioguinho adormecera, coloquei-o cuidadosamente na cadeira do carro e dirigi-me a casa. Jantámos e, como o rapaz continuava a sua sesta, o meu marido foi tomar café e fazer umas compras de última hora a meu pedido. O sossego foi perturbado pelo despertar turbulento do Diogo. Fez uma birra monumental, algo que já previa dado a hora tardia, mas algo surrealista: não permitia que lhe tocasse, de braços rígidos e esticados ao longo do tronco, gritava desesperadamente. Sempre que me tentava aproximar, repudiava-me, completamente enraivecido. Demorou cerca de meia hora a acalmar e quando consegui pegar nele ao colo, aconteceu! O meu filho ficou inerte, sem qualquer reação e de olhos esbugalhados e fixos. Parecia morto! Desesperada e totalmente dominada pelo pânico, levantei-me com ele nos braços, abanei-o, bati-lhe no rosto, chamei por ele… e ele não reagia. “Meus Deus, não deixes que o meu filho morra nos meus braços!”. Estava só, não sabia o que fazer e apenas repetia “Meus Deus, não deixes que o meu filho morra nos meus braços!”.
Quando cheguei a Fafe, depois de um dia de aulas normal, fui ter com a minha mãe.
O Dioguinho adormecera, coloquei-o cuidadosamente na cadeira do carro e dirigi-me a casa. Jantámos e, como o rapaz continuava a sua sesta, o meu marido foi tomar café e fazer umas compras de última hora a meu pedido. O sossego foi perturbado pelo despertar turbulento do Diogo. Fez uma birra monumental, algo que já previa dado a hora tardia, mas algo surrealista: não permitia que lhe tocasse, de braços rígidos e esticados ao longo do tronco, gritava desesperadamente. Sempre que me tentava aproximar, repudiava-me, completamente enraivecido. Demorou cerca de meia hora a acalmar e quando consegui pegar nele ao colo, aconteceu! O meu filho ficou inerte, sem qualquer reação e de olhos esbugalhados e fixos. Parecia morto! Desesperada e totalmente dominada pelo pânico, levantei-me com ele nos braços, abanei-o, bati-lhe no rosto, chamei por ele… e ele não reagia. “Meus Deus, não deixes que o meu filho morra nos meus braços!”. Estava só, não sabia o que fazer e apenas repetia “Meus Deus, não deixes que o meu filho morra nos meus braços!”.
As chaves do carro
estavam na mesa da entrada, peguei nelas… dirigi-me para a porta da garagem e
um turbilhão de pensamentos apoderou-se de mim… “vou, não vou?”, “Se sento o meu
filho na cadeira como o posso socorrer? E se fico aqui como o vou ajudar?”.
Andei como uma barata tonta, vezes sem conta, entre a porta da sala e a da
garagem, sempre a chamar pelo meu filho “Diogo, a mamã está aqui, filho… olha
para a mamã…”. Gritei “Meu Deus, ajuda-me!”. Foi então que o Diogo voltou a si
meio atordoado e como se nada tivesse acontecido. Abraçou-me.
O Filipe chegou logo
de seguida. Pedi-lhe que pegasse no nosso filho e caí no sofá, sem força nas
pernas que tremiam como varas verdes. Ficara despojada de todo e qualquer tipo
de força. O corpo doía-me. Perplexo e desconhecedor do que acontecera, o Filipe
esperou que me acalmasse e ouviu-me. Tranquilizou-me e ambos acabámos por
associar racionalmente o episódio a uma crise de choro.
O Diogo parecia bem
mas como não quis jantar, dei-lhe uma papa e preparei-o para dormir. Subi para
o quarto e deitei-o. Pouco depois de adormecer, apercebi-me de uma alteração na
sua respiração acompanhada de um curto gemido, tão curto que quando acendi a luz
do candeeiro já não ouvia nada senão a respiração tranquila do meu filhote.
Passei a noite irrequieta, com o coração apertado, mas na manhã seguinte
levei-o para o infantário. Alertei a educadora, a Isabel, do que acontecera e
pedi que estivesse atenta e me telefonasse caso se repetisse. O dia passou e, à
noite, jantámos na minha tia Ilda pois festejávamos o seu aniversário. E voltou
a acontecer… por três vezes. Estávamos à mesa e o Diogo ao colo da avó. De
repente inclinou-se como se mergulhasse no vazio, de olhos esbugalhados e sem
reação. Eu, a minha tia e a minha mãe levantámo-nos de rompante e tentámos
estimulá-lo, abanando-o e tocando no seu rosto inanimado e o Diogo despertou
passado segundos. Escusado será dizer que dormi com ele nessa noite para o
vigiar.
Na manhã seguinte,
apesar de o levar para o infantário, não fui trabalhar. Fiquei em casa e fui
fazer uma pesquisa na net. Inseri os sintomas e obtive as respostas, AUSÊNCIA e
EPILEPSIA. Telefonei imediatamente ao pediatra “Sr. Doutor, acho que o meu
filho está a fazer ausências.” Do outro lado questionou-me sobre o que me
levava a chegar a essa conclusão e eu descrevi o que acontecera. “Está com o
Diogo? Traga-o já às urgências do hospital pois precisa de ser observado.”
Assim fiz. Preparei o malote com um pijama, uma garrafa de água, leite e
bolachas. Coloquei também os produtos de higiene. Porquê? Porque eu sabia que o
meu filho ia ficar internado!
Depois de passar pelo
infantário e ter explicado tudo à Isabel, passei pelo local de trabalho do
Filipe e seguimos em silêncio para Guimarães. Enquanto observavam o Diogo,
questionavam-me sobre as ausências, se existiam casos de epilepsia na família,
se tinham ocorrido quedas… algo que os conduzisse a uma causa. Não! Pediram
então uma TAC e que tentássemos adormecer a criança. Mas o Diogo não gostava de
sentir-se preso, começou a ficar extremamente agitado e a fazer mais ausências,
espaçadas de muito pouco tempo. Como não adormecia, o médico aconselhou uma
anestesia. Enquanto aguardava no corredor pela conclusão da TAC, o pediatra do
Diogo veio falar comigo e explicar que faziam o despiste a traumatismos e
tumores pois era desconhecida a causa da epilepsia do meu filho.
Pela primeira vez na
minha vida senti uma angústia insuportável. As lágrimas correram
silenciosamente dos meus olhos como uma torrente. Completamente perdida com a
sucessão de acontecimentos dos últimos dois dias, deambulava pelo corredor como
se procurasse uma saída para toda esta confusão e, por mais que a procurasse,
mais perdida me sentia. Depois de terminada a TAC regressei com o Diogo para a
urgência pediátrica e esperámos pelo resultado. “Nada de traumatismos, nem
tumores. Está tudo bem. Vão subir”. O Diogo já tinha feito 32 ausências desde a
sua entrada no hospital.
Durante o dia
recebemos imensas chamadas nos telemóveis. Não atendemos todas. Não tínhamos
forças para repetir vezes sem conta o que nos estava a acontecer. Falei com a
Isabel, educadora do nosso filho. Estava angustiada e eu expliquei o que se
passava e o que iria ainda acontecer. O Diogo não voltaria ao infantário nas
próximas semanas… mas assegurei que seria mantida a par da situação. Os meus
pais partilhavam o nosso desespero e sofriam pelo primeiro neto mas nós pouco
lhe podíamos avançar para além daquilo que nós próprios sabíamos. Os amigos
também ligavam mas apenas falávamos com a Susana e a Sílvia que desde sempre
partilharam connosco as nossas alegrias e desalentos. Elas encarregar-se-iam de
informar os restantes.
Subimos para o internamento e foi-nos pedido que
informássemos a enfermeira de cada ausência feita. E assim foi. Poucos minutos
passavam entre ausências e lá ia eu bater à porta assinalá-las. A determinada
altura apercebi-me de que uma das enfermeiras duvidava de mim. Será possível
uma mãe mentir em relação a algo idêntico? Comentei com o meu marido e na manhã
seguinte começámos a filmar as ausências, até porque não sabíamos se algo nos
escaparia na descrição das mesmas e começavam a manifestar-se de forma
diferente. Grupos de médicos passavam pela enfermaria e questionavam-nos sempre
sobre o mesmo, começámos a sentir-nos autênticos papagaios. Mais tarde, na
passagem de turnos, a dita enfermeira perguntou-me se o Diogo tinha feito mais
alguma crise desde a manhã e eu respondi “Sim, senhora enfermeira. Estão todas
registadas aqui” e entreguei-lhe a máquina. “Eu não sou maluca!”
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminarOlá, Neno. O meu filho tem uma epilepsia refratária. Fez duas cirurgias mas continua refratário. A medicação atenua o número de crises, que inicialmente era uma média de 60 por dia, e só as faz a dormir. Tem sido uma luta diária que tenho registado nos textos que escrevo no blog mas o Diogo tem somado muitas vitórias. Obrigada por nos ler.
Eliminar