Como já disse,
acredito que existe uma vida para além desta. A principal responsável é a minha
avó pois semeou essa crença que se enraizou dentro de mim. Já perdi muitos
familiares, muito queridos, que marcaram a minha vida devido aos seus percursos
e experiências de vida, por isso, também já sofri muito com as suas perdas. No
entanto, tenho facilidade em fazer o luto pois, apesar de nos separarmos
fisicamente, ligo-me a eles espiritualmente. Quando as saudades me conquistam
falo com eles, peço-lhes conselhos e orientação, reflito sobre o meu percurso e
obtenho paz de espírito.
Casei-me em maio de
2004 e fi-lo pois sentia que a minha avó não ficaria muito mais tempo connosco.
Mas a minha tia Teresa, filha do meio, partiu primeiro. Foi uma perda muito
grande, um choque para todos nós. Era uma mulher que transbordava de vida, com
um sentido de humor excelente e expressividade arrebatadora. A doença,
desconhecida pela comunidade médica, foi de tal modo avassaladora que, aos
poucos, a sua vida esvaía-se e ela, incapaz de vencê-la, desistia lentamente.
Os órgãos foram falhando até que o motor da sua existência parou para sempre.
Tinha 51 anos.
Um ano após o meu
casamento sofria a perda inesperada da minha tia Teresa e o tormento de dar a
notícia à minha avó Aida. É indescritível a dor de uma mãe perante a notícia da
perda de um filho. Senti que rasgara o coração da minha avó e lhe infligira uma
dor dilacerante. A partir desse dia, a minha avó começou a desistir da vida.
Viúva há 30 anos, e convicta de que a família terrígena era unida, cedeu às
saudades pelos que já nos tinham deixado, mas não partiria sem ver um bisneto,
decidira eu.
O Diogo foi uma
criança extremamente desejada, por mim e por todos, e chegou na altura certa. A
bisa ainda lhe deu colo e cerca de
mês e meio mais tarde partiu. Sofri muito com a perda da minha tia mas a minha
avó fora uma segunda mãe para mim.
A minha tia estava
ausente, vivia em Lisboa e, apesar de ter sido muito importante na minha adolescência,
estava longe. O luto foi facilitado pela distância geográfica pois, apesar de
saber que tinha partido, sentia-a apenas distante.
A vida da minha avó
estava por um fio, eu sentia-o. Já no hospital e a recuperar de uma cirurgia
feita de urgência, via-a fraquinha mas com o olhar maternal e doce que parecia
dizer-me “Chegou o meu dia”. Eu sabia que era a sua vontade mas também sabia
que não queria partir só e num hospital. Senti-me angustiada e pedi à minha mãe
que fosse ao hospital na manhã seguinte para falar com o médico. Foram as duas
filhas mas apenas subiu a mais velha, a minha mãe. Depois de falar com o médico
e de este lhe ter dito que a mãe se encontrava a recuperar bem mas que o
coração estava fraquinho, a filha aniversariante dirigiu-se ao quarto. Abraçou
a progenitora, beijou-a e a minha avó sucumbiu nos seus braços. Recebi a
notícia por telefone. Era o meu tio Lito. “A tua tia e a tua mãe estão em
Guimarães, a tua avó morreu”. Silêncio. O Diogo tinha mês e meio e era um bebé
que chorava muito. Nesse momento tinha-o ao colo e eu chorava mais do que ele.
Depois de um percurso
escolar imaculado, em plena fase da parvalheira, concorri à universidade. Quis
o destino que escolhesse entre enfermagem, no Porto, e a licenciatura em
geologia na Universidade de Coimbra. Era adolescente e tinha duas paixões:
ajudar os outros e os calhaus. Entre tirar um curso num colégio de freiras e
outro em Coimbra, famosa pelas Queimas das Fitas, qual terá sido a minha
decisão? Pois é, sou professora de biologia e geologia. Estudei calhaus, agora
ensino aos meus alunos aquilo que tanto gosto, mas posso contribuir com algo
mais pois o ensino passa não só por disparar matéria mas também formar os
nossos jovens para a vida.
Conheci o Filipe, meu
marido, em Coimbra. Era meu vizinho e estudava economia. Namorámos 12 anos e,
depois de adiarmos o casamento sempre à espera da minha estabilidade
profissional, decidimos dar o grande passo. Casei-me com 30 anos.
O instinto maternal
atingia o pico e a vontade de dar um bisneto à minha avó ajudou-me a
ultrapassar a precariedade profissional. Fui à ginecologista e depois de um OK
da parte dela “pusemos mãos à obra”.
Soube que estava
grávida cerca de 8 dias após a concepção. Um fim de semana, como tantos outros,
fui passar a tarde com a minha avó que me recebeu com um grande sorriso e uma
confidência. “Sabes, Ticha, hoje sonhei com aqueles que já partiram. Só não
falei com a tua tia Teresa mas ela mandou dizer-me que estava a preparar o bebé
para ti…”. Seria possível? Não!... Mas aquela mensagem não me saía da cabeça.
No dia seguinte, segunda-feira, dirigi-me até uma farmácia e comprei um teste
de gravidez. Pensei “Que patetice, Patrícia… não pode ser, vai dar negativo”.
Pois bem, cheguei a casa, li as instruções, fiz o teste e aguardei… espreitei e
vi o resultado. POSITIVO. Nada fiz, nada disse e aguardei a falta da
menstruação.
Nesse Natal combináramos não fazer distribuição de prendas,
por isso, eu e o meu marido fotocopiámos a primeira ecografia e oferecemo-la
dentro de um envelope na noite de véspera de Natal. Foram todos apanhados de
surpresa e ficaram espantados a olhar para aquele pedacinho de papel. Apenas a
minha avó falou mais alto e disse “A Ticha está grávida!”.
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