quarta-feira, 13 de maio de 2015

"A Ticha está grávida"


Como já disse, acredito que existe uma vida para além desta. A principal responsável é a minha avó pois semeou essa crença que se enraizou dentro de mim. Já perdi muitos familiares, muito queridos, que marcaram a minha vida devido aos seus percursos e experiências de vida, por isso, também já sofri muito com as suas perdas. No entanto, tenho facilidade em fazer o luto pois, apesar de nos separarmos fisicamente, ligo-me a eles espiritualmente. Quando as saudades me conquistam falo com eles, peço-lhes conselhos e orientação, reflito sobre o meu percurso e obtenho paz de espírito.
Casei-me em maio de 2004 e fi-lo pois sentia que a minha avó não ficaria muito mais tempo connosco. Mas a minha tia Teresa, filha do meio, partiu primeiro. Foi uma perda muito grande, um choque para todos nós. Era uma mulher que transbordava de vida, com um sentido de humor excelente e expressividade arrebatadora. A doença, desconhecida pela comunidade médica, foi de tal modo avassaladora que, aos poucos, a sua vida esvaía-se e ela, incapaz de vencê-la, desistia lentamente. Os órgãos foram falhando até que o motor da sua existência parou para sempre. Tinha 51 anos.
Um ano após o meu casamento sofria a perda inesperada da minha tia Teresa e o tormento de dar a notícia à minha avó Aida. É indescritível a dor de uma mãe perante a notícia da perda de um filho. Senti que rasgara o coração da minha avó e lhe infligira uma dor dilacerante. A partir desse dia, a minha avó começou a desistir da vida. Viúva há 30 anos, e convicta de que a família terrígena era unida, cedeu às saudades pelos que já nos tinham deixado, mas não partiria sem ver um bisneto, decidira eu.
O Diogo foi uma criança extremamente desejada, por mim e por todos, e chegou na altura certa. A bisa ainda lhe deu colo e cerca de mês e meio mais tarde partiu. Sofri muito com a perda da minha tia mas a minha avó fora uma segunda mãe para mim.
A minha tia estava ausente, vivia em Lisboa e, apesar de ter sido muito importante na minha adolescência, estava longe. O luto foi facilitado pela distância geográfica pois, apesar de saber que tinha partido, sentia-a apenas distante.
A vida da minha avó estava por um fio, eu sentia-o. Já no hospital e a recuperar de uma cirurgia feita de urgência, via-a fraquinha mas com o olhar maternal e doce que parecia dizer-me “Chegou o meu dia”. Eu sabia que era a sua vontade mas também sabia que não queria partir só e num hospital. Senti-me angustiada e pedi à minha mãe que fosse ao hospital na manhã seguinte para falar com o médico. Foram as duas filhas mas apenas subiu a mais velha, a minha mãe. Depois de falar com o médico e de este lhe ter dito que a mãe se encontrava a recuperar bem mas que o coração estava fraquinho, a filha aniversariante dirigiu-se ao quarto. Abraçou a progenitora, beijou-a e a minha avó sucumbiu nos seus braços. Recebi a notícia por telefone. Era o meu tio Lito. “A tua tia e a tua mãe estão em Guimarães, a tua avó morreu”. Silêncio. O Diogo tinha mês e meio e era um bebé que chorava muito. Nesse momento tinha-o ao colo e eu chorava mais do que ele.
Depois de um percurso escolar imaculado, em plena fase da parvalheira, concorri à universidade. Quis o destino que escolhesse entre enfermagem, no Porto, e a licenciatura em geologia na Universidade de Coimbra. Era adolescente e tinha duas paixões: ajudar os outros e os calhaus. Entre tirar um curso num colégio de freiras e outro em Coimbra, famosa pelas Queimas das Fitas, qual terá sido a minha decisão? Pois é, sou professora de biologia e geologia. Estudei calhaus, agora ensino aos meus alunos aquilo que tanto gosto, mas posso contribuir com algo mais pois o ensino passa não só por disparar matéria mas também formar os nossos jovens para a vida.
Conheci o Filipe, meu marido, em Coimbra. Era meu vizinho e estudava economia. Namorámos 12 anos e, depois de adiarmos o casamento sempre à espera da minha estabilidade profissional, decidimos dar o grande passo. Casei-me com 30 anos.
O instinto maternal atingia o pico e a vontade de dar um bisneto à minha avó ajudou-me a ultrapassar a precariedade profissional. Fui à ginecologista e depois de um OK da parte dela “pusemos mãos à obra”.
Soube que estava grávida cerca de 8 dias após a concepção. Um fim de semana, como tantos outros, fui passar a tarde com a minha avó que me recebeu com um grande sorriso e uma confidência. “Sabes, Ticha, hoje sonhei com aqueles que já partiram. Só não falei com a tua tia Teresa mas ela mandou dizer-me que estava a preparar o bebé para ti…”. Seria possível? Não!... Mas aquela mensagem não me saía da cabeça. No dia seguinte, segunda-feira, dirigi-me até uma farmácia e comprei um teste de gravidez. Pensei “Que patetice, Patrícia… não pode ser, vai dar negativo”. Pois bem, cheguei a casa, li as instruções, fiz o teste e aguardei… espreitei e vi o resultado. POSITIVO. Nada fiz, nada disse e aguardei a falta da menstruação.
Nesse Natal combináramos não fazer distribuição de prendas, por isso, eu e o meu marido fotocopiámos a primeira ecografia e oferecemo-la dentro de um envelope na noite de véspera de Natal. Foram todos apanhados de surpresa e ficaram espantados a olhar para aquele pedacinho de papel. Apenas a minha avó falou mais alto e disse “A Ticha está grávida!”.

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